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Deus os perdoe. Eles sabem muito bem o que fazem

O debate público chegou aquele momento em que dificilmente se adiciona conteúdo. Os muitos e fortes argumentos que desmontam a “liberdade de escolha” já foram colocados. Talvez uma escola real ajude os mais indecisos a perceber do que se fala.

Uma revisão do Estado-da-arte do debate

Diz-se que os contratos-associação só devem existir quando a rede pública de estabelecimentos de ensino não tem oferta numa determinada zona. Que duplicam investimento público porque desprezam recursos públicos existentes (ou seja de todos) porque se paga duas vezes o mesmo para suporte a uma determinada zona. Diz-se que os contratos-associação estão, muitos, a perverter a lei de bases do sistema educativo e a própria constituição. Por isso, mas não só, vão ser reavaliados, cumpridos os que existem, mas apenas celebrados novos quando estritamente necessário. Diz-se porque se sabe que as vagas nos colégios privados são poucas e que naturalmente os colégios selecionam as crianças que deixam entrar (tal como já foi noticiado). Diz-se porque é óbvio que para haver liberdade de escolha então teríamos realmente de poder escolher os colégios de qualquer zona onde quiséssemos colocar as crianças, e que não fossem já agora quase todos católicos (porque os colégios privados com contratos-associação são escolhidos à luva). Diz-se por fim que existindo escolas a funcionar, com funcionários, professores, materiais e os demais recursos, fica mais barato (naturalmente) manter as turmas no ensino público do que no privado.

Sobre tudo isto os crentes da iniciativa privada respondem com um argumento lapidar: Ai Jesus, que nos estão a tirar liberdade de escolha.

Não funciona com o cérebro? Então vamos lá fazer um desenho

É de facto um debate difícil e a forte argumentação dos crentes na iniciativa divina dos colégios privados não nos deixa grande margem de manobra. Se há algum deputado do PS que acha que caiu a máscara ao PSD e ao CDS, por mim, acho que esses não têm máscara, têm sim uma maquilhagem muito leve… mas caiu certamente a máscara à Igreja Católica e a face é hoje como era há 80 ou 70 anos atrás, perigosa, agressiva, mentirosa, hipócrita mas bem organizada.

Mas vamos aos argumentos que mais facilmente podem ser interpretados por todos os fiéis e infiéis, as imagens.

Uma escola pública, um só exemplo

Nesta escola pública (Escola Básica 14 de Lisboa – Leão de Arroios) que conheço, e já havia milhões de euros em contratos- associação, as condições eram há dois anos as que se ilustram nas fotografias. Já não é exatamente assim porque os pais movimentaram-se, lutaram contra uma Direção de Agrupamento e uma Câmara Municipal (de Lisboa). Fez-se um abaixo-assinado, foram divulgadas notícias para apelar à força da opinião pública, houve reuniões, discussões, pressões… e conseguiram alguma coisa. Ainda assim, nesta escola, falta hoje quase tudo.

Continua... Sem sombras nem abrigos decentes para quando chove ou está demasiado calor. O calor nas salas e pátio são elevadíssimos.

Continua... Com inúmeras situações graves de danos nas crianças e nos materiais porque o chão do pátio é um perigo para as crianças. Já fomos vezes sem conta à Assembleia Municipal de Lisboa e nada. A Diretora do Agrupamento continuará a fazer o que fez até agora e que resultou em nada.

Continua... Sem Biblioteca a funcionar por falta de dinheiro para contratar um professor bibliotecário.

Continua... Sem recursos informáticos de apoio às turmas.

Continua... Sem Plano de Segurança e Evacuação apesar de se desenvolver como uma cave gigante que ainda para mais partilha paredes com uma embaixada (da Rússia).

Continua… Sem professores de apoio suficientes apesar de ter uma unidade especial (para crianças que precisam de mais apoio por dificuldades ou deficiências várias).

Continua... Sem muitas outras coisas importantes para as crianças, professores e funcionários.

Sobre isto pergunta-se então…

Deveremos canalizar o investimento público para, por exemplo, o colégio do Sagrado Coração de Maria (mesmo ao lado) para que sejam abertas duas turmas (públicas mas sob seleção da direção do colégio) para 50 crianças, deixando as 400 crianças desta escola pública, professores e funcionários, com estas condições?

É isso a liberdade de escolha?

Eu chamo-lhe subsídio ao privilégio e incentivo à desigualdade.

Os nossos votos

Só podemos fazer votos para que Deus tenha misericórdia de quem peca, de quem é avarento e de quem é injusto. Deus os perdoe, mas eles sabem muito bem o que fazem.

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro informático
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