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Crise e desemprego: motores da precariedade

Importa perceber como chegámos aqui, como é que a precariedade se tornou o maior lastro da recuperação económica.

Na passada semana o Observatório sobre Crises e Alternativas do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra lançou um artigo sobre o emprego criado pela retoma económica.

Como é sabido, o emprego em virtude das medidas de reposição de rendimento tem crescido a um ritmo muito expressivo: em novembro de 2017, a taxa de emprego tinha crescido 3,4% e a de desemprego caído 28% face há um ano atrás. Mas há um reverso da medalha: a precariedade é o lastro da retoma económica.

Os dados do estudo do Observatório dão conta de uma enorme rotação no posto de trabalho e de um reduzido peso dos novos contratos permanentes. Aliás, as formas de contratação consideradas atípicas representam cerca de um quinto dos contratos vigentes, a que acresce o part-time, que já cobre 10% dos contratos vigentes. Para além disso, a esmagadora maioria do emprego criado acontece no setor dos serviços, destacando-se a subida do setor do alojamento e hotelaria.

Nas remunerações, de acordo com o mesmo estudo, os novos contratos são sobretudo influenciados pela subida do salário mínimo: verificam-se acréscimos quando o salário mínimo sobe, mas os novos contratos têm salários muito mais baixos do que a média da economia. Como sempre, os salários não são iguais para contratos diferentes, os contratos mais precários têm salários de entrada mais baixos que os contratos permanentes. Mas este hiato está a diminuir graças a uma tenaz que comprime os salários: as subidas do salário mínimo fazem subir o limite mínimo e os restantes salários descem.

A retoma tem significado mais emprego, mas também pior emprego e salários mais baixos. Importa perceber como chegámos aqui, como é que a precariedade se tornou o maior lastro da recuperação económica.

Antes da crise a precariedade já ditava condições de trabalho piores e menores rendimentos, principalmente aos jovens que entravam no mercado de trabalho. No entanto, a crise veio mudar tudo, por dois motivos: (1) o desemprego levou à destruição de muito emprego estável e as pessoas que ficaram desempregadas reentraram no mercado de trabalho em piores condições; (2) as alterações às leis laborais, a redução dos apoios sociais, nomeadamente do subsídio de desemprego, e a destruição da contratação coletiva realizadas pelo governo PSD/CDS durante a crise mudaram as regras do mundo do trabalho, para pior.

Ou seja, a crise e o desemprego funcionaram como o motor do aumento da precariedade e da compressão salarial que hoje assistimos. Se, normalmente, as alterações às leis do trabalho no sentido de maior precariedade demoram décadas a afetar todo o contingente dos trabalhadores, a crise e o desemprego que causou acelerou o relógio.

Mas há medidas que têm vindo a ser tomadas e que poderão estar a mitigar um impacto ainda maior destas alterações. Em primeiro lugar, a subida do salário mínimo nacional: entre 2016 e 2018 teve um crescimento nominal de 15%, o que significou um acréscimo de poder de compra de 11% para 800 mil trabalhadores. Em segundo, a aposta na contratação colectiva: no novo ciclo político a negociação entre trabalhadores e patrões voltou a ser ativada, apesar de ainda estar longe dos níveis pré-crise. E, finalmente, a reposição de salários, pensões e apoio social.

No entanto, como se prova pelo artigo do Observatório, essas medidas não são suficientes e seria necessário reverter as alterações ao código do trabalho impostas pela troika e avançar com a penalização por via de aumento da TSU para as empresas que abusam dos contratos não permanentes.

Precisamos de emprego, mas de emprego de qualidade para podermos ter uma retoma sustentável a médio prazo.

(Aproveito para divulgar um debate sobre o estudo citado neste artigo, a acontecer no próximo dia 16 de janeiro às 18h no CES Lisboa. Mais informações aqui).

Artigo publicado em jornaleconomico.sapo.pt a 15 de janeiro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro e mestre em políticas públicas. Dirigente do Bloco.
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