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Daniel Oliveira e a estratégia de “condicionar o PS”
A estratégia proposta por Daniel Oliveira e adotada pelo Fórum Manifesto na sua última assembleia resume-se numa frase: “condicionar o PS”. Já há algum tempo que o ex-dirigente do Bloco e colunista em diversos meios de comunicação vem defendendo a criação de uma nova força de esquerda que, no seu entender, deve cumprir uma dupla função: “governa com o PS se o PS está disposto a regressar às suas origens ideológicas, pune o PS quando ele se aproxima das escolhas fundamentais da direita liberal, roubando-lhe tantos votos que o faz perder eleições”. E concretiza: “Faz falta uma força que seja opositora e aliada, conforme as escolhas do PS e os momentos. Uma força que crie pressão no flanco esquerdo do PS”. (Expresso, “Uma esquerda disponível para condicionar o PS”, 28/5/14).
Deixarei para depois a discussão sobre se este plano é possível, viável, ou se, pelo contrário, é totalmente ilusório. Para já, o que me parece importante é vermos como Daniel Oliveira se propõe a fazer este “condicionamento”.
A nova força de esquerda, que D.O. chama de “novo sujeito político”, tem de ter “uma agenda que corresponda, no fundamental, à tradição social-democrata abandonada pelos socialistas de toda a Europa... um programa rigoroso, corajoso e reformista”, esclarecendo em seguida que é preciso que este conteúdo não sejam apenas bandeiras. “Têm de ser objetivos pelos quais se está disponível para participar num governo e para sair dele.” (idem)
E resume assim: “O que é preciso não é um comparsa que apare os golpes do PS e lhe cubra os erros. O que é preciso é quem seja duro de roer e combativo nos seus princípios. Mas que, no fim do dia, saiba negociar e chegar a compromissos” (Expresso, “Ou queres governar ou serás sempre governado”, 14/7/2014).
A tática de negociação é, então: duro de roer e combativo nos princípios; mas, no fim do dia, compromissos. O que é curioso é que o próprio Daniel Oliveira parece já estar a utilizar a sua receita, sendo que nem o novo partido existe ainda, nem ele começou a negociar com o PS. Aparentemente, já terá passado a fase do “duro de roer e combativo nos princípios”, e chegado o fim da tarde, a fase dos compromissos. Vejamos.
Sobre o Tratado Orçamental, por exemplo, o colunista já foi “combativo nos seus princípios”: [Também convergimos] na necessidade de defender Portugal das exigências de um tratado orçamental que impõe o empobrecimento, a dependência e o declínio", disse, no Expresso de 19 de Dezembro de 2013. Em maio, voltaria ao tema: “E, no momento atual, antes de tudo, recusa do que é imposto pelo Tratado Orçamental (o que implica aqui, e em muitos países, o seu não cumprimento)”. Expresso, 28 de maio de 2014.
Até que chega o fim da tarde, a hora de negociar e chegar a compromissos... e a mudança é flagrante. Diz Daniel Oliveira hoje: “é preciso rever as metas do Tratado Orçamental. Um tratado que constitui atentado à soberania democrática... Mas, falando de um programa de emergência, trata-se de impedir que ele obrigue, para ser cumprido, à destruição do Estado Social. Ele ou as suas metas têm de ser renegociados. Expresso, “Ou queres governar ou serás sempre governado”, 14/7/2014
Assim, sobre o Tratado Orçamental, Daniel Oliveira já defendeu a recusa e o não cumprimento do Tratado Orçamental, para agora dizer que... é preciso rever ou renegociar as suas metas.
No que se refere à agenda da nova força política, Daniel Oliveira fazia há dois meses este resumo: “serviços públicos universais de qualidade garantidos essencialmente pelo Estado, políticas sociais que promovam a coesão, segurança social pública sustentável, pleno emprego como objetivo central da economia, leis laborais que desequilibrem a balança para o lado dos trabalhadores, políticas fiscais progressivas, independência do poder político face ao poder económico e financeiro e políticas económicas que sustentem tudo isto” Expresso, “Uma esquerda disponível para condicionar o PS”, 28/5/14).
Agora diz: “Para mim, o que é indiscutível, nas circunstâncias políticas, económicas e europeias que vivemos hoje, é a necessidade imperiosa de reverter o aumento do desemprego sem ser por via da precarização e das perdas salariais (até porque não resulta) e impedir a destruição do núcleo duro do Estado Social - Serviço Nacional de Saúde, Escola Pública, sistema de reformas e prestações sociais” (Expresso, “Ou queres governar ou serás sempre governado”, 14/7/2014).
Em dois meses, o pleno emprego transformou-se em “reverter o aumento do desemprego”, os “serviços públicos universais garantidos essencialmente pelo Estado” transformaram-se em “impedir a destruição do núcleo duro do Estado social”.
Agora percebemos o motivo da precipitação do Fórum Manifesto, que saiu do Bloco de Esquerda sem nunca ter apresentado em qualquer convenção uma moção com as suas posições (na última convenção, Ana Drago estava na moção maioritária, contra uma outra que tinha como um dos representantes Daniel Oliveira), e não quis esperar a próxima convenção para o fazer. O empobrecimento programático das suas propostas é tão flagrante que elas teriam muito pouco apoio entre a militância do Bloco de Esquerda.
Comentários
Caro Luís,
Caro Luís,
No texto que citas, "ou queres governar ou serás sempre governado", está a resposta às contradições que apontas: "Mas, no limite, Portugal poderá ter de o incumprir" (o Tratado Orçamental). Terias, para ser rigoroso, de escrever: "Assim, sobre o Tratado Orçamental, Daniel Oliveira já defendeu a recusa e o não cumprimento do Tratado Orçamental, para agora dizer que... ele pode ter de ser incumprido": Não teria obviamente a mesma força, porque, na prática, estou a dizer o mesmo.
Sobre o resto, defendia "serviços públicos universais de qualidade garantidos essencialmente pelo Estado, políticas sociais que promovam a coesão, segurança social pública sustentável, pleno emprego como objetivo central da economia, leis laborais que desequilibrem a balança para o lado dos trabalhadores, políticas fiscais progressivas, independência do poder político face ao poder económico e financeiro e políticas económicas que sustentem tudo isto" como um programa de esquerda para “necessidade imperiosa de reverter o aumento do desemprego sem ser por via da precarização e das perdas salariais (até porque não resulta) e impedir a destruição do núcleo duro do Estado Social - Serviço Nacional de Saúde, Escola Pública, sistema de reformas e prestações sociais” para um governo de emergência". Na realidade, não vejo onde esteja sequer a cedência. As posições que defendo no segundo texto são condição primeira para as que defendo no segundo sem qualquer contradição. Pelo contrário, é absolutamente coerente. É que para defender “serviços públicos universais garantidos essencialmente pelo Estado” é indispensável, antes de tudo, “impedir a destruição do núcleo duro do Estado social”.
Olá Daniel, reproduzo a
Olá Daniel, reproduzo a resposta que postei no FB. Um abraço.
Recusa do Tratado Orçamental ou revisão de metas?
O Daniel Oliveira, como sempre muito atento, demorou 15 minutos, desde que a minha opinião “Daniel Oliveira e a estratégia de 'condicionar o PS'” foi publicada no Esquerda.net. Diz que eu tento “encontrar contradições” no que ele defendia e defende para um governo de esquerda. E que não há contradição alguma. Como prova, diz que continua a defender que o TO pode ser incumprido. Bem, se o Daniel não vê contradição entre a recusa do que é imposto pelo Tratado Orçamental (o que dizia antes) e a revisão das suas metas (o que diz agora), eu vejo. E dizer que continua a defender que ele pode ser incumprido, não me diz grande coisa. O Tratado vai ser incumprido por muitos países, como antes era o excesso de défice, que até a França de Sarkozy e a Alemanha de Merkel o fizeram. Depois disso vêm as multas e as sanções.
A questão não é essa. A questão é que Daniel Oliveira rebaixou o seu programa mínimo (palavras dele) para chegar a uma formulação palatável pelo PS e por isso começou a defender “rever as metas” do Tratado, algo que, na minha opinião, Seguro e Costa assinarão de cruz, porque é uma fórmula que não diz nada. Não acho, como diz D.O. no artigo do Expresso de sábado, que “mesmo para este mínimo de compromisso” seja precisa “uma inaudita coragem” (às vezes, o Daniel é assim, digamos, um pouco exagerado – quem seria esse inaudito corajoso?).
Quanto à outra fórmula do programa mínimo de D.O. em relação à dívida, que também é nova – “a dívida tem de ser reestruturada em moldes realistas, que tenham em conta as condições políticas em Portugal e na Europa e as necessidades financeiras do país”, também pouco me diz. Como só conheço uma proposta concreta de reestruturação, a de Eugénia Pires, Ricardo Cabral, Francisco Louçã e Pedro Nuno Santos, que já foi atacada por António José Seguro via Eurico Brilhante Dias (confesso que não conheço posição de António Costa, mas suspeito que também não lhe agrada), gostaria de saber se D.O. a considera realista, e se ela “tem em conta as condições políticas em Portugal e na Europa e as necessidades financeiras do país”.
Há outra questão que eu quero debater, que é a teoria de Daniel Oliveira sobre condicionar o PS à esquerda – com estas propostas empobrecidas ou com outras. Mas isso deixo para um próximo texto.
Para terminar, registo com agrado o tom cordato da resposta do Daniel. Conheço-o há 15 anos. Considero-o, também, meu amigo e só lamento que ultimamente não tenhamos podido conversar muito, como nos tempos da Vida Mundial ou do Grupo Parlamentar do Bloco. Mas é assim mesmo a vida, leva-nos por caminhos diferentes. Desde que conheço o Daniel que temos polémicas políticas. É o caso de mais esta. Eu acho que ele enveredou por um caminho destrutivo que pode pôr em causa muito do que ajudou a construir. Ele achará que eu sou um esquerdista sem salvação que empina o nariz moralmente para não sujar as mãos. A amizade, sobreviverá, estou certo. Mas este último tópico merece discussão. Lá iremos.
Não gostei nada dos punhos de
Não gostei nada dos punhos de renda com que Daniel Oliveira tratou o caso BES no eixo do mal de 12/7. Achei um mau presságio.
Izilda: era só mesmo o tipo
Izilda: era só mesmo o tipo de calúnia que faltava.
O que o Bloco devia ter feito
O que o Bloco devia ter feito era liderar uma convergência de esquerda que tivesse um apoio alargado para negociar um bom acordo com o PS, se o PS estivesse disponível. A participação do Bloco seria uma garantia dessa exigência. O que não é aceitável é criticar quem tenta defender o estado social contra a destruição levada a cabo com pela direita ou pelo PS sozinho (numa versão mais mitigada). É curioso verificar que o avanço da política destruidora da direita tem sido acompanhado pelo declínio eleitoral do Bloco. Dá que pensar.
"O que é que hoje sustenta o
"O que é que hoje sustenta o BE?
O parlamento. Ora o efeito da parlamentarização num grupo como o BE é mortífero. Cria um embrião de partidocracia, aconchegando na Assembleia, deputados e funcionários, logo amplifica as dissidências quando os lugares são escassos ou ameaçam tornar-se ainda mais escassos. E gera aquilo que o ... Lenine chamava o “cretinismo parlamentar”. Os tribunos são bons, e o BE sempre teve bons tribunos para além de Louçã, mas mesmo no parlamento o BE tornou-se bem comportado. O BE vai lá perguntar algumas vezes coisas duras aos governantes, mas nem sempre. E, como o PCP, institucionalizou-se, já não sai pela porta fora quando há um atropelo grave ao funcionamento regular da Assembleia e eles não têm faltado." Pacheco Pereira dixit
Não consigo perceber como é
Não consigo perceber como é que se passam anos a criticar posições políticas e de repente para salvar…sabe-se lá o quê, no primeiro passo ao invés de chamar o prevaricador à mudança, prevarica-se também. Quanto mais falam mais se enterram. Como é que isto endireita? Não somos muitos é verdade, mas destes…não fazem falta. Eles são xuxalistas.
Caros camaradas
Caros camaradas
Eu vou utilizar a frase de um comediante da nossa praça "Falam, falam, falam mas nunca os vi a fazer nada".
camaradas deixem - se retoricas o nucleio da discussão é fácil é fácil de resolver, ou estamos de acordo com o tratado orçamental ou estamos contra ponto final. Agora se começamos a dizer que se deve tirar aquela virgula e colocar um ponto final ou retirar uma palavra e colocar mais uma frase é pura retorica e perda de tempo serve apenas para alimentar o ego camaradas.
Digo isto porque penso que já fiz qualquer coisinha.
Passo a citar:
-Detido pela pide aos 15 e depois aos 17 anos.
- Desconto para a segurança social desde os 12 anos (atenção para os mais séticos tenho um cartão que comprova isto) até hoje, tenho 59 anos.
-Fui sindicalista da CGTP durante 15 anos.
- Sou responsável pela comissão de trabalhadores da Efacec Engenharia Lisboa atualmente e menbro desde 1988.
- Fui Autarca eleito pelo Bloco em Lisboa de 2005 a 2009.
- Estudei até a faculdade sempre de noite.
Caros camaradas o que acabei de escrever não quero que sirva para me enaltecer é só para confirmar que já fiz qualquer coisita.
Agora deixem-se de jogos de palavras o problema do Bloco é outro e tem que ser resolvido rapidamente existe uma democracia interna enviusada pouco clara com muitas interrogações e é isso que dá origem a retóricas da virgula e do ponto final.
Os filósofos gregos pensaram em tudo isto há muito tempo.
Heráclito por exemplo pai da dialética dizia ele.Tudo flui.
Esperamos que para o lado certo.
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