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Referendo na Escócia: o fim do Império?

A poucos dias do referendo de 18 de setembro, o poder político de Londres treme ante a subida das intenções de voto do Sim à independência da Escócia. No meio da austeridade que nos últimos anos tem cortado nos salários, pensões e serviços públicos, a população escocesa atreveu-se a imaginar um país novo e mais justo e a discutir as opções do seu futuro. Dossier organizado por Mariana Vieira.
Foto Neil Wintn/Flickr

“Pensa que a Escócia deve ser um país independente?”

Esta é a pergunta que será feita no próximo dia 18 de Setembro de 2014. A ela pode responder quem for residente da Escócia há pelo menos três anos, nacional ou não, alargando-se, pela primeira vez, o voto às pessoas maiores de 16 anos de idade. Não votará neste referendo quem, apesar de ter nascido acima do rio Tweed, tenha emigrado para outro país ou para o resto da Grã-Bretanha. Só este critério de escolha de eleitores, é já uma pista sobre os contornos do debate: mais do que nunca, não se trata tanto de uma questão de nacionalismo e de identidade nacional (embora haverá quem se mova por isso, claro), mas sim de ouvir aquelas e aqueles que vivem na Escócia e que são convidadas e convidados a contribuir para a comunidade a que pertencem.

Este é o terceiro referendo feito na Escócia nos últimos trinta e cinco anos. Em 1979 e 1997, a população foi chamada a votar sobre a “Devolução”, ou seja, sobre a transferência de alguns dos poderes legislativos e controlo sobre alguns dos impostos (o sistema de educação, ou o sistema de saúde escocês, por exemplo, são diferentes dos do resto do Reino Unido). O primeiro destes referendos, apesar da vitória do SIM, foi considerado não-vinculativo, por ter tido menos de 40% de participação do eleitorado. No segundo referendo, a vitória do SIM significou a criação de um novo parlamento autónomo escocês (estrutura que não existia desde 1707). Ainda assim, tem-se verificado que a Devolução só por si não chega para garantir a autonomia da Escócia, já que as leis gerais se sobrepõem às leis locais. Numa primeira versão do referendo de 2014, chegou a estar na mesa uma terceira hipótese, a chamada “Devo Max”, que restituiria à Escócia a maior parte dos poderes legislativos, mas esta hipótese foi afastada por David Cameron, que só deu o seu acordo para um “tudo ou nada” sobre a independência.

Em causa, a 18 de Setembro próximo, estarão problemas urgentes. O desmantelamento acelerado do Sistema Nacional de Saúde, os cortes de salários e reformas, a aposta no armamento nuclear, o fim do ensino superior gratuito, a xenofobia e racismo crescentes são, entre outros, assuntos em que a Escócia se tem oposto às decisões resultantes do parlamento central em Westminster, onde o contingente do norte é composto por 59 deputados, dos quais apenas um é Conservador. O cenário é comum a muitos países da Europa. A diferença na Escócia neste momento é que, ao contrário do pessimismo generalizado, há um raio de esperança que tem envolvido muita gente no debate, aceitando o convite de imaginar um país novo e mais justo. Independentemente do resultado de dia 18, o movimento criado pelas campanhas obrigou a discutir a sociedade de uma ponta a outra, ao pormenor e, dessa discussão resultará sempre uma população menos apática e que não estará disposta a deixar de participar na vida política.

Muitos destes textos foram escritos há muitos meses. Isso deve-se ao facto de que o período de reflexão e campanha sobre o referendo ter estendido de 2012 a 2014, ocupando o centro da comunicação social na Escócia e gerando numerosos artigos sobre os numerosos temas que surgem na discussão de um país, em todos os seus aspectos. Tentámos escolher aqueles que, escritos ontem ou há mais tempo, ilustrassem mais claramente o que está em causa e as propostas que o referendo vem trazer. Por opção política de quem juntou este dossier, a maior parte destes artigos será pelo SIM, ainda que tenhamos feito questão de incluir as dúvidas muito legítimas de quem, à esquerda, pensa que o NÃO é a escolha mais sensata. No entanto, é do lado da independência que vêm as propostas de substituição do status quo por outra coisa nova. É natural, por isso, que caiba aos seus defensores e defensoras o ónus da prova de que outro mundo é possível ou, pelo menos, viável.

Assim, para além de um relato sobre a campanha, tentámos cobrir os eixos principais do debate. Para uma exposição geral dos argumentos a favor e contra a independência, aproveitámos a discussão do recém-formado partido Left Unity, de quem publicamos também a mensagem do seu fundador, Ken Loach . Sobre as aspirações dos socialistas internacionalistas, publicamos o texto de Colin Fox. Sobre as hesitações do movimento sindical, recorremos a James Maxwell, de quem também publicamos uma reflexão sobre a manutenção da monarquia na Escócia. Sobre o impacto da guerra para as mulheres, publicamos um excerto do caderno de Cat Boyd e Jenny Morrison. Sobre os valores britânicos, escreve Suki Sangha. Reproduzimos a argumentação pela defesa do sistema de saúde por Philippa Whitford, e o ponto de vista das pessoas com deficiência relatado por John McArdle. Sobre a mudança, temos o texto da dramaturga Jo Clifford, parte ativa do coletivo de artistas que se empenhou na campanha do referendo. Do lado dos socialistas pelo Não, escreve o investigador Juan Pablo Lewis Jr. Sobre a imigração, reproduzimos a secção do Livro Branco “Scotland’s Future”. Quanto ao processo de escrita da constituição, podemos ler a opinião de Jamie Mann. Chegamos depois aos problemas da economia. Sobre o petróleo, o texto de Ralph Blake, sobre a moeda, em comparação com o caso irlandês, Sean O’Dowd, e sobre o modelo nórdico, James Foley e Pete Ramand, que também escrevem sobre a situação económica em geral. Temos depois a nota de Peter Geoghegan sobre quem são os donos da Escócia, país que só aboliu o feudalismo no ano 2000. E ainda um artigo de George Monbiot a rebater os argumentos dos trabalhistas ingleses defesores do Não. Finalmente, a entrevista a Tom Devine, principal investigador da História da Escócia, sobre a razão por que se declarou apoiante do SIM um mês antes do referendo e também uma entrevista a Tariq Ali, sobre, entre outras coisas, o passado do estado britânico.

Para facilitar a leitura e a contextualização do debate, escrevemos um glossário de personagens principais, bem como uma cronologia muito resumida da história da Escócia enquanto nação independente.

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Neste dossier:

Referendo na Escócia: o fim do Império?

A poucos dias do referendo de 18 de setembro, o poder político de Londres treme ante a subida das intenções de voto do Sim à independência da Escócia. No meio da austeridade que nos últimos anos tem cortado nos salários, pensões e serviços públicos, a população escocesa atreveu-se a imaginar um país novo e mais justo e a discutir as opções do seu futuro. Dossier organizado por Mariana Vieira.

A Escócia já ganhou

O referendo de 18 de Setembro trouxe para o quotidiano discussões sobre história, política e economia, sobre o que foi o passado e o que se quer do futuro. Quase ninguém responde agora “ah, eu não falo dessas coisas”. E já não era sem tempo! Artigo de Mariana Vieira, em Edimburgo.

Por que passei a dizer SIM à Independência da Escócia

Podemos dizer que da União não sobra muito, a não ser sentimento, história e família. Algumas das razões pragmáticas para a subsistência da União, que emergiram nos séculos XVIII e XIX, desapareceram. Artigo do historiador Tom Devine, a principal referência do estudo da Escócia moderna .

Quem irá escrever a Constituição da Escócia?

Se a Escócia votar pela independência teremos de enfrentar importantes perguntas na área constitucional: Qual será a relação entre os cidadãos e os Estado? Quem escreverá a Constituição? Poderá o escocês comum a contribuir para esse processo? E como poderemos todos nós ser incluídos nele? O modelo islandês é um exemplo a seguir? Artigo de Jamie Mann.

A Economia e a Independência

O principal argumento do Better Together, de que as maiores economias são mais resistentes e flexíveis, ainda está por escrutinar. As pequenas economias do Norte, geograficamente semelhantes à Escócia, mantiveram as suas moedas independentes, mais estáveis do que a libra esterlina. Artigo de James Foley e Pete Ramand.

O voto no SIM na Escócia soltaria a mais perigosa das coisas: a esperança

O mito da apatia foi já destruído pelo movimento tumultuoso a norte da fronteira. Assim que há uma coisa pela qual vale a pena votar, as pessoas fazem filas pela noite fora para ter o nome no caderno eleitoral. A pouca participação nas eleições para Westminster reflete não a falta de interesse, mas a falta de esperança. Artigo de George Monbiot.

Petróleo do Mar do Norte: o que importa não é se vai haver um “boom” mas a quem pertence o petróleo

A única forma de diminuir o deficit e retomar os serviços públicos depois dos cortes da coligação, bem como de conseguir ter dinheiro para investir e reconstruir a economia escocesa será nacionalizar o petróleo do Mar do Norte. Artigo de Ralph Blake.

Cronologia da Independência

Momentos importantes da história da Escócia e das suas várias conquistas e sucessivas perdas de independência através dos séculos. Mais informação sobre cada época pode ser consultada, por exemplo, aqui.

Glossário do referendo

Quem é quem nesta campanha do referendo à independência? Quais os sites e blogs que defendem a campanha do Sim e têm tentado furar o bloqueio dos grandes meios de comunicação a favor do Não? Reunimos aqui alguma informação básica para acompanhar melhor esta campanha.

O SNP não pode fugir para sempre ao debate sobre a monarquia

Será interessante a resposta dos membros do SNP às possibilidades constitucionais abertas pela independência. Vão acomodar-se à monarquia pragmática dos seus dirigentes ou exigir uma alternativa mais radical e genuinamente democrática? Artigo de James Maxwell.

O Left Unity e o debate da Independência

Por explicarem o quadro geral das duas posições opostas, publicamos aqui dois textos do debate em curso no Left Unity, novo partido que pretende ser um agregador da esquerda por todo o Reino Unido. Até à data, o partido escolheu não tomar posição oficial, apesar de os seus membros participarem activamente nas campanhas respectivas. Alan Mackinnon defende o NÃO; Allan Armstrong responde-lhe pelo SIM.

Os socialistas e o SIM

Apoiar o direito democrático de nações como a Escócia à autodeterminação não faz de ti um nacionalista escocês, faz ti um democrata. Artigo de Colin Fox, porta-voz do Scottish Socialist Party.

Como se aproximam os sindicatos da independência?

O princípio da devolução e da transferência de controlo para Edimburgo de, entre outras, políticas de transportes, saúde e educação, criou uma nova camada de poder do estado com as quais as secções escocesas dos sindicatos britânicos passaram a ter de negociar, reduzindo a sua dependência nas estruturas mais alargadas, de todo o Reino Unido. Artigo de James Maxwell.

Quem são os donos da Escócia?

John Glen, o diretor executivo de Buccleuch Estates diz que os membros da Scottish and Land Estates “gerem um razoável volume de recursos naturais”. E tem razão: entre eles, os 2.500 membros devem ser proprietários de três quartos do território escocês. Artigo de Peter Geoghegan.

Tariq Ali: "A separação da Escócia desmantela o estado britânico"

Nesta entrevista conduzida por James Foley, o escritor, realizador e editor da New Left Review explica o seu apoio à independência da Escócia e fala das consequências do voto Sim neste referendo.

Ken Loach: Escócia independente poderá ser a "ameaça do bom exemplo"

O cineasta e fundador do partido Left Unity defende que a independência não resolve todos os problemas da Escócia, mas abre a possibilidade de criar uma sociedade mais justa.

O direito a sonhar

Votar Não significa votar sim a um estado para quem a defesa e a política internacional passam por fingir que não fazem parte da Europa. Fingir que vivemos numa espécie de isolamento glorioso com os nossos “amigos” Estados Unidos. Artigo de Jo Clifford.

O Modelo Nórdico

Na sequência da carta aberta de 17 escritores e jornalistas escandinavos que apoiam a campanha do SIM, Pete Ramand e James Foley, cofundadores da Campanha Radical pela Independência e autores de Yes: The Radical Case for Independence, defendem a tese de que uma Escócia Independente deveria abandonar o capitalismo Anglo-Americano em favor de uma social democracia Nórdica.

Um salva-vidas para as pessoas com deficiência que se afundam neste mar de cortes orçamentais

O Livro Branco sobre a independência lançado pelo Governo promete mudanças no regime de apoios sociais. Ao invés, o Labour só garante que a austeridade e os cortes vão continuar. Artigo de John McArdle.

Votar SIM é a única maneira de salvar da privatização o Serviço Nacional de Saúde

Enquanto o Serviço Nacional de Saúde Inglês está a ser privatizado, o Escocês regressou à filosofia tradicional do serviço unificado e de fundos públicos. Artigo de Philippa Whitford.

A negatividade do SIM

É também enquanto socialista que recuso acreditar que os nossos irmãos e irmãs sejam uma causa perdida. Para mim, um voto SIM soa a desistência e eu acredito que a única forma de ser socialista é manter viva a ideia de que venceremos, num dia distante, talvez, mas venceremos. Artigo de Juan Pablo Lewis Jr.

A Guerra e as Mulheres

A independência é a maior ameaça ao Reino Unido enquanto potência mundial desde a descolonização, fornecendo a uma Escócia independente a oportunidade de adoptar uma política estrangeira independente e justa. Artigo de Cat Boyd e Jenny Morrison.

Imigração na Escócia pós-referendo

A diferença das necessidades demográficas e de migração da Escócia significam que a atual política de imigração do Reino Unido não contemplou as prioridades escocesas no campo da migração. Excerto do Livro Branco do governo escocês, “Scotland’s Future”.

Separando os factos da ficção - o que significa a Grã-Bretanha?

David Cameron e o seu lacaio Michael Gove querem introduzir “Valores Britânicos” na escolas britânicas. Querem ensinar à nossas crianças o que é ‘liberdade’, ‘tolerância’, ‘respeito pelas leis e pelo direito’, ‘crença na responsabilidade pessoal e social’ e ‘respeito pelas instituições britânicas’. Peguemos esta hipocrisia pelos cornos. Artigo de Suki Sangha.

Os planos A, B, C, D, E, F… da moeda Irlandesa desde a independência

Se a libra esterlina passar em 2020 por uma crise como a dos anos 70, o governo da Escócia independente, SNP ou outro qualquer, fará o que fez a Irlanda: vai abandonar a libra esterlina sem hesitar e usar a libra escocesa, mantendo-a dentro dos limites estabelecidos com as moedas dos seus parceiros de mercado, por exemplo, a Zona Euro, os EUA, a Noruega, etc. Artigo de Sean O’Dowd.