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Primeira condenação por violência nas praxes
Em 2008, pela primeira vez um tribunal português condenou praticas violentas ocorridas durante cerimónias de praxes académicas em Santarém. Inédita é também a decisão do Tribunal da Relação do Porto de condenar o Instituto Piaget a pagar cerca de 40 mil euros a uma aluna vítima de praxe em 2002. O Parlamento reconheceu pela primeira vez a importância de se discutir este assunto e aprovou por unanimidade, na Comissão Parlamentar de Educação, um relatório com medidas de combate à violência nas praxes.
A 23 de Maio de 2008 assistiu-se pela primeira vez em Portugal a uma condenação de um tribunal por violência praticada durante as praxes académicas. Esta decisão surge após a publicação do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES), em Outubro de 2007, segundo o qual as praxes violentas, na forma de "actos violentos ou coacção física ou psicológica sobre outros estudantes" passaram a ser consideradas infracções disciplinares.
O caso alvo de condenação remonta a 2002, altura que Ana Santos, uma aluna da Escola Agrária de Santarém, foi submetida, numa cerimónia de praxe conduzida por alunos "veteranos", à humilhação pública, com efeitos físicos e psicológicos, de ter sido coberta com excrementos de porco, contra a sua vontade, como castigo por ter atendido uma chamada de telemóvel durante o "ritual".
Na origem dos actos praticados terá estado uma atitude de vingança perante uma recusa da queixosa em participar na cerimónia, já que os actos ocorreram precisamente depois desta se declarar "anti-praxe".
O Ministério Público e da advogada da queixosa apelaram a uma punição "pedagógica e que sirva de exemplo à comunidade escolar", e a sentença do Tribunal de Santarém foi histórica: seis condenações por abuso da integridade física qualificada em co-autoria e uma por coacção, punidas com multas entre os 640 e 1600 euros.
A defesa dos praxistas ainda alegou que existia um acordo para que os praxados não atendessem telemóveis, mas o tribunal recusou os argumentos, considerando que as regras das praxes não tem qualquer suporte legal e por isso o argumento não seria aplicável. Na sentença, o tribunal considerou terem sido praticados "actos inqualificáveis" por parte dos condenados, tendo por isso decidido pela pena de condenação, que "reflecte o sofrimento" de que Ana Santos foi vítima. A aluna, manifestou-se depois satisfeita por ter denunciado os actos de violência a que foi sujeita, mas viria a abandonar o estabelecimento de ensino onde tiveram lugar as sevicias.
O Movimento Anti-Tradição Académica (MATA), que tem vindo a desenvolver acções contra as praxes no ensino superior, considerou que o caso de Santarém, poderá "marcar o início de uma nova realidade" e que "a impunidade poderá deixar de ser uma certeza para quem insiste em ver e viver a Universidade como um país à parte".
A 5 de Dezembro assistiu-se a outra decisão inédita por parte de um tribunal português: o Instituto Piaget foi condenado a pagar cerca de 40 mil euros a uma aluna vítima de praxe em 2002, por ter permitido as acções sem nada ter feito após receber uma queixa da estudante.
A aluna Ana Sofia Damião apresentou queixa contra a instituição, depois de ter sido praxada, em Macedo de Cavaleiros. Denunciou a praxe mas confrontou-se com a inacção do instituto, e acabou por ser perseguida pelos estudantes que denunciou e obrigada a anular a matrícula e a sair da cidade. O Instituto Piaget aplicou um processo disciplinar à estudante, alegando a forma subjectiva e excessiva com que relatou os factos e mentiu quando disse desconhecer o conteúdo do "código de praxe".
O tribunal de primeira instância não lhe deu razão mas a Relação do Porto não poupou críticas ao tribunal de Macedo de Cavaleiros na argumentação em que reverte o sentido da sentença anterior. O Tribunal da Relação considerou que a instituição tem o dever específico de respeitar e promover direitos fundamentais, pelo que deve ser responsabilizada pelos danos morais e patrimoniais das vítimas das praxes académicas.
O tema das praxes, que foi levado ao plenário da Assembleia da República, em Dezembro de 2007, pelo deputado do Bloco, José Soeiro, voltaria a ser tema em discussão no Parlamento, em 2008, com a aprovação por unanimidade, pela Comissão Parlamentar de Educação, no dia 29 de Abril do Relatório sobre as Praxes Académicas em Portugal. Elaborado por José Soeiro, o documento reúne contributos de vários estabelecimentos de ensino sobre o enquadramento dos rituais académicos em cada escola, e recomenda ao governo medidas concretas para combater o fenómeno da violência nas praxes.
O documento propõe, entre outras, a criação de uma linha telefónica nacional e gratuita para alerta, denúncia e atendimento dos estudantes e a criação de equipas de apoio que incluam acompanhamento psicológico e jurídico aos alunos que solicitem apoio. Outra medida contra as praxes violentas que consta do relatório é a intervenção pedagógica do Ministério da Ciência e Ensino Superior, mediante o esclarecimento aos estudantes, no acto de candidatura, de que a praxe não é obrigatória e de que não podem ser penalizados pela sua não adesão.
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