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Quem sabe, sabe e o BES é que sabia

Sejamos sinceros: depois dos casos BPN, BPP, BCP e agora com o caso BES, não estaremos já em condições de dizer que o sistema, como está, é desenhado exatamente para que estes casos aconteçam? Logo, há que alterar o sistema; não basta regulá-lo.

1. O BES já teve um slogan que era ‘Quem sabe, sabe e o BES é que sabe’ que agora se mostra de uma sinceridade enorme. O BES (e Ricardo Salgado, em concreto) sabia da situação de falência de várias holdings do Grupo Espírito Santo - ‘o BES é que sabe!’ – mas os reguladores nem faziam a mínima ideia do que lá se passava.

As contas do Grupo eram falsificadas, pelo menos desde 2008, mas só eles é que sabiam. Ninguém o tinha conseguido descobrir se não fosse uma zanga de família por causa do controlo da Semapa que levou Pedro Queiroz Pereira a entregar um dossier bastante comprometedor ao Banco de Portugal e à CMVM.

A partir daqui destapou-se o véu: uma auditoria à ESI descobriu 1,2 mil milhões de euros de dívida que tinham sido escondidos das contas e que colocavam a holding em falência técnica. Na totalidade, no GES haveria um buraco de qualquer coisa 7,7 mil milhões de euros…

A primeira questão a fazer deve ser ‘Mas que raio de modelo regulatório é este em que um Grupo Económico apresenta anualmente contas falsificadas e esconde buracos que valem mais do que um ano do Serviço Nacional de Saúde e ninguém dá por nada?’.

O Banco de Portugal e a CMVM deixaram bem a nu as falhas do modelo regulatório. Ainda ontem, o Presidente da CMVM dava um exemplo dessas falhas:

O Grupo Espírito Santo utilizava a ESFG e o BES para colocar milhares de milhões de euros de dívida nas mãos de clientes a retalho. Na prática, utilizavam o BES para vender papel comercial aos seus clientes. Claro que não informavam os clientes que as holdings estavam falidas e colapsariam a qualquer momento nem prestavam qualquer informação sobre a situação dessas holdings! Mas esse seria o tipo de informação que deveria dar à CMVM para que esta autorizasse a venda de papel comercial. Havia, no entanto, uma forma de fugir: se o papel comercial fosse vendido em pequenos lotes (digamos, de 40 milhões de euros) e fosse colocado junto de grupos com menos de 150 investidores, não era necessária nenhuma autorização nem prestação de contas à CMVM.

E foi assim que o BES foi vendendo dívida da Rio Forte e da ESI, de pequeno lote em pequeno lote, até chegar a milhares de milhões de euros de dívida colocada nas mãos de clientes a retalho do BES.

2. O modelo regulatório não funciona, como se vê. Baseava-se, em grande medida, nas contas que lhe eram entregues pelo Grupo Espírito Santo e delas atestavam que estava tudo bem. O problema é que as contas eram falsificadas e efetivamente não estava nada bem…

Há, no entanto, um fator político importante. O Governo também atestava da idoneidade do Grupo Espírito Santo e Banco Espírito Santo, utilizando, por exemplo, o BESI para assessorar o Governo nos processos de privatização da REN, da EDP ou da ANA.

Ora, não só o sistema regulatório é inerte no caso de um Grupo falsificar contas, como o Governo mostrava confiar no Grupo, em particular no Grupo do Banco Espírito Santo (onde se integra o BESI).

Claro que esta relação vem de longe. O BES, como se sabe, já colocou vários membros em Governos, caso de um recente Ministro da Economia, Manuel Pinho. Esta era uma forma de controlar, mas também de ludibriar.

3. O modelo regulatório mostrou-se, como se vê, insuficiente. E não apenas a atuação do BdP ou da CMVM. É o próprio modelo de regulação que é incapaz; o modelo regulatório existe para fazer funcionar o capitalismo. Colocar uma trela num leão não o doma, da mesma forma que tentar regular o capitalismo não o torna menos perigoso, mas tenta legitimar a sua fúria exploradora.

O Governador do Banco de Portugal, que defende este modelo, veio defender, de forma a melhorar o sistema, a criminalização da prestação de falsas declarações. É uma proposta frouxa. Frouxa porque, criminalizado ou não esse ato, o problema é que o BdP não conseguiu perceber, no caso do BES, que a informação que estava a ser prestada era falsa. Ou seja, havia um problema que era o da informação falsa prestada pelo BES, mas havia um problema ainda maior que era o Banco de Portugal não ter forma de verificar a veracidade da informação prestada. E a proposta do Governador do Banco de Portugal em nada resolve este segundo problema, que é o principal.

A forma como estes grandes grupos económicos se organizam é feita exatamente para que não se consiga perceber o que se passa dentro deles. A construção de holdings em cascata, a dispersão por várias empresas e estruturas acionistas, a constituição de subgrupos dentro das holdings do grupo económico, a sediação de holdings e empresas em vários países diferentes, a operação em offshores… Tudo é feito para criar uma nebulosa.

As contas dos grupos nunca são apresentadas de forma consolidada, as várias empresas ou holdings do grupo estão sob supervisão de diferentes reguladores (uns estrangeiros, outros nacionais, uns que atuam sobre a área financeira, outros sobre outras áreas), a que acrescem as operações que passam por offshores, onde nada é controlado…

A construção destes Grupos impossibilita qualquer regulação, como se vê. É feita para fugir à fiscalização e à regulação. Mostra que é fundamental intervir, mais do que a nível regulatório, a nível de lei e de imposição de limites às atividades destes grupos.

Por exemplo, os Grupos devem ser obrigados a apresentar contas consolidadas (assim fica mais difícil esconder dinheiro ou buracos) e deve haver limitação à reprodução de holdings, grupos e empresas dentro do mesmo Grupo. Ou seja, estes grupos devem ter, obrigatoriamente, uma estrutura mais simplificada e transparente.

Deve atacar-se fortemente os offshores e impedir que grupos e empresas que atuem em Portugal possam ter atividade nesses paraísos fiscais. Já sabemos que quem faz passar a sua atividade por paraísos fiscais ou está a tentar esconder a sua atividade ou a tentar não pagar impostos pelos seus rendimentos, por isso, o Estado não o deve permitir.

Deve ainda separar-se de forma clara as atividades de banca de investimento das atividades de banca comercial, não se permitindo que as mesmas entidades desempenham os dois papéis.

É necessária uma reforma radical que vá muito para além do modelo regulatório ou do princípio de atestado de idoneidade. São as medidas necessárias porque são as que atacam a raiz do problema.

Sejamos sinceros: depois dos casos BPN, BPP, BCP e agora com o caso BES, não estaremos já em condições de dizer que o sistema, como está, é desenhado exatamente para que estes casos aconteçam? Logo, há que alterar o sistema; não basta regulá-lo.

Sobre o/a autor(a)

Doutorando na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto e investigador do trabalho através das plataformas digitais. Dirigente do Bloco de Esquerda
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