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E quem cuida dos cuidadores?

Anabela, Sofia, Maria e Liliana. É o nome das quatro mulheres que esta semana deram a cara no Parlamento pelas cuidadoras de pessoas com Alzheimer e outras demências ou patologias degenerativas.

Muitas destas pessoas transformam-se em cuidadores e cuidadoras por amor e necessidade. Assistem à degradação diária das pessoas de quem gostam e estão lá. Dão o seu tempo e aprendem por instinto. Procuram informalmente quem esteja em situações semelhantes, porque é preciso partilhar informações, dúvidas e angústias. Muitas deixam de conseguir trabalhar, logo no momento em que as despesas a que têm de fazer face se multiplicam. Demasiadas vezes, ficam sozinhas nisto, a oscilar em silêncio entre a preocupação com o outro e o seu próprio esgotamento, entre a preservação de si e o sentimento de culpa por não conseguirem fazer tudo. Frequentemente, o desgaste físico e emocional leva-as até ao limite. Problema delas? Não, problema nosso. Os cuidadores cuidam dos outros mas ninguém se lembra de cuidar deles – e esse é um falhanço que nos diz respeito a todos.

De acordo com a Entidade Reguladora da Saúde, num relatório de dezembro de 2015, Portugal tem a “menor taxa de prestação de cuidados não domiciliários” da Europa e “uma das menores taxas de cobertura de cuidados formais”. Isto não é uma coincidência. Ou seja, o Estado não está a conseguir garantir as respostas que deveria dar às famílias e às pessoas dependentes destes cuidados. E ao não fazê-lo, empurra-se para as famílias a responsabilidade e obrigatoriedade da prestação de cuidados.

Para os doentes de Alzheimer – como para tantas outras pessoas que ficam dependentes - falta quase tudo. Faltam respostas nas políticas públicas de saúde (transportes e consultas de neurologia com cobertura em todo o território, apoio domiciliário), faltam estruturas de acompanhamento e instituições capazes de acolhê-las, especializadas neste tipo de patologias e acessíveis a quem não é milionário. Falta muitas vezes o reconhecimento do seu estatuto de doentes crónicos. Falta uma rede nacional de cuidados integrados que responda a todas as necessidades. Falta uma política fiscal clara que permita deduzir as despesas com os produtos de que estes doentes necessitam para viver com dignidade e autonomia. Mas falta também atuar do outro lado – o dos cuidadores.

Há um ano, aprovou-se no Parlamento uma série de recomendações ao Governo para que fosse criado o estatuto do cuidador informal. Algumas coisas eram mais simples que outras, umas exigiam mais investimento, outras um esforço que convocava o Estado mas também quem emprega. Parecia haver um certo consenso, mas nada avançou. Falamos, por exemplo, de garantir aos cuidadores na prestação de cuidados o apoio de que necessitam (de enfermagem, cuidados médicos, de fisioterapia, de ordem psicossocial, na prescrição e administração de fármacos), falamos de formação e informação sobre a patologia e as melhores técnicas para prestar cuidados (que algumas associações já tentam fazer), de garantir o direito do cuidador ao descanso (por via da existência de camas públicas ou dos cuidados domiciliários prestados pelos centros de saúde), de prever na lei a redução do horário de trabalho sem que se reduza a remuneração, falamos do acesso a prestações sociais (subsídio de apoio à terceira pessoa, pensão de sobrevivência...), da contabilização do tempo em que se está em casa a prestar os cuidados como tempo de carreira contributiva, da possibilidade de ter uma baixa médica prolongada para dar assistência a quem esteja nesta situação. E de tantas outras coisas.

Bem sei que nada disto se fará sem insistência, sem esforço e sem recursos. Mas se houver vontade, eles encontram-se. Se não for pelos “outros”, que seja por nós. Quem nunca conviveu (mais de perto ou mais indiretamente) com situações deste tipo? Quantos não viremos a precisar também, nalgum momento da nossa vida, destes cuidados? Na verdade, nunca estamos a falar dos outros. Eles e elas somos nós.

Artigo publicado em expresso.sapo.pt a 21 de abril de 2017

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo.
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