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Torres, o mais popular carnaval português

Tudo leva a crer que as facécias de Carnaval em Torres Vedras, tal como hoje o conhecemos, tenham emergido no rescaldo da luta dos republicanos contra a dinastia dos Braganças. A imponência das vestes reais em que se integram elementos de ridículo como o ceptro régio transmudado em corno ou o leque de Sua Sereníssima Alteza, a Rainha, alterado para abano de fogareiro plebeu, parecem credibilizar esta génese. A actual festa do Carnaval de Torres, nascida em 1923 contem já os elementos distintivos que hoje permanecem : os Reis, as matrafonas, o cocotte, os carros alegóricos, os cabeçudos e a espontaneidade.

Do site do Carnaval de Torres

Entre vários coleccionadores e estudiosos, o espólio de Adão de Carvalho exemplarmente legado à Biblioteca Municipal e que esta meticulosamente preserva, é de uma incomensurável riqueza, plena de revelações surpreendentes.

Surpreende, desde logo, a perenidade do modelo dos Reis, na sua composição (sempre dois homens, por razões que a tradição social explica), a sua pose sarcasticamente grandiloquente, os seus adereços desconcertantes e a sua afirmação como referência dos foliões.

 As matrafonas, sendo hoje uma imagem de marca do Carnaval de Torres não são outra coisa senão um elemento sempre presente nas manifestações tradicionais do Entrudo em qualquer ponto de Portugal. Resultam duma sociedade que minimiza o papel social da mulher, especialmente numa época dada a exageros como é o Carnaval, e que, além disso, é escassa em recursos. Fácil era, então, recorrer ao baú das velharias das vestes femininas preservadas na família.

As matrafonas persistem no Carnaval de Torres porque se tornaram num dos seus ícones mais fortes e actualizaram a sua sátira.

Não se confundindo nunca com qualquer forma de travestti, as matrafonas ora satirizam alguns dos tiques femininos mais vulgarizados, ora dão uma visão da mulher, nem sempre inocente e nunca isenta, na óptica masculina.

Os carros alegóricos do princípio do século XX patenteiam já aquilo que são hoje : criatividade na sua concepção, carga satírica, valorização de elementos plásticos, animação das alegorias. Quase se pode dizer que a alteração mais significativa é a forma de tracção que vem evoluindo ao longo dos anos.

Não deixa de ser curioso que os cabeçudos - um elemento indispensável no Carnaval de Torres - apareçam nos primeiros documentos iconográficos. Originariamente feitos de pasta de papel nunca deixaram de engrossar, adquirir novas e mais diversificadas roupagens e de desenvolver o seu acompanhamento musical - sempre grupos de Zés Pereiras.

O Carnaval de Torres, assumiu desde logo o carácter espontâneo da sua participação, na tradição das manifestações de Entrudo em Portugal, cortando cerce a separação entre actores e espectadores que actualmente vinca quase todas as festas de Carnaval, fazendo jus à reivindicação de ser "o mais português de Portugal", quase se podendo, mesmo, dizer que é "o único Carnaval português de Portugal", tamanha é a influência brasileira sobre as grandes festas de Carnaval no Portugal dos nossos dias.

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Neste dossier:

Dossier Carnaval – foto Papangus no Carnaval de Olinda, Pernambuco, Brasil

Dossier Carnaval

Em época de Entrudo e de folia, o Esquerda.net republica o dossier organizado por Luís Leiria, de 2007, dedicado a esta grande festa popular: desde as suas origens até à particularidade dos carnavais de Veneza e do Brasil. Divirta-se!

Entrudo em Tourém, Montalegre - Foto extraída de naturbarroso.net

O Entrudo em Tourém, Montalegre

De entre todas as celebrações cíclicas anuais, o Entrudo ou Carnaval é das que maior riqueza de aspectos apresenta, além de uma grande variedade de elementos e de uma característica complexidade de significações.
Podendo a sua origem ser mais arcaica, é contudo nos velhos ritos romanos de celebração do fim do Inverno e de início de Primavera que deve ser encontrado o seu sentido mais genuíno. Apesar dos seus rituais pagãos, as comemorações do Entrudo ultrapassaram as fronteiras da Europa acompanhando a difusão do cristianismo.

Torres, o mais popular carnaval português

Tudo leva a crer que as facécias de Carnaval em Torres Vedras, tal como hoje o conhecemos, tenham emergido no rescaldo da luta dos republicanos contra a dinastia dos Braganças. A imponência das vestes reais em que se integram elementos de ridículo como o ceptro régio transmudado em corno ou o leque de Sua Sereníssima Alteza, a Rainha, alterado para abano de fogareiro plebeu, parecem credibilizar esta génese. A actual festa do Carnaval de Torres, nascida em 1923 contem já os elementos distintivos que hoje permanecem : os Reis, as matrafonas, o cocotte, os carros alegóricos, os cabeçudos e a espontaneidade.

Frevo – foto de cartaeducacao.com.br

O frevo fez cem anos

Carnaval não é só samba. O frevo, uma "combinação de canto, toque e dança", domina ainda o carnaval de alguns estados do Nordeste brasileiro, como Pernambuco e Paraíba. Este ano, o frevo faz cem anos e passou a ser classificado património imaterial da cultura brasileira. Neste artigo da Carta Maior, o jornalista Edson Wander conta a história deste ritmo contagiante e destaca as principais iniciativas destinadas a comemorar o centenário.

Veneza: bailes medievais e mascarados à moda setecentista

Enquanto as madrinhas de bateria se requebram e os trios eléctricos fazem tremer as avenidas no Brasil, bailes medievais e mascarados à moda setecentista comemoram a mesma festa - a quilómetros e séculos de tradição de distância -, em Veneza.
O uso de máscaras em Veneza data dos anos 1200 e representava uma maneira de viver uma "loucura legal", ou seja, escondidos pelo ornamento, os venezianos permitiam-se quase tudo. No começo do século 14, surgiram leis que restringiam as traquinices mascaradas, na tentativa de travar a decadência moral.

Moacyr Scliar (1937-2011) - Foto: Cia das Letras/Divulgação

Os que não gostam de Carnaval

Há exactamente 65 anos, Dorival Caymmi compôs o histórico Samba de Minha Terra, cuja letra é categórica: Quem não gosta de samba/ bom sujeito não é/ é ruim da cabeça/ ou doente do pé. Com isto dividiu a humanidade, ou, pelo menos, os brasileiros, em dois grupos: os que gostam e os que não gostam de samba. Que correspondem a dois outros grupos, os que gostam e os que não gostam de Carnaval - protagonistas de uma oposição tão ferrenha que provavelmente os transformará em protagonistas da Batalha Final.

Atriz Cris Vianna, raínha da bateria da Imperatriz Leopoldinense, 2016 – Foto wikipedia

Carnaval no Brasil: de manifestação popular a empreendimento comercial

Nesta crónica publicada na Folha de S. Paulo em 2005, o poeta Ferreira Gullar lembra como o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro foi evoluindo da avenida para o sambódromo, tornando-se no que é hoje: as mudanças acabaram por descaracterizar a apresentação das escolas de samba, que hoje está transformado num empreendimento comercial, visando mais o lucro do que a qualidade e a autenticidade dessa manifestação cultural popular, originalmente carioca, hoje nacional.

Escola de samba Imperstriz Leopoldinense

Documentário sobre uma escola de samba do Rio de Janeiro

Os vídeos que se seguem são parte de um documentário sobre a escola de samba Imperatriz Leopoldinense, "Imperatriz do Carnaval", de Medeiros Schultz. Neles é possível ver a cidade do Rio de Janeiro que se prepara para o Carnaval, o ensaio da bateria da escola de samba, a descrição de cada um dos instrumentos da bateria, e o ensaio final no barracão da escola.

Máscaras do Carnaval de Veneza

Entre o riso e o sagrado

O Padre e Filósofo Anselmo Borges, num artigo publicado no Diário de Notícias, valoriza a dimensão «catártica» do Carnaval: «O homem não é só sapiens. Ele é sapiens e demens: sapiens sapiens e demens demens (duplamente sapiente e duplamente demente). Por mais que a sociedade tente normalizar comportamentos, haverá sempre explosões de alegria, excessos, desmesuras e loucuras.» E lembra que «foi tardiamente que os cristãos aceitaram os festejos carnavalescos às portas dos rigores quaresmais. Apesar das tentativas da Igreja oficial para travá-los, eles continuaram e impuseram-se». Porque o sagrado não sobrevive sem o riso.

Giovanni Domenico Tiepolo (1727-1804), Scène Carnival, le menuet, 1750, Musée du Louvre, Paris – Foto wikipedia

História do Carnaval

Muitas são as teorias e opiniões sobre a origem do Carnaval. Mas numa ideia todas elas convergem: a transgressão, o corpo, o prazer, a carne, a festa, a dança, a música, a arte, a celebração, a inversão de papéis, as cores e a alegria, fazem parte da matriz genética de uma das manifestações populares mais belas do Mundo.

Padre Mário de Oliveira – Foto extraída de viriatoteles.com

Deus gosta mais do Carnaval

Numa Quarta-feira de Cinzas, o Padre Mário de Oliveira escreveu no seu diário um texto precioso sobre a forma como a Igreja venera o dia que se segue ao Carnaval: «Mas como é que Deus poderia gostar mais do dia de hoje, Quarta-feira de cinzas, do que do dia de ontem, Carnaval? Não é Ele o Deus da Alegria e da Festa? Não é Ele o Deus da Vida e dos Vivos? Não é Ele o Deus da Plenitude e da Abundância? Não é Ele o Deus do Excesso e da Ressurreição? (...) A humanidade, cada vez mais liberta da nefasta influência do clero católico e da sua ideologia moralista, também gosta mais do Carnaval, do que da Quarta-feira de cinzas». Para ler devagarinho e aos bocadinhos.

Bloco da Capoeira no circuito Campo Grande, Salvador - Foto wikipedia

“Atrás do trio eléctrico só vai quem pode pagar”

Quando as escolas de samba do Rio de Janeiro começaram a desfilar em recinto fechado (primeiro fechou-se a avenida Presidente Vargas e depois construiu-se o sambódromo, uma espécie de estádio para ver os desfiles), o carnaval de Salvador da Bahia passou a ser o maior carnaval de rua do Brasil. Nessa altura, como cantava Caetano Veloso, atrás do trio eléctrico só não vai quem já morreu." Hoje tudo mudou. Como mostra esta entrevista da Carta Maior com o geógrafo  Clímaco Dias, é preciso dinheiro (e muito) para pular no carnaval de Salvador.

Maria Rita interpretando a canção "Todo Carnaval tem seu fim"

Epílogo: Todo Carnaval Tem Seu Fim

Para encerrar o dossier Carnaval, a canção "Todo o Carnaval Tem Seu Fim", na interpretação da cantora Maria Rita.