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Bibliotecas, Arquivos, Museus: a gestão democrática e transparente de equipamentos culturais autárquicos
Se encararmos estes equipamentos e a sua gestão como centrais na vida das comunidades locais, estamos a aceitar que eles são centrais nas políticas de cultura a aprofundar e/ou implementar. Tratam-se de equipamentos existentes em quase todas as autarquias, equipamentos que sofreram muitas beneficiações no pós 25 de Abril. Mas estas beneficiações não aconteceram com a mesma intensidade, nem sempre contemplam todos os cidadãos por igual e nem sempre são sinónimo de processos transparentes. Os autarcas do BE deverão tentar levar à prática políticas que assegurem o aprofundamento dos processos de criação e gestão; devem também assegurar que não há faixas populacionais que fiquem esquecidas; e deverão garantir que a relação dentro da autarquia ou desta com os cidadãos se regem por princípios de grande transparência e cooperação.
Se os autarcas do BE se empenharem nestas frentes, o resultado que se atingir será de muito maior democraticidade e aproximação com as populações.
Se a descentralização ganhar nas várias frentes, o perigo do caciquismo é real. Os presidentes das câmaras, e das juntas, a jogar em casa, recorrerão às relações de proximidade para imporem os seus pontos de vista, os seus conhecidos, farão toda uma magistratura de influência. Os autarcas do BE têm de se opor a esta derrapagem que não é uma fantasia. O caso da Biblioteca Municipal da Nazaré com o afastamento injustificado de funcionários está aí para fundamentar os nossos receios. Na Nazaré nem a decisão do tribunal tem impedido o presidente da CM de prosseguir com a sua política e diz o ministro da Administração Interna que não pode fazer nada. Imagine-se se a descentralização avança!
São os lugares e são também os conteúdos. Nas bibliotecas, nos arquivos e nos museus tem de haver espaço para a afirmação identitária de cada localidade. Os programas culturais destas instituições têm de valorizar a história local, a riqueza cultural local (etnográfica, arqueológica) o que não os impedirá, claro, de adoptar procedimentos técnicos universalmente aceites e como tal emanados de uma autoridade central. Esta combinação entre centralismo e regionalização deve constituir uma preocupação maior. As bibliotecas, arquivos e museus não são uma espécie de MacDonald’s da cultura, sempre igual, sem diferença de sabor, de ementa ou soluções de espaço ou equipamento.
As bibliotecas têm de atender às necessidades locais e para o fazerem têm de comprar livros, revistas, fotografias. Têm de mostrar junto das populações que estão disponíveis para aceitar espólios (mais ou menos modestos) de cidadãos que os queiram doar para depois serem tratados e disponibilizados à população. Têm de adquirir novidades bibliográficas de acordo com os perfis dos seus leitores, não podem depender de ofertas ad hoc, sem coerência nem orientação. Têm de ter actividades para as crianças sim, e para os adolescentes mas também para os cidadãos mais velhos e sobretudo para os séniores. Seria bom encontrar nas bibliotecas municipais os séniores a ler depois de trocarem os supermercados pelas salas de leitura. Existe um Plano Nacional de Leitura dirigido sobretudo para a população escolar; então, e se houvesse qualquer coisa idêntica a pensar na população sénior? Ou a criação e o fomento de Clubes de Leitura? Ou um Dia da Leitura, com leitura feita em voz alta para quem se queira reunir e discutir o que foi lido?
Nos arquivos, é absolutamente inadiável organizar os arquivos históricos e disponibilizá-los. O Arquivo Histórico será o instrumento mais bem apetrechado para poder desenvolver políticas de recolha e protecção do património
documental. O Arquivo Histórico tem de ter instalações próprias, pessoal habilitado e horário de abertura. O Arquivo não é um parente pobre das bibliotecas e não pode ser encarado como um favor da autarquia. É sobre o Arquivo Histórico que recaem grandes responsabilidades em matéria de reconhecimento da identidade local. Trata-se do enriquecimento de uma consciência local, do exercício de uma verdadeira cidadania.
Os Museus têm idêntica responsabilidade. Os autarcas do BE não podem permitir museus instalados sem dignidade ou sem pessoal qualificado. Para bibliotecas, arquivos e museus é indispensável pessoal devidamente qualificado que através de
concurso público acede a uma função e aspira a uma carreira. As três instituições têm de dispor de um quadro de pessoal que dignifique a instituição e valorize a função. A existência de pessoal qualificado e que se submeteu a provas para ascender a determinada função é um garante de responsabilização e de transparência. Os autarcas do BE devem batalhar para a clareza destes processos; não é mais aceitável que os assuntos sejam tratados por compadrio segundo o humor do funcionário atrás do balcão.
Para além destas regras muito transparentes em matéria de recrutamento, também as instituições municipais para obstar ao caciquismo devem ver institucionalizada a criação de Conselhos Consultivos democraticamente eleitos aos quais competirá propor e monitorizar programas de acção para as instituições. Nem as instituições ficam reféns de um técnico superior (seja bibliotecário, arquivista ou museólogo) nem passam a ser extensões do poder presidencial. Os Conselhos Consultivos deverão ter uma quota de representantes da população democraticamente escolhidos e perante a qual serão chamados a prestar contas.
A cultura é o que se serve, sim, mas também é a questão democrática de como se implementa e garante. No equilíbrio da combinação entre procedimentos técnicos (sujeitos a alguma fiscalização ministerial) e o reconhecimento dos interesses e aspirações locais, deverá ser possível tornar as instituições mais abertas, mais próximas dos cidadãos e mais abrangentes.
Lisboa, 1 de Março de 2017
Maria Luísa Cabral
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