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Estado da Educação

Chumbar dificulta as possibilidades de recuperação, ou seja, é inútil. Ainda assim, há quem veja na retenção uma inevitabilidade. Para essas cabeças, a avaliação serve como instrumento punitivo.

É a pergunta a que o Conselho Nacional de Educação (CNE) procura responder todos os anos, num relatório que reúne indicadores sobre todo o sistema educativo. É um retrato de caráter técnico, pelo menos tanto quanto possível quando o tema é educação, quantitativo, mas que nos permite identificar tendências e padrões.

O “Estado da Educação 2016”, recentemente publicado, não foge a esta regra. Tendo sido organizado e redigido na transição de presidência entre o Prof. David Justino e a Profª. Mª Emília Brederode dos Santos, foi na introdução escrita pela recém eleita Presidente do CNE que se destacaram alguns dos maiores problemas do nosso sistema de educação.

São alertas importantes. Por um lado, porque se centram em preocupações de natureza pedagógica e social, em vez de se dispersarem por questões de tipo mercantilista ou produtivista. Não é de menos colocar a equidade e o progresso sociais como a estrela polar do discurso sobre o sistema educativo, sobretudo num período em que a metáfora estava mais para estrela cadente.

Em segundo lugar, só o diagnóstico certo pode levar a uma terapia eficaz. Retirar conclusões sobre o sistema educativo não significa necessariamente encontrar nelas “doenças” que precisam de tratamento.

Tomemos o caso dos chumbos. Um dos dados mais adquiridos sobre o sistema de ensino português é a persistência de uma “cultura de retenção”. Portugal “é o país que mais utiliza a retenção escolar dos alunos. Esta situação verifica-se logo no início do percurso escolar, cerca de 17% tinham chumbado até ao 6º ano”.

Há outros factos relativamente consensuais sobre estas retenções, o primeiro é a “falta de equidade desta prática, uma vez que os alunos que repetem um ou mais anos são principalmente provenientes de classes socioeconómicas mais desfavorecidas”. O segundo é que chumbar dificulta as possibilidades de recuperação, ou seja, é inútil.

Ainda assim, há quem veja na retenção uma inevitabilidade. Para essas cabeças, a avaliação serve como instrumento punitivo ou reforço negativo ao estudo. A aprendizagem e os seus processos são completamente subordinados ao “passar de ano”, ato a partir do qual “está tudo bem”. Se o aluno não passar é porque não é bom o suficiente. Segundo esta lógica, não interessa o progresso do aluno em toda a riqueza do sucesso escolar. Os chumbos servem mais para selecionar quem progride do que para olhar para quem fica para trás.

É inútil, portanto, achar que teremos todos a mesma solução para uma realidade que nem todos consideram ser uma “doença”. Da mesma forma, a “prevalência excessiva da ‘metodologia expositiva’” não será encarada por todos da mesma forma. É que, ao contrário dum ensino de tipo mais experimental, expelir matéria adequa-se muito melhor ao instrumento de avaliação preferido do nosso sistema educativo: os exames.

Esta obsessão pelos exames no básico e secundário é tanto mais incoerente quanto a dimensão das transformações feitas no Ensino Superior para introduzir a avaliação contínua e fugir do excessivo peso dos exames. Um dos sintomas absurdo dos exames, também apontado no relatório, é que “em Portugal, a percentagem de alunos a frequentar o ensino secundário que afirma recorrer a explicações fora do espaço escolar é muito superior a qualquer outro dos países considerados, com 61% dos alunos a declararem ter aulas particulares de matemática com o objetivo de ter boas notas nos exames”.

Se tivermos em conta que “Portugal é, de longe, o país onde os alunos mais tempo dedicam à aprendizagem de matemática (32% dos tempo letivo)”, só podemos concluir que os programas e conteúdos estão completamente desadequados em termos pedagógicos. Isso, ou arranjar bodes expiatórios.

Se admitirmos que estes indicadores são problemas perceberemos que as políticas do anterior governo só os agravaram, e que as soluções só se fazem com mudanças. Nesse caso, estaremos no caminho certo.

Artigo publicado no jornal “I” a 17 de janeiro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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