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Uma visita a Gaza, prisão a céu aberto

Entre os dias 1 e 3 de dezembro de 2012, a eurodeputada Alda Sousa visitou Gaza, numa delegação internacional de que fez parte também a deputada Helena Pinto. Foram os primeiros estrangeiros a entrar no território depois dos intensos bombardeios israelitas da chamada operação “Pilar de defesa”. Este é um caderno dessa viagem. As fotografias são de Ricardo Sá Ferreira.
Alda Sousa e alunas de uma escola em Gaza: "Somos rodeadas de meninas que estão na hora do recreio e que nos fazem perguntas: What's your name? Why are you here? Dizem o nome delas e depois: 'Nice to meet you'". Foto de Ricardo Sá Ferreira

Setembro de 2012: Reúno pela primeira vez, no Parlamento Europeu, com Arafat Shoukri e James Tuite do Council for European Palestinian Relations1 (CEPR), uma organização não governamental acreditada no Parlamento Europeu (PE) e que já tinha convidado vários eurodeputados/as (incluindo a Marisa Matias) a visitarem a Faixa de Gaza ou a Cisjordânia. Falamos abertamente sobre a situação na Palestina, no Egito e na Síria e todos os conflitos políticos que assolam a região. Arafat pergunta-me se gostaria de integrar a próxima delegação que deverá fazer uma visita a Gaza em Novembro. Respondi que sim sem hesitação.

14 de Novembro: Israel recomeçou os ataques à Faixa de Gaza, por isso a viagem organizada pelo CEPR esteve quase para não se realizar. Foram 7 dias de bombardeamento sucessivos (mais de 1.200 ataques aéreos), que se saldaram pela morte de 182 civis, entre os quais 45 crianças e 3 jornalistas.

21 de Novembro: é estabelecido um cessar-fogo, sob mediação egípcia.

Recebemos então a informação que a viagem se realizará de 30 Novembro a 3 Dezembro.

Seremos a primeira delegação internacional e entrar em Gaza após o conflito. Não houve tempo para reconstruir nada, a destruição ainda está fresca...

30 Dezembro: Saímos juntos de Bruxelas eu, o Ricardo Sá Ferreira, o James Tuite (CEPR) e Andrew Rettman, jornalista do EUobserver. A Helena Pinto virá juntar-se a nós viajando de Lisboa via Roma e combinámos encontro no aeroporto do Cairo para daí seguirmos para o hotel.

Ricardo Sá Ferreira, Alda Sousa, Helena Pinto.

Já é tarde quando lá chegamos e começamos a encontrar pessoas que visivelmente estão ali para o mesmo. Um grande grupo de irlandeses dos quais vários deputados/as do Sinn Fein, deputados socialistas do Parlamento escocês e parlamentares polacos de vários partidos. Dou-me conta que sou a única eurodeputada na comitiva, dado que outros acabaram por desistir – ou por receio ou por falta de tempo – da viagem. Os irlandeses bebem cerveja alegremente, antes do “jejum” a que seríamos votados nos dias seguintes, apenas podendo beber água, chá ou café, sumos ou mecca-cola.

Entre os membros do Sinn Feinn está Pat Sheehan, deputado no Parlamento de West Belfast que no início dos anos 80 esteve preso em Long Kesh e fez greve da fome juntamente com Bobby Sands. Já fez várias viagens a Gaza e à Cisjordânia.

Sábado 1 de Dezembro: As 5h30 da manhã já toda a comitiva estava no átrio do hotel, para iniciar a longa viagem de autocarro do Cairo até Cidade de Gaza. Há mais gente que se junta, membros de ONGs como a Pink Code, palestinianos/as que estão a estudar fora e que regressam a Gaza, membros do CEPR (que tem também escritório em Gaza) que nos vão acompanhar durante toda a viagem, intérpretes, jornalistas, cerca de 35 pessoas no total. O nosso autocarro transporta medicamentos, ligaduras e outras coisas que fazem falta nos hospitais.

A viagem é muito longa. Mesmo a essa hora num sábado de manhã, a saída do Cairo demora um tempo infinito. Depois é o deserto do Sinai. A princípio fascina, depois cansa. Há uma paragem curta ainda no Egito para comermos e comprarmos água. O calor é muito. Continua a longa viagem até à fronteira em Rafah. Não é uma fronteira qualquer. É a passagem do Egito para um país ocupado, sendo que a entrada implica passar por território que o ocupante (Israel) rasgou para continuar a ter acesso ao mediterrâneo aqui em Gaza.

Há uma fila gigantesca de veículos em ambos os lados, os que saem para o Egito, mas sobretudo do lado dos que vêm do Egito e pretendem entrar em Gaza. Há camionetas com ajuda humanitária, e outras com materiais de construção ou outras coisas.

Saímos todos do autocarro enquanto esperamos para passar no “buffer”, depois do que iremos ainda esperar na sala imensa onde os nossos passaportes serão observados à minúcia.

Ainda do lado egípcio há muitas crianças e alguns adultos a vender as coisas mais variadas e a trocar dinheiro. Há um miúdo com uma t-shirt do Messi. Os palestinianos, sobretudo em Gaza, adoram futebol. Ao ver o miúdo, só consigo pensar numa premonição de vitória, de libertação.

Passámos quase três horas para atravessar a fronteira. Não é nada, mesmo nada, quando comparado com o que os palestinianos são obrigados a sofrer de cada vez que saem e que querem voltar à sua terra. Às vezes são 14 ou 16h de espera. São obrigados a dormir na sala de espera...

Aliás fomos testemunhas disso, enquanto esperávamos pela autorização para entrar. Havia palestinianos à espera há muitas, muitas horas, alguns continuaram à espera já depois de nós passarmos. Nunca esquecerei a expressão de alegria quando recebiam finalmente o passaporte com o carimbo para poderem entrar no seu país.

Uma vigília junto às ruínas da casa da família al-Dalu

Nessa noite em Gaza há uma vigília junto às ruínas da casa da família al-Dalu. As palavras são curtas para descrever essa tragédia e a emoção dessa vigília.

No dia 18 de Novembro, a família al-Dalu, que vivia em vários pisos de um mesmo prédio no centro da cidade de Gaza, foi apanhada por um dos muitos “mísseis cirúrgicos” que Israel disparou durante a operação Pilar de defesa. Morreram 10 pessoas da família: cinco crianças, quatro mulheres e o pai de quatro das crianças. Três gerações. No prédio contíguo, morreram mais duas pessoas quando o prédio da família al-Dalu ruiu. Familiares sobreviventes, amigos e vizinhos reúnem-se nas ruínas do que foi a casa. Nós juntamo-nos a eles. Muitas velas. Um silêncio pesado. Um dos membros mais velhos da família e uma das crianças tomam a palavra.

Estamos num bairro residencial da cidade de Gaza, um dos lugares de maior densidade populacional de todo o mundo. Aqui perto não há ministérios.

Olho à volta e a destruição é imensa. Nos prédios em frente os vidros das janelas voaram com a violência da explosão. No meio das ruínas veem-se vestígios do que duas semanas antes era o quotidiano de uma família: restos de roupas, de brinquedos de crianças, sapatos, uma banheira partida. Estes “restos” são impressionantes e constituem a prova material do crime. Israel anunciou que o bombardeamento tinha ocorrido porque naquela zona tinham sido disparados rockets, mas nunca apresentou provas de qualquer ligação nem à família al-Dalu nem a nenhuma outra.

No fim da vigília, a Helena Pinto e eu somos abordadas por duas jovens: são estudantes de jornalismo, e querem saber quem somos, como viemos para Gaza e o que achamos. Estão a fazer uma pequena reportagem para o seu trabalho escolar. Falam inglês corretamente e estão muito à vontade. São corajosas, determinadas e incisivas nas perguntas.

Domingo 2 de Dezembro: A manhã de domingo é passada a fazer o reconhecimento no terreno da destruição causada pelos bombardeamentos. Começamos pelo Serviço Civil Abu Khadra, organismo público onde são emitidas certidões de nascimento, casamento ou óbito, passaportes e cartas de condução. Ficou reduzido a escombros, completamente inutilizado, tanto o edifício como o seu conteúdo.

Vamos a seguir para o Estádio de Futebol Al Yarmouk. As bombas disparadas pelo F-16 formaram duas enormes crateras perto das balizas e inutilizaram o estádio. Também atingiram as bancadas que estão em risco de ruir. Perguntamos por que razão o estádio foi bombardeado. A explicação do exército israelita é sempre a mesma: três dias antes teriam sido lançados rockets em direção a Tel Aviv ou Jerusalém. Não se entende por que motivo Israel só retaliou três dias depois e não atingiu nenhum “terrorista”. A explicação dos palestinianos é bem mais realista: Israel ataca tudo o que possa constituir um elemento da vida quotidiana “normal” em Gaza. Aliás o mesmo aconteceu com o centro desportivo Al-Jazeera. Este centro é o único em Gaza que tem (tinha) condições para acolher pessoas portadoras de deficiência física e fazer a sua reabilitação. Dois membros do clube representaram a Palestina nos Jogos Paralímpicos, e um outro membro tinha ganho uma medalha de ouro de lançamento de dardo nos Paralímpicos Asiáticos de 2010. O Al-Jazeera era também um dos poucos clubes a receber mulheres. Tudo foi pelos ares.

No estádio vieram oferecer-nos morangos e tangerinas cultivados em Gaza. Creio que foram os morangos mais saborosos que comi em toda a minha vida.

Atingidos por armas/balas que se abrem depois de entrar no corpo

Visitámos ainda o Hospital Al-Shifa, onde fomos recebidos pelo ministro da Saúde de Gaza. Repetiu-nos os números de mortos (182 civis, dos quais 45 crianças e 13 mulheres) e dos feridos (mais de 1400 entre os quais 400 crianças). Desta vez o Hospital não foi diretamente bombardeado, embora tenha sofrido alguns estragos por se encontrar próximo de uma esquadra de polícia. Diz-nos que as maiores ocorrências foram queimaduras e ferimentos que resultaram em amputações. Em alguns casos, os feridos foram atingidos por armas/balas que se abriam depois de entrar no corpo, rasgando tecidos e órgãos. À nossa pergunta sobre o que faz falta no hospital, responde que para além de consumíveis (seringas, ligaduras, etc), faz falta material para sala de operações, cuidados intensivos e urgências.

 

Ainda antes do almoço reunimos com deputados na Assembleia Legislativa (Palestinian Legislative Council -PLC). O presidente do parlamento de Gaza faz-nos o ponto da situação em relação às sucessivas violações de direitos por parte de Israel, desde a proibição feita aos pescadores de se deslocarem até mais do que 3 milhas náuticas (em 2002 eram 12 milhas), até ao facto de haver 14 deputados (das várias forças políticas) presos em Israel. Diz que os colonatos continuam a crescer e que é importante lutar a nível internacional pelo fim do bloqueio e cerco à Faixa de Gaza e pela libertação de todos os presos.

Ismail Haniyeh tem sentido de humor

Depois do almoço é a vez de sermos recebidos pelo governo de Gaza, incluindo o primeiro-ministro Ismail Haniyeh. A sala é enorme, cabe a delegação inteira, os jornalistas e intérpretes, a imprensa que tinha sido convocada.

Ismail Haniyeh, com Alda Sousa à sua esquerda e Pat Sheehan à sua direita

Haniyeh convida Pat Sheenan a sentar-se à sua direita e a mim à sua esquerda. É um homem bem-humorado e com sentido de humor. A sua paixão por futebol é conhecida, por isso não é estranho que ao fazer o relato da última intervenção, diga que os israelitas meteram alguns golos (referindo-se às bombas junto às balizas no Estádio de Al Yarmouk).

Haniyeh apelou à UE (e aos/às deputados/as presentes) para que retirasse o Hamas da lista de organizações terroristas: “O Hamas é um movimento de libertação nacional que só opera dentro das fronteiras da Palestina”.

Afirmou ainda que aceitaria uma solução de dois Estados com base nas fronteiras de 1967, o que não era ainda a linha oficial do Hamas. Disse ainda que há mais de 20 anos que decorrem negociações com Israel mas os colonatos expandem-se e Gaza está sob bloqueio. Depois seguem-se as intervenções/perguntas. Pat Sheenan afirmou que o processo de Paz na Irlanda do Norte nunca teria sequer arrancado se o governo britânico não tivesse aceite sentar-se à mesa de negociações com os que denominava como terroristas.

Peço a palavra, falo do nosso apoio a uma Palestina soberana e independente, e à solução de dois Estados e faço três perguntas. A primeira é o que Haniyeh pensa do voto ocorrido uns dias antes na Assembleia Geral da ONU que elevou a Palestina a estado de membro observador: responde que é positivo (10 dias antes o Hamas dizia que não servia para nada) mas que uma resolução da ONU não cria automaticamente um Estado palestiniano. A minha segunda pergunta é sobre as relações do Hamas com as outras forças políticas palestinianas, nomeadamente a Fatah, a FDLP e a Iniciativa Palestiniana. A resposta é um pouco vaga: diz que as conversações são necessárias, mas não poupa a Autoridade Palestiniana e diz que agora que obtiveram o novo estatuto na ONU têm de processar Israel no Tribunal penal Internacional de Haia. A terceira pergunta é sobre o papel das mulheres em Gaza. A resposta foi a esperada mas desconcertante: estão presentes nas várias esferas, “são metade da população e educam a outra metade”. Na realidade, a situação das mulheres em Gaza é chocante e só tem piorado.

Uma das áreas mais densamente povoadas de todo o mundo

Em seguida temos um encontro com varias ONGs que trabalham permanentemente em Gaza, algumas operam também na Cisjordânia. Os funcionários do CEPR fazem-nos um enquadramento geral, histórico, geográfico e populacional. De facto apercebemo-nos melhor que Gaza tem apenas 41 quilómetros de comprimento e 6 a 12 quilómetros de largura. A área total de 365 quilómetros quadrados, ou seja, o equivalente ao concelho de Tomar. Mas é uma das áreas mais densamente povoadas de todo o mundo (4.500 pessoas/km2). A população total é cerca de 1,64 milhões. É uma população muito jovem: 44% tem menos de 15 anos.

O Palestinian Centre for Human Rights faz-nos o ponto da situação sobre as violações permanentes dos direitos humanos, e da situação de Gaza no pós 22 de Novembro. O desemprego oficial é de 35%, nalgumas zonas chega aos 80% Mais de metade do sistema escolar é assegurado pela ONU. Fala-nos também dos Pescadores, da proibição de ir além das 3 milhas náuticas, e da constante perseguição pelas autoridades israelitas, que prendem arbitrariamente os pescadores e confiscam os seus barcos.

A Oxfam fala-nos das dificuldades do dia a dia da população desde o início do bloqueio e do agudizar da situação desde os recentes bombardeamentos. Dos projetos que têm no terreno, desde ajudar as famílias na reconstrução das suas casas (projeto tanto mais difícil quanto os materiais têm de ser importados de Israel e os preços são exorbitantes), um projeto em pequena escala de dessalinização da água do mar para permitir algum acesso a água potável, ou o trabalho com crianças em escolas da Oxfam. Contam-nos como é particularmente difícil para as crianças nascer e crescer na situação de bloqueio e oferecem-nos uma coleção de postais de desenhos feitos por crianças sob o tema: “A minha casa, o meu mundo”.

A Oxfam já tinha falado do problema da água, mas cabe à Emergency Water, Sanitation/Hygiene group in the Occupied Palestinian Territory (EWASH), um projeto com fundos da UE, dar-nos explicações mais detalhadas.

Percebemos então melhor por que razão uma das primeiras coisa que nos dizem mesmo antes de chegarmos a Gaza é que só podemos beber água engarrafada: que ninguém se atreva a beber água da torneira!

Os acordos de Oslo II (1995) previam a obrigatoriedade de Israel construir infraestruturas de saneamento básico e de tratamento de águas residuais.

Pode dizer-se que teoricamente 60% das habitações de Gaza estão ligadas a um sistema de esgotos, mas na realidade essa rede está obsoleta e a precisar desesperadamente de reparação. Os bombardeamentos destruíram parte desse sistema e o bloqueio impede a importação de materiais de construção a não ser com autorização de Israel, por isso as reparações não se fazem. Muitas famílias usam fossas sépticas que têm de ser esvaziadas de 8 em 8 meses, mas as famílias têm de pagar cerca de 14 dólares.

Estima-se que diariamente 80 milhões de litros de dejetos não tratados ou só parcialmente tratados são despejados no Mediterrâneo. Os resultados para a saúde publica são evidentes.

A única fonte de água doce é o “Coastal Aquifer”, um aquífero que é partilhado com Israel, mas que está muito aquém das necessidades. A água marítima está muito poluída. Assim, 90 a 95% da água é imprópria para consumo.

As famílias gastam cerca de um terço do seu rendimento a comprar água.

A intervenção mais chocante da tarde coube a um psicólogo que nos falou detalhadamente do programa comunitário de entreajuda para uma população sob stress traumático. Como aprender a lidar com a raiva, bem como com as queixas somáticas que ela provoca (dores de cabeça). E do trabalho que fazem na comunidade, na família e junto dos professores, sobre a antecipação do próximo ciclo de violência: nenhum pai ou mãe, nenhum professor ou professora pode dizer às crianças " já passou, não haverá mais"! Crianças que veem cair os snipers, que perderam familiares nos bombardeamentos, que regressam à escola e esta também foi bombardeada, requerem atenção especial. Mas os adultos também. A Organização Mundial de Saúde prevê que entre 25 a 50 mil pessoas necessitariam de apoio psicológico para lidarem com os efeitos a longo prazo do bloqueio e da Guerra.

Depois da reunião com as ONGs levam-nos ao centro da Cidade de Gaza. Vamos a uma loja de “souvenirs”. Sim, há uma loja em Gaza que vende lenços e écharpes palestinianas, vestidos e almofadas bordados à mão, louça pintada à mão.

Há muita gente nas ruas, famílias inteiras que vão com as crianças ao café ou à gelataria. Há mesmo um casamento com o seu cortejo de automóveis.

Se a destruição, presente em todo o lado, nos choca profundamente, esta resiliência, esta capacidade de voltar à vida “normal” é perturbadora e interroga-nos.

Segunda-feira 3 de Dezembro: A manhã do último dia é toda passada em contacto com a UNRWA (United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugies in the Near East).

Somos recebidos na sede da UNRWA pelo seu diretor, Scott Anderson. A UNRWA foi criada após a guerra de 1948 e a fundação do estado de Israel e começou a operar a partir de 1950.

A UNRWA define como refugiado palestiniano "qualquer pessoa cujo local normal de residência entre 1946 e Maio 1948 era a Palestina, que perdeu a sua casa e os seus meios de subsistência como resultado do conflito”. A definição abrange ainda os descendentes das pessoas que se tornaram refugiados em 1948. A UNRWA presta assistência, proteção e apoio jurídico a 5 milhões de refugiados palestinianos em Gaza, Cisjordânia, Jordânia, Líbano e Síria.

Os números são impressionantes. Em Gaza há quase 1,2 milhões de refugiados, ou seja, 75% da população. Mais de meio milhão vive em 8 campos.

A UNRWA é financiada fundamentalmente pela ONU e pela União Europeia. A Comissão Europeia tem proposto uma verba anual de 200 milhões de euros, mas o Parlamento Europeu tem aumentado essa verba para 300 milhões. O GUE/NGL tem se batido insistentemente por aumentar esse montante.

Anderson faz-nos um enquadramento da situação: a taxa de desemprego é 35%, sendo 50% para as mulheres e 70% entre os jovens; 80% da população de Gaza depende da ajuda humanitária. A situação piorou depois do bloqueio, porque Gaza não pode exportar os seus produtos sem autorização de Israel

A UNRWA tem sob a sua tutela, construídos através de projetos, 100 escolas e 21 instituições de saúde. Os cuidados primários de saúde estão a seu cargo. Tem procurado desenvolver projetos de emprego, mas tudo tem de passar pela aprovação de Israel, o que faz com que por vezes demorem 28 semanas (meio-ano!) a serem autorizados.

What's your name? Why are you here?

A seguir visitamos a escola preparatória de Zaitoun, só para meninas, e que foi quase totalmente destruída pelos bombardeamentos. Está irreconhecível e tão cedo não poderá ser usada. Mais uma vez, os materiais necessários para a reconstrução têm de vir de Israel.

A escola funciona num edifício ao lado, por turnos, de manhã meninas e à tarde meninos. Somos rodeados de meninas que estão na hora do recreio e que nos fazem perguntas: What's your name? Why are you here? Dizem o nome delas e depois: “Nice to meet you”. Têm um ar muito decidido. Dizem que adoram a escola e gostam muito de aprender inglês e matemática. Querem ir para a Universidade.

Ao lado fica outro edifício onde estão a funcionar aulas para crianças mais pequenas, e até ao início da puberdade o ensino é misto. A partir daí são separados e as raparigas passam a usar lenço na cabeça. A professora e um funcionário da ONU traduzem as nossas perguntas e as respostas deles e vice-versa.

A manhã termina com uma passagem pelo campo de refugiados de Jabalia, o maior de Gaza e uma visita ao centro de distribuição de alimentos, um cabaz básico. O campo de Jabalia não é um acampamento de tendas, é um conjunto de casas, muitas delas inacabadas, sobrelotadas e com condições de habitabilidade muito deficientes. A distribuição dos alimentos é muito impressionante. Falámos longamente com Fuad Shuhaiber, o responsável pela assistência de emergência, da crescente procura e necessidade de alimentos e da dificuldade extrema perante o bloqueio.

A seguir ao almoço é tempo de partir. Da janela do meu quarto do hotel tiro uma foto a um pescador que acabou de se fazer ao mar.

Somos acompanhados até à fronteira em Rafah, mas primeiro vamos ver uma plantação de tâmaras num terreno que fazia parte de um colonato que os israelitas largaram na retirada de 2005. As tâmaras são deliciosas e mais uma vez demonstram como este país poderia ser diferente sem ocupação nem bloqueio.

Depois destes dias tão intensos, as despedidas não são fáceis. Saímos de lá com a certeza profunda que a luta pela independência da Palestina é algo de que jamais abdicaremos.

De novo a interminável viagem de regresso ao Cairo, com algumas pessoas a menos (alguns palestinianos que ficaram em Gaza), mas também com a companhia de James Marc Leas, advogado e colaborador do Counterpunch, com quem conversámos muito.

Mas a maior parte da viagem de regresso foi o silêncio que se impôs. O silêncio da intensidade daqueles dias, o silêncio necessário para processar informação e muita emoção. O silêncio necessário para que mais tarde as palavras de revolta nos saiam da garganta.

Sobre o/a autor(a)

Professora universitária. Ativista do Bloco de Esquerda.
(...)

Neste dossier:

Terceira Intifada na Palestina

A terceira Intifada, a revolta dos palestinianos contra o ocupante, já começou. Mas desta vez assume a forma da mobilização de massas não-violenta contra o regime de apartheid imposto por Israel, pela libertação dos presos e contra a extensão dos colonatos. Esta é a opinião de Mustafa Barghouti, líder da Iniciativa Nacional Palestina. Neste dossier, coordenado por Luis Leiria, procuramos atualizar a situação da luta dos palestinianos, incluindo artigos, entrevistas, relatos do local, reportagens.

A terceira Intifada

As “aldeias de tendas” e as manifestações semanais são algumas das táticas do movimento de resistência popular não-violento que vêm a crescer e a ganhar dinâmica nos territórios palestinianos ocupados por Israel. Para o médico Mustafa Barghouti, que dirige a Iniciativa Nacional Palestiniana, a terceira Intifada já começou, seguindo um modelo diferente e sem esperar ordens vindas de cima.

Artigo publicado originalmente na revista Vírus nº3.

Uma visita a Gaza, prisão a céu aberto

Entre os dias 1 e 3 de dezembro de 2012, a eurodeputada Alda Sousa visitou Gaza, numa delegação internacional de que fez parte também a deputada Helena Pinto. Foram os primeiros estrangeiros a entrar no território depois dos intensos bombardeios israelitas da chamada operação “Pilar de defesa”. Este é um caderno dessa viagem. As fotografias são de Ricardo Sá Ferreira.

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