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Contratos emprego inserção: o voluntariado forçado de 100 mil pessoas

São já mais de 100 mil as pessoas que trabalham no Estado e em IPSS sem salário ou direitos laborais.

 

São pessoas sujeitas a uma das mais agressivas formas de exploração laboral, o “trabalho socialmente útil” materializado nos contratos de emprego inserção (CEI). Até quando vai esta realidade continuar silenciada?

As relações laborais atípicas têm vindo a recrudescer ao longo dos últimos anos, seja através do recurso a empresas de trabalho temporário, falsos recibos verdes, estágios ou trabalho não declarado. À medida que a emigração atinge números inéditos e que o desemprego afeta mais de um milhão de trabalhadores, as condições para a opressão de quem trabalha intensificam-se também. É neste contexto que os contratos de emprego inserção se estão a disseminar, atingindo já mais de 100 mil pessoas (que apesar de desempregadas não contam para as estatísticas do desemprego).

As medidas que obrigam pessoas desempregadas a trabalhar foram conhecidas durante vários anos como Programa Ocupacional de Emprego (POC), sendo o seu nome mais recente Contrato de Emprego Inserção (CEI) – quando destinado a pessoas que recebem subsídio de desemprego – e Contratos de Emprego Inserção+ (CEI+), quando os destinatários são pessoas que recebem o rendimento social de inserção (RSI).

O funcionamento destes programas é, em traços gerais, o seguinte: a colocação de trabalhadores ao abrigo de CEI e CEI+ é da responsabilidade do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP); podem candidatar-se a receber estes trabalhadores as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e os serviços públicos do Estado, devendo para tal manifestar o seu interesse junto do IEFP. Posto isto, o IEFP contacta as pessoas inscritas no Centro de Emprego que considera adequadas e escolhe uma pessoa que tem obrigatoriamente que aceitar a colocação no CEI ou CEI+ sob pena de perder o subsídio de desemprego ou o RSI.

De acordo com a legislação em vigor, os CEI e CEI+ não deveriam ocupar postos de trabalho, mas é por demais evidente que não é isso que acontece. Na verdade, há diversas funções do setor público que são asseguradas graças aos CEI e CEI+, como sejam os auxiliares de ação educativa nas escolas, sendo por demais evidente que esta se trata de uma função permanente e que, portanto, estas pessoas deveriam ser contratas. O mesmo se passa nas IPSS que recorrem por demais a CEI e CEI+ para asseguram funções inerentes a estas instituições, escusando-se assim a pagar um salário a trabalhadores.

Ora, as pessoas contratadas através de CEI e CEI+ são extremamente interessantes para as entidades contratantes uma vez que elas significam trabalho quase gratuito e quase sem direitos. De facto, a entidade contratante tem apenas que pagar o subsídio de transporte e de alimentação e uma pequeníssima parte da bolsa mensal que o trabalhador recebe.

No final do mês, a pessoa que está a trabalhar ao abrigo de um CEI receberá o seu subsídio de desemprego, acrescido de 83,84€ (20% do Indexante dos Apoios Sociais). Uma pessoa que esteja a receber o RSI; no final do mês vai receber 419,22 euros por mês (valor do Indexante dos Apoios Sociais), sendo que a entidade contratante paga apenas 10% deste valor caso seja uma IPSS e 20% se for uma entidade pública, sendo o restante pagamento assegurado pelo IEFP.

Perante o exposto se constata que para a entidade patronal esta medida só apresenta vantagens, uma vez que quase nada tem que pagar por um trabalhador a tempo inteiro, trabalhador este que, formalmente, é um desempregado a exercer funções socialmente úteis e que portanto não tem direitos laborais.

Neste cenário, criam-se naturalmente expectativas junto das pessoas desempregadas que esperam poderem ser empregadas por estas instituições, o que nunca acontece não só porque essa não é a intenção de fundo como também porque há um batalhão de pessoas desempregadas prontas a serem obrigadas a trabalhar de graça quando aquele CEI for embora.

De acordo com os dados oficiais do IEFP, em 2013 este instituto público tinha como meta a colocação de 61856 pessoas através de CEI e 12993 através de CEI+, o que perfaz um total de 74849 pessoas a serem colocadas ao abrigo destas medidas.

Contabilizando as pessoas que entraram em CEI e CEI+ em 2013 e as que se encontravam já a trabalhar ao abrigo desta medida, estamos a falar de mais de 100 mil pessoas que estão a trabalhar no Estado e em IPSS através de CEI e CEI+.

100 mil pessoas que deveriam ter um contrato de trabalho com os direitos e deveres laborais associados.

100 mil pessoas que não estão contabilizadas nas estatísticas do desemprego.

100 mil pessoas que são voluntárias à força.

Uma sociedade decente não pode permitir que esta realidade continue silenciada!

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, deputada na Assembleia Municipal de Braga, ativista contra a precariedade
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