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“Acabar com a Impunidade, Ciganofobia Mata” é o tema da nova agenda do SOS Racismo

É já neste sábado, dia 18 de novembro, a partir das 21h30, que o SOS Racismo vai lançar a sua Agenda anual para 2018. O evento é em Lisboa, no espaço MOB, com a participação de Piménio Ferreira e Mamadou Ba.

“Acabar com a Impunidade, Ciganofobia Mata” é o tema que ilustra politicamente as páginas dos 365 dias de 2018, na nova agenda editada pelo SOS Racismo. O seu lançamento está marcado para o próximo sábado, no Espaço Mob (Rua dos Anjos, 12, F). Ver evento no Facebook.

Esta nova edição será apresentada pelo Coordenador da Agenda de 2018, o ativista da comunidade cigana Piménio Ferreira, que assina o Editorial, e por Mamadou Ba, também do SOS Racismo.

A agenda conta ainda com vários textos de algumas ativistas ciganas e ciganos, bem como de outros elementos do SOS Racismo. O miolo é baseado nos arquivos da Associação e trabalhado pelos seus ativistas. A capa contém desenhos originais de João de Azevedo, a Direção de Arte foi executada por Teófilo Duarte e o design pela equipa da DDLX.

“Tendo como pano de fundo os graves acontecimentos de St.º Aleixo da Restauração (Moura) e de muitos outros casos de xenofobia (restaurantes, etc.), a ciganofobia vai continuar à solta, pois as alterações à Lei de Discriminação Racial, aprovadas neste Verão, vão fazer com que estes crimes continuem impunes e que atitudes e afirmações completamente irresponsáveis, xenófobas e racistas (Loures, etc.) possam continuar a ofender os direitos humanos”, lê-se ainda no comunicado enviado à imprensa, que assim justifica a escolha do tema.


O Esquerda.net publica aqui o Editorial da Agenda para 2018 do SOS Racismo, escrito por Piménio Ferreira:

EDITORIAL

PERSEGUIÇÃO. RESISTÊNCIA. INVISIBILIDADE CIGANAS

A 16 de Maio de 1944, no campo de concentração em Auschwitz-Birkenau, na parte conhecida como o “campo dos ciganos” onde cerca de 6000 homens, mulheres e crianças se encontravam aprisionadas e obrigadas a trabalhos forçados, uma rebelião ocorreu contra os guardas nazis que se preparavam para levar os seus prisioneiros para as câmaras de gás. Munidos se pedaços de madeira arrancados das “camaratas”, paus, chapas, pedaços de pão, pedras, enfim, do que tivessem à mão, homens, mulheres e crianças ciganas enfrentaram os seus algozes, a ponto de provocar baixas entre estes. A luta apanhou-os inebriados pelo ódio xenófobo e de surpresa, a ponto de que a rebelião só ficou controlada quando mais guardas nazis chegaram com armamento pesado.

Um dia que marcou toda uma história de luta e resistência que existia, quer dentro quer fora dos campos de concentração, e onde o papel de mulheres foi essencial para alertar os prisioneiros para que estes se preparassem. Prisioneiros judeus que se encontravam em frente aos barrancos dos ciganos relataram em vídeo este episódio que testemunharam na primeira pessoa reforçando outros registos sobre o ocorrido. No final do dia, os nazis perceberam que os ciganos tinham força para resistir, como demonstraram os vários membros ciganos (homens e mulheres) que integravam vários grupos de resistência anti-nazi. E depois desse dia cerca de metade a dois terços dos prisioneiros foram retirados do campo de concentração e distribuídos para outros.

Este episódio de resistência serviu para marcar o dia da Resistência Romani, comemorado a 16 de Maio. Uma data e um episódio que até hoje tem passado despercebido dos media e das ações políticas nacionais. A par de outras datas como 8 de Abril, dia internacional da Nação Roma (subvertido em dia internacional dos Ciganos, uma data para “celebrar a diversidade cultural” cigana) timidamente comemorado aqui e ali, em Portugal, através de ações que mantêm a invisibilidade da resistência Romani e o verdadeiro significado deste dia – a reivindicação da legitimidade de uma Nação sem Estado e sem fronteiras, um Povo com história e língua em comum.

De notar também o dia 24 de Junho, dia Nacional das comunidades ciganas em Portugal e vulgarmente invisibilizado em nome das festas populares, em especial, o dia de S. João. Uma data que celebra um aspeto cultural católico português. A mesma cultura católica e nacionalista responsável pela perseguição e assimilação forçada dos ciganos portugueses e espanhóis.

Finalmente, há também o dia 2 de Agosto, que marca a fatídica noite de 2 para 3 Agosto de 1944, em que as pessoas ciganas do mesmo acampamento onde ocorreu a rebelião a 16 de Maio (cerca de 2000-3000 pessoas), foram assassinadas nas câmaras de gás nazis. Este ato de desespero surgiu devido à necessidade de não haver testemunhas ante a notícia de que soviéticos e americanos avançavam para reclamar a vitória na guerra. A história dos povos Roma no mundo inteiro é assim de extrema perseguição e violência. Mas também de luta e resistência.

Ilustrações do verso da capa da Agenda para 2018, do SOS Racismo.

Saídos do norte da Índia, dizem os peritos, há mais de um milénio atrás, chegam à Europa pelos Balcãs tendo finalmente chegado à península Ibérica no primeiro terço do século XV. Encontrando-se, atualmente, em Portugal há já mais de 500 anos. Cinco séculos de história marcados pela perseguição, pela invisibilidade e por resistência ciganas. Nos mais de mil anos em que os ciganos estão na Europa, foram escravizados (até meados do século XIX), mutilados (orelhas cortadas como forma de identificar mulheres ciganas), forçadamente esterilizados em vários países , vítimas vários atos de assassinato em massa (genocídios nunca falados são por exemplo as grandes rusgas – Gran Redada -  em Espanha), proibidos de falar a própria língua, num ato de assimilação forçada, impedidos de casar entre si, com crianças retiradas aos pais para que não fossem criadas como ciganas. Entre muitas outras formas de perseguição.

Mas desengane-se quem pense que estas formas de perseguição cessaram com o tempo ou que os genocídios só ocorreram na Alemanha Nazi, ou que nada disso ocorreu em Países como França, Itália, Portugal ou Espanha. Porque nos reinos católicos de Portugal e Espanha, foi onde a perseguição foi das mais intensas e eficientes. Um etnocídio com séculos de duração que levaram, entre outros aspetos, à perda da língua Romani e à exclusão social de pessoas ciganas. Não são também raros os casos em que crianças ciganas são retiradas às famílias pelos institutos da segurança social modernos , separando irmãos e irmãs e até colocando para adoção ou a cargo de famílias de acolhimento em que os pais são proibidos de contactar com os filhos, e tudo sem explicar qual o risco apresentado às crianças – de referir as vezes em que são retiradas as crianças mais novas (menos de 5 anos) dizendo “não haver condições”, mas crianças de idade superior se mantém a cargo dos mesmos pais (apesar de poder falar de vários casos portugueses, gostaria de referir o caso de Espanha, em que uma família com vários filhos foi privada do filho mais novo, apesar de provadas todas as condições para criar a criança, inclusive esta frenquentava a creche e tinha testemunhos positivos da escola, do médico e de familiares e vizinhos, e nunca faltara à escola. Mas era loirinho e bonitinho. Tal como a Maria. A criança cigana encontrada na Grécia e que o mundo inteiro apelidou de Anjo Branco e que lembrou o caso de Maddie McCain. A Maria foi mais uma criança retirada a uma família cigana porque não podia ser cigana – loira e branca – e que um teste de ADN provou tratar-se de facto de filha de pai e mãe ciganos. O interesse pelo anjo branco cessou nesse dia).

Dizem-nos os poucos dados que nos são permitidos ter que um terço das famílias ciganas vivem em condições de habitação precárias (valor bem conservador) , num país em que esta média a nível nacional situa-se nos 0.8%. Em que 70% das pessoas ciganas não podem escolher onde viver, estando reféns de nomadismo forçado, acampamentos e bairros de habitações auto-construídas e bairros sociais que se tornaram, como a forma como foram desenhados previam, em autênticos guetos. Com todas estas pessoas a viver fora de localidades, marginalizadas, sem condições de habitação condignas, sem água, luz, em ambientes poluídos, lixeiras, canis, pombais, pedreiras em atividade! E tudo isto com o aval das entidades da Segurança Social, autarquias, governos, administração central.

Mas as pessoas ciganas e em concreto as portuguesas não têm ficado de braços cruzados ante estas violências de estado, em que se insere a violência policial. Cada dia de vida de uma pessoa cigana é um dia de luta. E as formas de luta tem sido das mais diversas: Educação, associativismo, redes sociais, mediação, procura incansável de emprego. Mesmo estando em desvantagem face aos cidadãos não ciganos e “brancos”.

Projetos como o Opre Chavale, que tem permitido que em 2016/2018 , um total de 25 jovens (11 homens e 14 mulheres) ingressassem no Ensino Superior, uma nova proliferação de organizações ciganas mais empenhadas em reivindicar o seu lugar de fala.

As respostas espontâneas a ataques ciganófobos nos media – como a cada vez maior recusa em aceitar representações estereotipadas e peças jornalistas tendenciosas, levando a envolvimentos mais informais como criação de petições, queixas formais – embora estéreis -  exigência em ter pessoas ciganas a falar pelas questões ciganas e a recusa em procuradores na luta , a ocupação de espaços antes exclusivos de pessoas “brancas” , o projeto ROMED com a criação dos grupos ativos ciganos que organizam pessoas das comunidades ciganas de forma a reivindicar os seus direitos junto das autarquias locais. Entre muitas formas de luta que vão surgindo e confluindo num movimento cigano.

Desta feita, convém referir o movimento das mulheres ciganas, de longe o mais ativo e com maior impacto na ação dos movimentos sociais ciganos. Lembrando que 14 mulheres ciganas se encontram no Ensino Superior onde existem 11 homens. O primeiro encontro de mulheres ciganas promovido pela primeira associação de mulheres ciganas pela igualdade de género (ribaltambição), onde se somam pelo menos mais dois outros encontros , um ocorrido em Lisboa, em 2014, e um outro em Águeda.

Outro aspeto de todo este envolvimento social é o caráter nacional destes movimentos. Pessoas ciganas de Norte a Sul do País, do litoral e do Interior. Trabalham em conjunto, apesar das suas heterogeneidades para uma luta em comum: A luta anti-ciganofobia. E de notar o intersecionalismo que se está a observar com pessoas ciganas a apoiar ou integrar movimentos sociais diversos em solidariedade de luta.

Muito mais haveria a dizer sobre esta fase de um novo acordar dos movimentos sociais ciganos.

Porque apesar de toda a perseguição, de toda a invisibilidade. Ser cigano e cigana hoje, e como sempre o foi, é ser Resistência!

De intenções é simples: por um mundo sem muros nem fronteiras.

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