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Emigrar para morrer

Marco Capatto começou a ser julgado no tribunal de Milão por aquilo que estas suas palavras dizem: ajudou Fabiano Antoniani – conhecido como DJ Fabo – a morrer, transportando-o para a Suíça onde a antecipação voluntária da morte não é penalizada.

“Partiu às 11:40h, cumprindo as regras de um país que não era o seu. Eu regresso amanhã a Itália e autodenunciar-me-ei, dando conta dos meus atos e assumindo todas as minhas responsabilidades”.

Marco Capatto, ativista da Associação Coscioni e militante do Partido Radical italiano, começou a ser julgado no tribunal de Milão, no passado dia 8, por aquilo que estas suas palavras dizem: ajudou Fabiano Antoniani – conhecido como DJ Fabo – a morrer, transportando-o para a Suíça onde a antecipação voluntária da morte não é penalizada. Marco arrisca agora uma pena de 12 anos de cárcere por não ter fingido e por ter tornado pública a sua ajuda a Fabo.

O jovem DJ sofrera em junho de 2014 um grave acidente de automóvel que o atirara para a tetraplegia e a cegueira e para uma degradação crescente das suas diminuidíssimas faculdades físicas, amarrando-o a uma cama e a um sistema de apoio artificial à respiração, num estado de dependência absoluta em contraste com o seu horizonte de vida feito de uma dedicação fervilhante à música e à festa por ela proporcionada.

Fabo decidiu em plena consciência antecipar a sua morte porque a condição para que foi remetido violava grosseiramente a dignidade que se exigira a si mesmo em cada dia da sua vida adulta. Mas a sua decisão de pôr antecipadamente fim a um sofrimento físico e psíquico sem dimensão, provocados por uma desfiguração completa da sua vida esbarrou no Código Penal italiano. A lei italiana, tal como a portuguesa, penalizam a antecipação voluntária da morte, independentemente das circunstâncias. E Fabo teve que emigrar para morrer.

DJ Fabo contou com a ajuda leal e corajosa de Marco Cappato. A sua mãe e a sua namorada testemunharão a favor de Marco no processo agora iniciado. Com os seus gestos, cada um deles ajudou a denunciar a tremenda hipocrisia que é a penalização da eutanásia: ela condena à perpetuação do sofrimento a quem não tiver dinheiro nem amigos para viajar para um país em que a antecipação da morte não é crime.

Por isso é tão importante a iniciativa de deputados/as no Parlamento Europeu – como Marisa Matias ou Ana Gomes – de lançarem um manifesto em que se diz: “Face a esta clara discriminação dos direitos fundamentais na União Europeia, os signatários requerem ao Parlamento Europeu: 1) que leve a cabo uma investigação sobre decisões de fim de vida, sobretudo de cidadãos forçados a viajar para o exterior para morrer, e sobre práticas de eutanásia clandestina; 2) que inste todos os Estados Membros a regular a eutanásia e o suicídio medicamente assistido.”

Artigo publicado no diário “As Beiras” a 11 de novembro de 2017

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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