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Fazer contas

A execução orçamental mostrou que a estratégia do governo continua a caracterizar-se por um retumbante falhanço e que, por causa da dívida, do lado da despesa continua a haver derrapagens apesar de todos os cortes nos serviços públicos, nos direitos e nos salários.

Esta semana ficou marcada pela divulgação da síntese da execução orçamental do governo até Julho de 2014. As leituras que foram feitas por parte do governo e do séquito de comentadores alinhados, por muito expectáveis que fossem, não deixam de ser surpreendentes. A execução orçamental foi apresentada com uma retórica de ‘rigor’ e de ‘sucesso’. Ora, infelizmente para todos nós, as conclusões que se podem retirar não refletem nem rigor nem sucesso, e não é uma questão de má vontade.

De acordo com os dados da execução orçamental, o défice aumentou mais 389 milhões de euros face a igual período de 2013. Os dados mostraram ainda que, em relação ao mesmo período, as receitas do Estado aumentaram 735,1 milhões de euros, sendo que a maior fatia desse aumento (400 milhões de euros) resultou do crescimento em 400 milhões de euros da receita do IVA, o que ironicamente, e ao contrario do que diz o governo, só foi possível em resultado das decisões do Tribunal Constitucional relativas ao chumbo dos cortes nos salários, decisão que permitiu aumentar o poder de compra das famílias. Não se pode, assim, classificar de sucesso uma execução que, mais uma vez, falhou o principal objetivo do governo – a redução do défice – porque este aumentou. Aumentou porque a dívida pública aumentou – atingindo o histórico peso de 134% do PIB, 20% do que ‘estava escrito’ na lista de promessas da intervenção da troika. O que a execução orçamental na verdade mostrou é que a estratégia do governo continua a caracterizar-se por um retumbante falhanço e que, por causa da dívida, do lado da despesa continua a haver derrapagens apesar de todos os cortes nos serviços públicos, nos direitos e nos salários. A despesa não pára de aumentar porque a dívida não pára de aumentar, é simples. Foram 350 milhões de euros a mais em despesa pública apenas em resultado dos juros e dos encargos dessa dívida que não pára de aumentar. A execução orçamental é, por tudo isto, mais uma confirmação da enorme insustentabilidade das contas públicas, ao contrário dos anúncios de sucesso encenados pelo governo.

É, por isto, que a dívida continua a estar no cerne de todas as contas, por muitas voltas que se lhe queiram dar. A dívida que está a afundar países e economias inteiras, a dívida que é usada como garrote e desculpa para aplicar doses insuportáveis de austeridade, a dívida que é usada pelas instituições europeias e pelos governos como chantagem, as mesmas instituições e os mesmos governos que não estão minimamente interessados em ajudar os países a livrar-se da dívida. Enquanto a dívida for assim usada para fins que nada têm a ver com a sua redução ou com a recuperação das economias, também assim continuaremos a ver multiplicadas as contas que continuam a fazer da austeridade a “cura” e do Estado Social e dos direitos a “doença”. E isto é tão somente o contrário do que seria verdadeiramente necessário se se quisesse salvar o país.

Artigo publicado no jornal “As Beiras” em 30 de agosto de 2014

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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