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De olhos bem fechados

A peça “Vitral” está a ser levada à cena em Coimbra pelo TEUC e pelo Projeto D. Às escuras tiveram de estrear porque os cortes chegaram à eletricidade.

A peça chama-se “Vitral”, a encenação é de Leonor Barata, e está a ser levada à cena em Coimbra pelo TEUC e pelo Projeto D. “Infelizmente continuamos às escuras”, pode ser lido numa nota da direção do TEUC de 10 de Outubro, dois dias depois da estreia. Às escuras tiveram de estrear porque os cortes chegaram à eletricidade e, literalmente, ninguém quis saber. Não quiseram saber para a estreia, não quiseram saber para a temporada.

O problema parece simples, mas é bicudo. Não é apenas a falta de energia trifásica que está em causa. Mas, bolas, apetece dizer, essa parte até nem era difícil de resolver. Pois não seria, mas passou a ser. As instituições que poderiam ajudar a resolver o problema atiram responsabilidades umas para as outras. Ninguém parece querer assumi-las. Uma Associação Académica com um quadro de eletricidade velho, uma Universidade que entre a Reitoria e os Serviços de Ação Social não consegue ou não quer arranjar solução, um país que assiste tragicamente à morte de uma política cultural e a passividade perante as dificuldades que atravessa o mais antigo grupo de Teatro Universitário em Portugal. Pode até haver mesmo quem ache que tudo isto é irrelevante, que as artes não são assim tão importantes para a nossa formação e existência. 75 anos não podem ser deitados fora assim. Já ocorreu pensar que cidade teria sido esta sem o TEUC, sem teatro, sem artes, sem as vidas mudadas que essa existência permitiu? É precisamente por tudo isso que o que se está a passar é bastante grave. É uma agressão a todos/as, à nossa memória e ao nosso futuro. E que não tenhamos dúvidas, a corda esticará enquanto o permitirmos.

Os seis atores representaram e continuam a representar uma peça que ninguém pode ver, apesar de a sala encher. As luzes continuam apagadas e ninguém poderá ter uma imagem do resultado do seu trabalho de criação, nem julgá-lo como deveria ser. Num dos textos clássicos do património teatral, da autoria de Pirandello, seis personagens andam à procura de um autor. Aqui são também seis atores que, com a sua coragem, continuam à procura. Não precisam de um autor, mas de quem dê uma simples autorização para que possam ficar totalmente expostos, como deveriam estar todos os atores. Devemos-lhes essa coragem porque ela ultrapassa em muito as fronteiras de Coimbra e as fronteiras do TEUC. Continuarmos a resistir com este grupo é parte de uma obrigação cívica. Como escreveu sabiamente Manuel António Pina em 1974: “Ainda não é o fim nem o princípio do mundo. Calma. É apenas um pouco tarde”. E há cada vez mais dias em que parecemos voltar a 1974, infelizmente o 1974 das luzes apagadas e não o das promessas de uma vida feliz.

Artigo publicado no jornal “As Beiras” a 12 de outubro de 2013

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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