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As “indústrias criativas”

Pela soleníssima mão do Senhor Presidente da República, as «indústrias criativas» ganharam uma aura de salvação nacional, particularmente para a Região do Porto, enquanto guarda avançada de uma «nova economia» baseada na cultura, no simbólico e no imaterial. Convém lembrar, no entanto, que esta retórica e frenesim do «criativo» encontra as suas raízes numa série de pensadores, com Richard Florida e os seus best sellers (The Rise of the Creative Class, Cities and the Creative Class, and The Flight of the Creative Class) à cabeça, levando ao Olimpo noções tão ambíguas e ideológicas como «talento», «empreendedorismo», «clima criativo», cidades criativas»; etc.

Na verdade, este novo magma tem servido de legitimação a novos processos de filtragem e recomposição social dos territórios urbanos (processo conhecido por «gentrificação» - do inglês «gentry», pequena nobreza; regeneração; renascimento; nobilitação, etc.) em que os intermediários culturais (também designados de «boémia») surgem como pioneiros de um processo de competição brutal entre os usos da cidade, com comprovados prejuízos para as classes populares, num novo refluxo/expulsão para os subúrbios mais precários.

Primeiro chegam as galerias, a moda, os bares, o design, o comércio de «charme», habitualmente com um toque «retro», os restaurantes gourmet. Mais tarde, o soft dá lugar ao hard: inflação e especulação imobiliária, grandes equipamentos e complexos habitacionais de luxo, condomínios fechados, parcerias público-privadas para a «reabilitação» dos espaços públicos...

De onde conhecemos tudo isto? Das nossas cidades, claro. Suponho que a demolição do Aleixo, no Porto, há-de caber no criativo.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo, professor universitário. Doutorado em Sociologia da Cultura e da Educação, coordena, desde maio de 2020, o Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.
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