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Elogio da Defesa Civil

De Pedrógão Grande a Tancos.

O funesto incêndio de Pedrógão Grande por um lado e, por outro, o caricato caso do assalto ao paiol de Tancos, que as baratas tontas da direita, sem capacidade política para responder aos exíguos êxitos da coalizão que apoia o governo, tentam surfar em arranques de imbecilidade peremptória, tiveram o condão de nos colocar perante a questão central da estratégia estruturante da política de defesa nacional.

Bem sabemos que o partido do governo e os da oposição comungam com o Presidente da República do mesmo enlevo quanto ao papel das FA’s na afirmação e defesa da soberania, na projecção de influência diplomática além fronteiras, na salvação do Estado em caso de turbulência social incontinente. Sabemos ainda que é inultrapassável a exaltação patriótica e de esquerda com que são acarinhadas pelo PCP.

Também sabemos que os nossos Generais e Ministros de Defesa pouco têm tido que se preocupar com aquele candente problema: basta-lhes obedecer às directivas da NATO.

O paiol de Tancos veio pô-los na berlinda quer quanto à forma como cuidam do material que lhes está atribuído quer pelo cíclico ressurgir da exigência de verbas condizentes com a dignidade dos elementos das FA’s e com o imperativo das missões que lhes são atribuídas pelos salteadores globais que têm na NATO o seu instrumento de maneio. 

Para as missões de paz da ONU, as únicas que, de acordo com a Constituição da República devemos aceitar além fronteiras, e para a missão de afirmação do poder do Estado que, por enquanto, é disso que se trata quando se fala de soberania popular, as nossas FA’s precisam de levar uma volta sustentada em quatro pilares: a garantia da dignidade e direitos adquiridos dos seus membros; o artigo 7º da Constituição da República que tem estado omisso em praticamente todas as missões no âmbito da NATO e das “alianças” ad hoc que têm sido impostas pelas potências predadoras e subjugadoras, às quais, “orwelianamente”, se chama amigas; e um claro conceito estratégico de defesa de acordo, uma vez mais, com a Constituição da República que integra os reais interesses da soberania popular inscritos por força das lutas populares durante  o PREC, a revolução do 25 de Abril; e a consideração sem rebuço de que, nestes tempos de globalização do império da finança, guerra é terrorismo.

700 milhões

Entram agora em jogo os 700 milhões que as patrióticas vozes garantem que bom que é, adquirir e fabricar armas e munições, tantos postos de trabalho quando a luta contra o desemprego é, realmente, prioridade nacional.

De facto as guerras são, de acordo com a estratégia dos seus promotores, a destruição virtuosa, a mais eficaz e rápida forma de fazer frente às crises do capitalismo. À destruição brutal e assassina dos meios de produção e de centenas de milhar de vidas de trabalhadores, segue-se o investimento na reconstrução e recuperação pelo capital em frenesi, deixando-nos a todos rendidos à sua eficácia e, por que não?, à sua generosidade.

E eu olho para o verdadeiro combate que está a ser travado contra os devastadores e mortais incêndios, em condições tão difíceis e precárias onde nenhuma voz de comando ou de direcção, política ou operacional, consegue disfarçar que a Protecção Civil não está estruturada, organizada e equipada em meios materiais e humanos para tão ciclópica tarefa.

Já sabemos que a tarefa também é ciclópica na Califórnia, na Austrália ou em Espanha e que, também lá, a resposta é sempre insuficiente. Pois…É que a razão é a mesma: Embora noutra escala, a Protecção Civil – defesa das pessoas e bens – é preterida a favor dos gastos militares – destruição de pessoas e bens.

Já sabemos que a tarefa também é ciclópica na Califórnia, na Austrália ou em Espanha e que, também lá, a resposta é sempre insuficiente. Pois…É que a razão é a mesma: Embora noutra escala, a Protecção Civil – defesa das pessoas e bens – é preterida a favor dos gastos militares – destruição de pessoas e bens.

É aqui que se tem de definir o verdadeiro conceito estratégico de defesa nacional: colaborar, directa ou indirectamente – ainda por cima de forma irrisória por mais que isso dê lustre e prestígio à nossas heróicas Forças Armadas – na destruição de pessoas e bens; ou estruturar um sistema estratégico que assegure o máximo de protecção de pessoas e bens sabendo nós que nunca é demais e que as FA’s de que verdadeiramente necessitamos podem pesar metade do que hoje pesam no orçamento e que as Forças de Defesa Civil de que necessitamos exigem o triplo do que hoje dispõem. (por favor não me digam que os números não são exactos…)

Eu sei que o terrorismo é fodido como diz o Miguel Esteves Cardoso do amor e do turismo. Mas também sabemos, por muito que queiram endrominar-nos, que dentro de portas não é com tropa que dele nos defendemos, é com Serviços de Informações e Polícias, embora os submarinos do Paulo Portas tenham uns periscópios à maneira. E, fora de portas, temos é que exigir responsabilidades a quem o provocou e, directa ou enviesadamente, o continua a financiar, armar e sustentar e dele se aproveita. Está tudo investigado, escrito, recortado, confirmado e até, também, confessado, entre-linhas pelo menos.

Refiro-me exactamente à política como continuação da guerra em que, num virtuosismo anti-clauzewitziano, se empenham os EUA, o Reino Unido, a França, a Alemanha,a Turquia, a Rússia,  Arábia Saudita, a dos petrodólares…

Também está descrito nos manuais de amigos, de inimigos e dos próprios, que os EUA são os administradores do sistema global do capitalismo, que delinearam e pretendem preservar, impondo suas directivas aos sabujos caudatários ou pretensos rivais, pela exibição efectiva do seu poder destruidor sem paralelo.

Portanto quanto à FA’s como garante da soberania, estamos mais ou menos falados; sem ofensa. As coisas são como são. Tornar-se-ão piores se não houver coragem de as entender e agir em conformidade.

Os tremendos desafios que temos pela frente e não pararão de aumentar quando (?) os refugiados forem olhados simplesmente como pessoas (deixemo-nos de paleios sobre os valores europeus que foram para a reciclagem) e se/quando Erdogan resolver retaliar e abrir a comporta submergindo ainda mais uma Europa cobarde e com inegável inclinação para o genocídio, exigem uma Defesa Civil que responda com eficácia e segurança permanentes.

Ela terá pela frente mais uma tarefa ingente se/e quando Portugal decidir estar realmente à altura de contribuir para defesa dos direitos humanos em toda a sua amplitude e ajudar (quem?) a travar o cataclismo que já começou.

A filosofia, da direita bem comportada e da social-democracia nem bem nem mal comportada toda ela, é sustentada pelo vamos fazendo o que se pode, sendo que o que se pode é marcado por aquele provérbio do tempo do “bacalhau a pataco”: para quem é bacalhau basta. É preciso é que o sistema funcione. E ele, de facto, funciona.

A esquerda, agora que está dando um passo grande para a reestruturação e defesa da floresta, e o Bloco bem pode orgulhar-se do seu contributo fundamental, tem de desinibir-se e assumir a radicalidade que a situação exige, quer no combate aos incêndios florestais que não vão acabar, vão continuar e recrudescer de violência brutal (e não podemos responder como até agora à maneira cínica de Bush depois da tragédia do furacão Katrina: Deus confrontou-nos com a nossa humildade), quer na definição das prioridades estratégicas da defesa.

Tem que haver escolhas, definir prioridades, fundamentá-las devidamente e traçar uma política capaz de construir um sistema de forças especializadas (profissionais e voluntárias) para a prevenção, vigilância humana e com recurso a meios tecnicamente avançados que já existem, reconhecimento (também aéreo), detecção e combate, apoiadas na informação e formação das populações organizadas pelo poder local para preparação do  terreno e dos meios de reserva e recurso e treino na sua utilização.

Eu sei que o Presidente da Liga dos Bombeiros sabe de tudo isto e diz que está tudo nos conformes, a malta dá conta do recado, somos os melhores do mundo, mas…

Mas uma coisa é certa: os interesses instalados são poderosos e fortemente disseminados. Portanto teremos que atacar o núcleo duro, lá onde as coisas se transformam.

Temos que ousar dizer:

A Defesa Civil é o pilar fundamental da Defesa Nacional (de pessoas e bens, é isso). 

 

Sobre o/a autor(a)

Coronel na reforma. Militar de Abril. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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