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EUA: Sabia que existem mais partidos para além do Democrata e do Republicano?

Se fossemos cidadãos norte-americanos, éramos mesmo obrigados a votar num destes dois candidatos? A resposta é simples: não. Por Rafael Pinheiro.
Jill Stein, candidata do Partido Verde às eleições presidenciais dos EUA de 2016
Jill Stein, candidata do Partido Verde às eleições presidenciais dos EUA de 2016

Se é verdade que não podemos dizer que é indiferente termos Trump, um xenófobo e lunático de Extrema-Direita, ou Hillary Clinton, a corporativista que votou a favor da Guerra do Iraque e que recebeu doações para a sua campanha da Indústria Petrolífera e da Goldman Sachs, sentados no trono da Casa Branca, é também verdade que a única dialética em favor de Clinton é a do mal menor.

É evidente que nunca houve eleições presidenciais em que os dois maiores candidatos fossem tão impopulares. Se fossemos cidadãos norte-americanos, éramos mesmo obrigados a votar num destes dois candidatos? A resposta é simples: não. Mais complicado de responder é à pergunta sobre porque é que quase nunca é publicamente reconhecida a existência de partidos e de candidaturas alternativas. A resposta a esta interrogação passa por vários fatores: o facto de haverem múltiplos aspetos das eleições norte-americanas que pendem flagrantemente para a fraude e o facto de que o “establishment”, o círculo de poder da burguesia norte-americana, só pode ser mantido através de presidências que sejam fantoches de certos interesses capitalistas e que variam, portanto, entre imperialismo mais agressivo ou imperialismo ligeiramente menos agressivo, conforme o Presidente sentado na Sala Oval da Casa Branca seja Republicano ou Democrata.

Um facto claro é que, com exceção do Libertarian Party de Gary Johnson, todos os restantes partidos que são esquecidos e ignorados pelo público norte-americano são partidos à Esquerda dos Democratas e dos Republicanos. Para a elite burguesa a Esquerda é uma coisa perigosa e é, portanto, necessário fazer com que o eleitorado ignore a sua existência ou que tenha receio da alternativa política e isso faz-se manipulando a opinião pública recorrendo aos Órgãos de Comunicação Social mais importantes. A dependência e sujeição ao capital, por parte dos jornalistas, leva a especificidades como o facto de as direcções e principais figuras de fontes de informação como a CNN, a ABC News, a Fox News, o Washington Post e o New York Times terem ligações claras aos dois partidos do establishment. Esta promiscuidade já foi flagrantemente evidenciada no passado, quando, por exemplo, John Ellis, primo de George W. Bush e, na altura, consultor da Fox News, levou o canal a dar prematuramente a vitória ao republicano em 2000 mesmo perante as óbvias evidências da provável vitória de Al Gore, algo que foi mais tarde explorado no documentário “Fahrenheit 9\11,” de Michael Moore. A manipulação de informação leva alguns a crer que apenas existem democratas e republicanos ou que estes são os únicos politicamente credíveis. A Esquerda, nos raros momentos em que é sequer mencionada, é trucidada pelos media, como aconteceu tantas vezes com Bernie Sanders, o candidato anti-establishment, determinado em quebrar a hegemonia mantida pelos bilionários que, desde sempre, têm arranjado indiretamente formas de comprar as eleições norte-americanas e de fazer vingar os seus interesses privados. Face à cobertura mediática, as alternativas aos dois maiores partidos mal parecem sequer existir.

Outra circunstância que indicia o enviesamento dos resultado eleitorais nos EUA é o facto de o historial de supressão de votos ser já longo. Tento em conta que a legislação e burocracia eleitorais variam de Estado para Estado e de época para época, existem vários Estados norte-americanos em que indivíduos que tenham cadastro criminal são, por lei, desprovidos do direito de votar. Num país em que a esmagadora maioria das forças policiais e dos profissionais judiciais, para além de agirem com arbitrariedade, são claramente xenófobos e com leis abusivas no que diz respeito ao consumo de drogas, que colocam na cadeia quem seja apanhado a consumir mesmo que apenas uma única vez na vida, isto significa que, em alguns Estados, um em cada quatro afro-americanos estão impedidos de exercer direitos políticos, continuando, parcialmente, a supressão de votos contra a qual o Movimento de Direitos Civis lutou na década de 60. Para além disto, já houve situações curiosas a resultar de alterações súbitas e ambíguas da burocracia eleitoral, juntamente com a falta de informação. Durante as primárias do Partido Democrata e do duelo de Sanders contra Clinton, o que se verificou foi que o socialista conseguia, na maioria dos Estados, por volta de 70% dos votos dos eleitores independentes, tendo Sanders sido um bem-sucedido político independente durante quase toda a sua carreira política e só recentemente ter aderido ao Partido Democrata. No entanto, em Estados como o de Nova Iorque, depois de terem comparecido e esperado nas longas filas para poderem exercer o seu voto, os eleitores independentes descobriram que para poderem votar teriam de estar filiados ou no Partido Democrata ou no Partido Republicano ou que teriam de se ter registado como eleitores com antecedência, informação que não circulou previamente. Todas estas especificidades do sistema eleitoral norte-americano jogam a favor do establishment burguês mantido pelo bipartidarismo, dançando com a fraude eleitoral e com contornos que nos podem levar a questionar se os EUA são mesmo uma Democracia.

A verdade é que existe uma verdadeira alternativa de Esquerda, uma possível tábua de salvação: O Partido Verde (Green Party), que é ignorado pela maioria do público devido à cacofonia feita pela Comunicação Social em torno dos dois partidos do costume. Há quem ignore a existência deste partido e a candidatura da respetiva nomeada, a ativista Jill Stein. O Green Party foi fundado em 2001 e tem feito a sua bandeira lutando por causas como a justiça social, a igualdade de género, os direitos LGBT, o ambientalismo, contra o esmagamento da classe trabalhadora promovido pelo imperialismo neoliberal, pela extinção da violência policial e pelo fim da descriminação racial. É considerado, sobretudo, um partido de Esquerda e a sua ideologia é definida como Eco-Socialismo. Entre as suas causas também podemos encontrar a defesa de uma transição completa para as “Energias Verdes”, as energias renováveis e sustentáveis, e a abolição imediata e total de todas as dívidas contraídas pelos norte-americanos na sequência da procura de financiamento para frequentarem a Universidade, que tem sido uma das mais fortes bandeiras da candidatura de Jill Stein. Nos EUA, quem não for bolseiro ou milionário não tem praticamente recursos para pagar o exorbitante e absurdo valor das propinas, daí a já longa polémica quanto às dívidas estudantis que alguns ficam forçados a pagar o resto da vida e que são contraídas por muitos jovens para que possam estudar, gerando receitas imorais para o setor bancário.

Há condições que nos podem fazer concluir que a conjuntura nunca foi tão favorável ao Green Party, apesar de uma possibilidade de vitória ser ainda um sonho remoto. Há muitos eleitores da recentemente fundada fação de Esquerda do partido Democrata, catalisada pela insurreição contra o establishment promovida por Bernie Sanders, que se recusam a apoiar Hillary Clinton e que questionam a nomeação da candidata perante as ambiguidades dúbias do processo eleitoral e as mentiras sobre Sanders que a sua campanha difundiu. Para além disto, temos ainda os múltiplos emails que circularam entre os dirigentes do Partido Democrata e que foram disponibilizados ao público pela Wikileaks, que confirmam o objetivo prévio de sabotagem da campanha de Sanders a qualquer custo, acontecimento na sequência do qual a presidente do partido, Debbie Wasserman, se demitiu do cargo. Entre o eleitorado descontente de Sanders, a expressão de ordem era “Bernie or bust”. A verdade é que, depois da desilusão do endorsement de Sanders a Clinton, Jill Stein anunciou oficialmente, na sua página de Facebook, que o seu número de apoiantes, traduzido também em doações para a campanha, explodiu e aumentou drasticamente, dando-lhe novo fôlego, o que indicia que será, provavelmente, nesta candidata que a maioria dos apoiantes de Sanders irá, realmente, votar.

Há obviamente, uma grande oposição dos media em abafar esta candidatura alternativa. Recentemente, o humorista John Oliver, num dos seus programas, aproveitou a abordagem ao tema dos partidos alternativos para fazer um ataque acérrimo a Jill Stein e à sua promessa de cancelar as dívidas estudantis, enumerando aos espectadores razões pelas quais seria inviável votarem neste movimento político alternativo. Este ataque teve aspetos que soaram a hipocrisia e foram contraditórios com os programas anteriores do humorista, em que tem frequentemente denunciado os problemas do sistema político e social norte-americano, tendo sido o segmento mais forçado de John Oliver até hoje. A verdade é que a Time Warner, o conglomerado empresarial que detém a HBO, onde o programa de Oliver é transmitido, é uma dos principais contribuintes para a campanha de Hillary Clinton. De acordo com o OpenSecrets.Org, a empresa terá doado cerca de 812.406 dólares para a campanha da candidata democrata.

Um dos principais obstáculos do Green Party tem sido, claramente, o facto de ver o acesso aos debates presidenciais vedado, sendo, então, anulada a visibilidade e o impacto que o partido poderia ter na opinião pública e no eleitorado. Com as regras atuais, apenas o Partido Democrata e o Partido Republicano podem participar nos debates presidenciais e o Green Party nem aparece no boletim de voto em todos os Estados. Tais especificidades resultam das regras impostas pela Comissão para os Debates Presidenciais, uma organização sem fins lucrativos gerida pela administração bicéfala do Partido Democrata e do Partido Republicano, funcionando graças a donativos de empresas e de organizações privadas que acabam por ter ligações a estes mesmos dois partidos. As regras atuais foram estabelecidas com o objetivo reconhecido de impedir a participação de partidos alternativos nos debates presidenciais, anulando o destaque social e mediático que poderiam vir a ter. Curiosamente, há sondagens que concluem que 50% dos norte-americanos não se identificam nem com o Partido Democrata nem com o Partido Republicano, mas nem isso tem sido suficiente para abrir os debates presidenciais a outros candidatos. A Comissão para os Debates Presidenciais foi fundada em 1988 e no ano seguinte a Liga das Mulheres Votantes (League of Women Voters), uma organização que existe desde 1920, anunciou a rutura com esta comissão, afirmando que o seu objetivo era o de perpetuar a fraude eleitoral entre os cidadãos norte-americanos. Esta comissão não existe, portanto, sem polémica. Em 2012, Jill Stein e Cheri Honkala, na altura nomeada como vice-presidente para a candidatura do Green Party, foram presas por tentarem aceder ao segundo debate presidencial, em Hempstead, Nova Iorque, e foram levadas para um armazém no qual ficaram algemadas a cadeiras durante oito horas até a polícia as libertar.

O bipartidarismo não é saudável em nenhuma democracia a sério e, para se apoiar verdadeiramente a classe trabalhadora, é preciso que os EUA quebrem com o sistema atual. Como disse Cynthia McKinney, a candidata a presidente pelo Green Party em 2008, “os EUA têm mais a oferecer ao mundo do que bombas, mísseis e tecnologia militar”. O que é preciso é uma insurreição que mine a liderança atual do establishment burguês para que o mundo possa finalmente descobrir isso. O Green Party e Jill Stein, pela sua determinação em apoiar a classe trabalhadora, podem ser uma parte importante dessa mudança.

Artigo de Rafael Pinheiro

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