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Rendas da energia mais garantidas que a primavera

É março. E todos os anos, por volta desta altura, ficamos a saber quanto lucrou a EDP e ainda quanto deu a ganhar ao seu presidente, António Mexia.

Apesar da indignação, também há quem sempre se apresse a justificar os valores absurdos: Mexia merece ganhar mais de 2 milhões de euros porque a EDP lucrou 961 milhões em 2016 e distribuiu, em dividendos, 670 milhões. Tudo corre bem. Porque havemos nós de embirrar com o salário de um gestor tão bem sucedido?

Comecemos por um facto simples. Portugal tem das energias mais caras da Europa. Na fatura da eletricidade, grande parte do valor não corresponde ao preço da energia, mas a rendas. São milhões de euros que, a cada mês, entram nos cofres da EDP a vários pretextos: subsidiar as energias renováveis ou continuar a compensar a EDP pelos riscos do mercado, tal como garantido desde a liberalização do setor.

Os preços aumentaram muito nos últimos anos, mas nem sempre o suficiente para pagar todas estas rendas. Por isso, a EDP reclama que os utilizadores de eletricidade têm, para com ela, uma enorme dívida: a dívida tarifária. É esse o argumento que justifica novos aumentos quando, em abono da verdade, boa parte dessa dívida já nem está registada nas contas da EDP. É que a empresa já vendeu a nossa dívida a outros - a quem agora devemos como consumidores de energia - e lucrou com isso.

Os lucros maravilhosos da EDP são portanto conseguidos à custa dos preços astronómicos pagos pelos consumidores de energia em Portugal.

Soubemos ainda esta semana que a EDP recorreu ao PERES para regularizar dívidas que tinha ao Estado. Poupou assim quase 20 milhões em juros. A mesma EDP que contesta toda e qualquer contribuição que o Estado lhe exija.

Os lucros da EDP poderiam ser energia mais barata - ou dinheiro nos cofres do Estado, fosse a empresa pública e não do Estado chinês. O Governo deveria portanto pôr um fim às astronómicas rendas da energia, como vem defendendo o Bloco de Esquerda.

Quanto a António Mexia, nenhum administrador, por melhor que seja, deve poder ganhar dezenas de vezes mais que os seus trabalhadores. Sobretudo quando, como na EDP, os seus lucros são rendas garantidas pelo Estado ou direitos negados às centenas de precários nos seus "call centers", por exemplo.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias”, em 21 de março de 2017

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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