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Tanta asneira sobre a Rádio e a Televisão públicas…

Mas que raio de conversa é essa de não se saber o que é “Serviço Público”? Quem faz esta pergunta não levou vacinas quando era pequenino? Não andou na Escola Pública? Não andou de comboio, autocarro? Nunca viu as patrulhas da PSP ou da GNR? Não sabe que um Serviço Público é algo que o Estado disponibiliza aos cidadãos para que eles o possam ser de facto: cidadãos! Por José Manuel Rosendo jornalista da Antena 1.
José Manuel Rosendo em reportagem no Afeganistão. Foto de Duarte Costa

Se tiverem paciência para ler, agradeço. Estou de férias e deu-me pra isto. Ando de “saco cheio” e nem o sol aproveito.

Mas que raio de conversa é essa de não se saber o que é “Serviço Público”? Quem faz esta pergunta não levou vacinas quando era pequenino? Não andou na Escola Pública? Não andou de comboio, autocarro? Nunca viu as patrulhas da PSP ou da GNR? Não sabe que um Serviço Público é algo que o Estado disponibiliza aos cidadãos para que eles o possam ser de facto: cidadãos! Porque só são cidadãos, e pessoas, se tiverem um conjunto de serviços que possam, de facto, utilizar, sem que essa utilização esteja dependente do seu poder económico. Não sabem isto? Aqui chegados já oiço rugidos: “isso não tem nada a ver com serviço público aplicado à rádio e à televisão”. Tem, tem! Por que é que não se entrega o Serviço Nacional de Saúde (totalmente) aos privados? Por que é que não se entrega o Ensino (totalmente) aos privados? Por que é que não se entrega a Segurança (totalmente) aos privados?

A diferença entre um órgão de comunicação social (OCS) privado e um outro público é muito simples: o privado depende da vontade dos acionistas, tem uma orientação “editorial” de acordo com a vontade da administração, pretende fazer dinheiro ou, o que pode ser muito mais importante para o acionista, ser utilizado como arma de arremesso útil a estratégias do grupo económico a que pertence (basta estar atento ao que se passa neste momento para perceber os interesses económicos transformados em manchete de jornal). Apesar de não concordar que um OCS deva em circunstância alguma servir este tipo de interesses, sendo privado e atendendo aos tempos que correm – não, não estou a fazer nenhuma concessão, estou apenas a facilitar o avanço do que quero dizer – até dou de barato, sendo que a única opção para os leitores/ouvintes/telespectadores, quando confrontados com este tipo de OCS, é comprar ou não comprar, ouvir ou não ouvir, ver ou não ver. E fica por aí.

Ao contrário, um órgão de comunicação social público, responde perante os portugueses nas instituições que têm a função de o fiscalizar, regular e acompanhar. Podemos discutir tudo: o modelo, os canais, as nomeações, as grelhas, as pessoas, os ordenados… podemos discutir tudo, mas se os diferentes canais da RTP (Rádio e Televisão) produzissem as gralhas e as notícias que vão por aí noutros OCS, “caía o carmo e a trindade”, havia administrações e diretores demitidos.

A Rádio e Televisão de Portugal faz uma cobertura do país que nenhum outro OCS faz ou tem interesse em fazer. Se alguém quiser ter uma noção concreta desta afirmação basta consultar as grelhas de programação, avaliar a oferta pluralista e diversificada, analisar os noticiários e depois pode ter uma opinião sustentada. A quem não quiser ter esse trabalho só posso aconselhar cautela, muita cautela, com opinadores que propagam a mentira e que nem os próprios sabem do que falam.

Mais algum OCS tem um Conselho de Opinião que representa a sociedade portuguesa para acompanhar a sua actividade? A RTP tem.

A RTP é “ um saco de boxe”. Sempre foi. Mas essa é a “cruz” de um OCS público, sujeito ao escrutínio dos cidadãos. E ainda bem que há esse escrutínio, desde que seja intelectualmente honesto. Já alguém imaginou um programa na televisão pública onde o jornalista de serviço destilasse ódio contra a SIC como Mário Crespo, na SIC Notícias, destila ódio contra a RTP (e contra tudo que “cheire” a serviço público)? Ninguém imagina, pois não? Sabem porquê? Porque a RTP é um OCS público e não serve para esse tipo de coisas. Este é um bom exemplo para perceber a diferença.

E ainda faço outro pergunta: conseguem descobrir um OCS onde sejam publicadas notícias que não agradem ao acionista? Se calhar passou-me alguma coisa ao lado mas gostava de encontrar um exemplo de uma notícia do Público que belisque os interesses de Belmiro de Azevedo; uma notícia do Expresso, da SIC ou da Visão, que belisque interesses de Pinto Balsemão; uma notícia do DN ou do JN que belisque os interesses de Joaquim Oliveira. Eu sei que o Governo não é o accionista da RTP (é o Estado) mas sabem quantas notícias a Rádio e a Televisão públicas editam diariamente que o Governo preferia que fossem ignoradas? Pois é…

E no meio de tudo isto convém desmistificar aquela história de quem paga o quê, porque se a taxa do audiovisual que os portugueses pagam serve para pagar a RTP, quem é que vocês acham que paga os outros OCS? Está-se mesmo a ver que são os donos, os acionistas, não é? Pagamos todos, sim, pagamos todos através do valor da publicidade que está incluído nos produtos que compramos. Mais ainda, pagamos mesmo quando não queremos ver, ouvir ou ler, porque compramos o produto (com a fatia da publicidade incluída no preço) independentemente de beneficiarmos ou não do OCS que vai receber essa fatia da publicidade. E quem quiser enfiar a cabeça na areia que faça o favor, mas que é verdade não tenham dúvidas. Pagamos é (quase) sem dar por isso.

Quem diz que não sabe o que é Serviço Público é quem apenas mede o valor da nossa vida (com tudo o que dela faz parte) através de uma conta de merceeiro que só tem duas colunas: a do deve e a do haver. Coitados!

Publicado pelo autor no seu Facebook, reproduzido neste dossier com autorização

Comentários (1)

Neste dossier:

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