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Duas coisas sensatas, uma boa e outra nem por isso
O primeiro foi uma decisão sensata: a Ana decidiu cessar funções como deputada municipal do Bloco. É correto. Alguém que abandona um partido, para criar outro, só poderia ficar com esse mandato se quisesse desrespeitar os eleitores. Esta escolha prova maturidade democrática (e uma bofetada de luva branca a quem procede ao contrário, em benefício da sua carreira).
O segundo passo é explicado num artigo de Daniel Oliveira no Expresso, acerca do “processo confuso e lento para o nascimento de um novo sujeito político, que esteja disponível para construir maiorias de governo”. Este novo partido, explica, deve fazer o que os outros nunca fizeram: concretizar a aliança com o PS para a “governação”. Para isso, evidentemente, tem pela frente uma escolha imediata: não pode propor ao PS que abandone o Tratado Orçamental, mesmo que lamente que este seja um “um atentado à soberania democrática e ao parlamentarismo”. Se pusesse essa condição, a negociação seria uma farsa. António Costa, aliás, já deixou claro que cumpre esses “compromissos internacionais” sem qualquer hesitação. Resta então, explica Oliveira, “rever as metas do Tratado Orçamental”, aceitando-o.
O longo caminho para aqui chegar foi percorrido num ápice. Oliveira, que defendeu a saída do euro como única solução de fundo para Portugal e que considera que o Tratado da austeridade é um “atentado à soberania”, sabia que teria que escolher entre dois caminhos. Ou dá razão ao Bloco e constrói o seu partido no pressuposto de que não é aceitável uma aliança governativa para aplicar esse Tratado e a austeridade que ele representa, ou aceita o Tratado, “um atentado”, rezando para que as suas metas sejam atenuadas, de modo a que a austeridade seja mais leve.
É sempre ilustrativo verificar como esta mudança se processou num relâmpago. O Fórum Manifesto aprovou em dezembro de 2013, há sete meses, uma cuidadosa resolução que criticava o Bloco porque, ao defender a reestruturação da dívida, não concluía que isso conduziria à saída do euro. Mais ainda, explicava – com os votos dos quatro militantes que agora saíram do Bloco e também de Daniel Oliveira – que a União Europeia se transformou num perigo para Portugal:
“Á luz de dois anos de imposição do Memorando de Entendimento, a centralidade do debate europeu na sociedade portuguesa mantém-se, mas assume hoje uma configuração radicalmente diferente. De súbito, a Europa já não surge publicamente como um espaço de modernização social e de desenvolvimento da economia portuguesa. Pelo contrário, é o ator principal de um processo de brutal desvalorização dos rendimentos, de retrocesso de direitos sociais e laborais e de destruição do tecido económico”.
Por isso, o Fórum Manifesto concluía que é preciso preparar a saída do euro:
“Esta opção significa assumir, de forma plena e de princípio, todas as consequências que se associam a um processo negocial com a Troika, incluindo a saída do euro. Mais: apenas assumindo a disposição para ir até às últimas consequências, em resultado de uma convicção consciente e firme sobre a impossibilidade de permanecer num sistema monetário que apenas nos destina a um empobrecimento sem fim, qualquer negociação poderá comportar margens de sucesso.(...) É esse o problema que se coloca em relação ao euro. O euro é, no atual quadro de cor relação de forças políticas, irreformável: correspondeu e continuará necessariamente a corresponder à construção de um fosso intransponível entre centro e periferia europeia, que obrigará a um processo de subdesenvolvimento das economias mais fracas da União. E é justo afirmar que, mesmo que muito mudasse em Portugal e na Europa – e era preciso que muito mudasse em Portugal e na Europa – não há, dentro do euro, futuro para um crescimento económico do país que seja socialmente sustentável” (sublinhados meus).
Em sete meses, para o Fórum Manifesto, a União Europeia passou de “ator principal de um processo de brutal desvalorização dos rendimentos”, impondo a “convicção consciente e firme sobre a impossibilidade de permanecer num sistema monetário que apenas nos destina a um empobrecimento sem fim”, com um “euro irreformável”, dentro do qual “não há futuro para um crescimento económico do país que seja socialmente sustentável”, para a aceitação do Tratado Orçamental e das regras da austeridade, claro que na esperança da sua moderação.
Como o novo partido leva a sério o seu putativo acordo com o PS e sabe que este é que determina a política e, mais, que a “dona disto tudo”, Merkel, não aceita um governo fora do quadro dos Tratados e da política do empobrecimento, anuncia já que os seus promotores moderam as suas posições anteriores e vão à negociação.
É uma decisão realista e mesmo honesta, porque é explicitada para que toda a gente perceba a mudança, mas é duvidoso que seja uma via nova para a esquerda e para o país: ela anuncia o que vai acontecer a esta “governação” e o que vai fazer a Portugal. Por isso, a sua prudência é simplesmente a desistência de resolver os problemas de Portugal. Aliás, se medirmos esta política pela velocidade alucinante da mudança de posição na questão decisiva para Portugal, então percebemos que passamos a ter mais um exemplo da política que sempre nos governou.
Comentários
Caro Francisco Louçã,
Caro Francisco Louçã, reconheço-lhe uma superior inteligência e conhecimento, bem como um património de acção política de grande relevância na Esquerda portuguesa. Tudo isso justifica a minha admiração e apreço. Dito isso, como cidadão esquerda, confesso que muito me desagrada a acção nociva que vem desempenhando quer no BE, quer no campo à esquerda do PS.
Vejo-o comportar-se como um guardador, disciplinador e/ou castigador das almas que pertencendo ou tendo pertencido ao BE não podem escapar à sua tutela. O senhor deveria ter-se afastado e deixado que as coisas seguissem o seu livre curso depois da sua saída das funções de coordenador do BE, mas mostra não ser capaz de o fazer. Tem o seu rebanho sempre sobre vigilância, pronto a aplicar-lhe os seus correctivos. E deixe-me que lhe diga, os seus correctivos não são meras diferenças de opinião; são comentários acintosos, num tom de inimizade e ridicularização dos adversários.
Foi assim com Rui Tavares, de quem o senhor disse na SIC com expressão carregada, ter criado "o partido de um homem só ao serviço de um só homem". E neste texto não perde o ensejo de novamente tentar atingi-lo por via do elogio a Ana Drago pelo seu abandono da Assembleia Municipal de Lisboa.
No caso em apreço, mais uma vez o senhor desqualifica as intenções dos que divergem de si: "a sua prudência é simplesmente a desistência de resolver os problemas de Portugal". Por que não poderão Ana Drago e Daniel Oliveira ter genuínas preocupações com os problemas de Portugal? Desvirtuar as intenções dos outros, imputando-lhes propósitos que de boa-fé não se podem depreender dos seus actos, sendo antes acusações que nos dão jeito para chamar a razão para o nosso lado, não é uma forma leal de debate de ideias.
Sobre as intenções de Daniel Oliveira e Ana Drago a minha discordância consigo é total. Sinceramente eu acho que os move um sentido de urgência de fazer algo diferente face à gravidade dos problemas do país.
Também não é leal adulterar o pensamento de quem criticamos para mais uma vez puxar a razão para o nosso lado. O pensamento de Daniel Oliveira é claramente deturpado no seu texto. Nenhum putativo acordo com o PS é dado como adquirido, bem pelo contrário, todo o processo que possa levar a alguma negociação consequente com o PS é apresentado como complexo, duro e difícil. Por outro lado, não faz qualquer sentido ridicularizar a proposta de renegociação do Tratado Orçamental ou das suas metas. Entre o tratado tal como existe e a sua simples abolição há diferentes graus/nuances que podem ser justamente novas metas mais consentâneas com os interesses do país. Oliveira é claro: "Quem promete proteger o Estado Social e combater o desemprego, pagar a dívida tal como está e cumprir as metas do Tratado Orçamental está a mentir às pessoas".
Onde estão os fundamentos para colocar em causa uma genuína preocupação com os problemas de Portugal? Acaso o entrincheiramento de isolacionismo e definhamento do BE, falando dos "problemas de Portugal" vai contribuir, mais do que até agora, para a solução dos mesmos?
Finalmente uma nota para dizer que o seu texto enferma de uma vício de base. Toma como adquirido que o futuro não poderá ser outra coisa que não uma reprodução do status quo actual. Muita coisa está em mudança na Europa e até a sua visão do PS quanto ao Tratado Orçamental não é exacta. António Costa tem assumido que o Tratado Orçamental é um problema para o País e a actual perspectiva oficial do PS pode mudar e para isso é necessário que se crie uma dinâmica política e social favorável a essa mudança.
Concordo plenamente com a sua
Concordo plenamente com a sua opinião.
O fim do Bloco deverá estar para breve. Infelizmente.
Cumprimentos.
Concordo com o comentário
Concordo com o comentário anterior. Francisco Louçã constrói pontes até com personalidades de direita como Manuela Ferreira Leite e Bagão Félix no manifesto dos 74 , e faz bem, e depois lança suspeitas sobre os outros por quererem dialogar com o PS para salvar o estado social. Quando Ana Drago propôs o diálogo com o partido Livre e as personalidades do manifesto 3D em torno do programa do congresso democrático das alternativas, a maioria dos dirigentes do Bloco recusou. Como vimos nas últimas eleições europeias, já não basta ter uma boa lista e um bom programa para ter o apoio dos cidadãos. É preciso que as pessoas acreditem que esse voto vai servir para qualquer coisa.
"Francisco Louçã constrói
"Francisco Louçã constrói pontes até com personalidades de direita como Manuela Ferreira Leite e Bagão Félix no manifesto dos 74" significa uma cedência daquelas figuras da direita relativamente à sua ideologia e não uma cedência de Louçã. Além disso, o manifesto dos 70, pela sua composição, fragmentou a narrativa da direita, enquanto o Daniel Oliveira e a Ana Drago que não têm autoridade técnica nem representação política, ficam a falar sozinhos.
Espantoso, agora o Francisco
Espantoso, agora o Francisco Louçã FUNDADOR do BE, estaria impedido de dar a sua opinião , sobre factos que atingem directamente o Partido.
Ora aqui está um concepção sui-generis de democracia, e do direito á opinião de qualquer cidadão.
Com a saida de Ana Drago e de alguns militantes ligados ao Manifesto assistiu-se na imprensa, e nas Televisões a um ataque cerrado ao BE, dando-no no minimo como morto e no final enterrado para sempre.
Desde Marcelo ao Augusto Santos Silva, do Jornal I ao Publico e Expresso, foram alguns dos protagonistas desta campanha, que não é inocente e que no caso do Publico e do Expresso, sabe-se que tem sem dúvida , mãozinha de "reaça".
Espera o Joaquim Sá que o PS Costa possa alterar a sua posição, como parecem acreditar o Daniel Oliveira e certamente o Rui Tavares, só que Costa já demonstrou que não quer afrontar a Merkel, e teremos caso o PS viesse a ganhar as eleições um Hollande numero dois, e isso sim, seria desastroso para a ESQUERDA.
È necessário que todos os dirigentes politicos sejam transparentes, é necessário que não se escondam atrás de meias palavras, com o Tratado Orçamental, e sem a Reestruturação da Divida, não há Estado Social, não se fazem omeletes sem ovos.
É tempo de SEPARAR AS ÁGUAS.
Se o Daniel acha que a sua
Se o Daniel acha que a sua presença quase diária na Comunicação Social não chega para influenciar o PS, e não chega, está à espera que meia dúzia de pessoas "bem intencionadas", por assim dizer, tenham alguma influência? Porque não entra para o PS em vez de andar às voltas? ( E ainda assim não lhe garanto que tenha um,a influência que não tem Alegre nem Mário Soares nem nem).
A continuarmos a dar tiros
A continuarmos a dar tiros nos pés, a direita continuará a ctuar com a esquerda nos bastidores. Os sabões da política sem corantes nem conservantes, foram os que estenderam o tapete "encarnado" à troika. Chega de sectarismo, é tempo de Unidade na acção. Haja quem compreenda!!
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