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Algumas notas sobre a nota de Educação Física

É necessário, mais do que no passado, criar uma cultura da prática desportiva que previna um conjunto de doenças e promova um estilo de vida saudável.

O Bloco deu entrada de um projeto de resolução na Assembleia da República onde defende a nota de Educação Física como parte integrante da média final do Ensino Secundário e da média para acesso ao Ensino Superior. Resumidamente, a proposta visa devolver à Educação Física o estatuto que já todas as outras disciplinas têm. Digo devolver porque esse estatuto valorativo existiu até 2012, data em que o Governo PSD-CDS decidiu que a disciplina era secundária. O que estava por trás dessa decisão foi o que assistiu a tantas outras alterações negativas na Escola Pública na era da Troika: a narrativa que dividia as disciplinas ‘estruturantes’ de todas as outras. A título de lembrança, partilho um excerto da intervenção em plenário do então deputado Luís Fazenda sobre o tema: "se se diz à sociedade que as notas da Educação Física não contam, passa-se a mensagem que a cultura física é secundária, é toda uma conceção de escola que é vazada nesta decisão".

A prática de Educação Física é diferente do que se faz nas outras aulas? Sim. É um argumento válido para a Educação Física como para qualquer outra disciplina. Uma aula de leitura em Português também é diferente de um exercício prático no laboratório numa aula de Química. Cada disciplina exige as suas competências específicas; isso nunca serviu de justificação para prescindir da nota de nenhuma área, justamente porque a riqueza da Escola Pública também depende de uma visão integradora e plural que assuma para si a responsabilidade de promover competências em todas as áreas do saber.

No entanto, a pertinência deste debate vai muito para além da discussão curricular no ensino obrigatório: é uma questão de saúde pública. Segundo a Fundação Portuguesa de Cardiologia, 67% da população não pratica pelo menos uma hora e meia de atividade física ao longo da semana; esses valores têm vindo a aumentar, ou seja, há cada vez mais sedentarismo entre a população portuguesa. É necessário, mais do que no passado, criar uma cultura da prática desportiva que previna um conjunto de doenças e promova um estilo de vida saudável.

Existirão sempre injustiças e amarguras no acesso ao ensino superior. Mas esse é um debate sobre a pertinência dos exames nacionais, a existência de numerus clausus e o próprio modelo, não é sobre a nota de Educação Física. A avaliação a esta disciplina torna-se um problema se for baixa, poderá ser uma vantagem se for alta (tal como qualquer avaliação). O que não me parece justo é um aluno que decida ingressar no curso de Engenharia Mecânica (por exemplo) ver o seu percurso e a sua nota na disciplina de Matemática valorizados, enquanto que um aluno que decida prosseguir estudos superiores em Desporto ver, na mesma, o seu percurso valorizado num conjunto de áreas do saber menos na Educação Física.

O rasto deixado pelas políticas nefastas de Nuno Crato é maior do que podíamos imaginar. Recuperar uma estratégia humanista e democrática para a Escola Pública não pode deixar de combater todos os elitismos existentes, sejam eles baseados numa visão que encerra preconceito contra as ciências sociais, contra as artes, contra a prática desportiva ou qualquer outra área do saber.

Sobre o/a autor(a)

Museólogo. Investigador no Centro de Estudos Transdisciplinares “Cultura, Espaço e Memória”, Universidade do Porto
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