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Os swaps desaparecidos

O processo de análise da contratação de swaps por empresas públicas e posterior renegociação junta da banca está envolto num manto de opacidade.
No âmbito da análise à contratação de Instrumentos de Gestão de Risco Financeiro pelas empresas públicas, foi contratada à StormHarbour a elaboração de um relatório sobre estes instrumentos. É de realçar que a Stormharbour é liderada por Paul Gray, um antigo quadro do Citibank que tentou vender IGRF para maquilhar o défice e a dívida portuguesa artificialmente.

Para além das mentiras da ministra Maria Luís Albuquerque, há dados relevantes que continuam por ser esclarecidos: por um lado há contratos swap que são verdadeiros fantasmas, pois ninguém sabe onde estão; por outro lado, os relatórios de auditoria solicitados pelo Governo pouco esclarecem, deixando de fora fatores importantes.

Os swap mistério

Num verdadeiro fenómeno paranormal, alguns dos swaps contratados por Maria Luís Albuquerque desaparecerem misteriosamente. De acordo com a auditoria da Inspeção-Geral de Finanças à REFER, no final de 2007, ano em que a ministra abandona a REFER, a carteira de swaps era negativa em 38,6 milhões de euros. O relatório demonstra que enquanto esteve na Refer, Maria Luís introduziu a prática de contratar swaps e entre 17 de Setembro de 2001 e Janeiro de 2007 contratou 12, dos quais 10 com maturidade para além de 2011. Contudo, o relatório da StormHarbour, que analisa os swaps das empresas públicas reclassificadas (onde se inclui a REFER) entre 2003 e 2011, apenas identifica seis swaps, dos quais cinco assinados por Maria Luís Albuquerque.

Ao analisarmos os relatórios e contas da REFER 2011 e 2012, podemos ver que entre os dois anos desapareceram três swaps que deveriam atingir a maturidade apenas em 2024 e 2026 (dois). Esses swaps são dois plain vanilla, com perdas acumuladas de 8,6 milhões de euros, e um Fixed-Fixed swaptions Bermuda, “um dos produtos de cobertura de risco mais exóticos”, segundo o Jornal de Negócios.

Por outro lado, o relatório de auditoria aos swaps elaborado pelo IGCP indica que os bancos nacionais BCP, BES e Caixa Geral de Depósitos venderam swaps às empresas públicas, tendo alguns deles “operações estruturadas”. Apenas se conhece um swap, feito pelo BESI com a Carris, sendo um exemplo da chantagem exercida pela banca nacional junto das empresas públicas: o BESI paga a taxa Euribor a 3 meses e a Carris paga a Euribor a 3 meses + um spread (não explicitado). Ou seja, os contribuintes perdem sempre.

Para além dos bancos nacionais, nada se sabe sobre os contratos vendidos por alguns bancos internacionais. Citibank, Royal Bank of Scotland, Bank of America e Depfa Bank venderam swaps, todos eles com um grau de risco e de complexidade elevado. A StormHarbour recomenda o cancelamento de todos estes contratos, mas, até agora o Governo nada fez.

Maria Luís Albuquerque anunciou ainda que já tinham sido fechados todos os contratos com cláusulas de vencimento antecipado. Contudo, de acordo com o relatório da StormHarbour, o Citibank vendeu ao Metro de Lisboa um swap com uma cláusula de vencimento antecipado e nenhuma informação foi ainda prestada sobre esse contrato. Ao que tudo indica, continua ativo.

Fica assim clara a existência de inúmeros contratos swap sobre os quais nada se sabe. Uns vão aparecendo, outros desaparecendo e nada se sabe sobre isso, nem sobre os bancos que os venderam.

Os relatórios faz-de-conta

Os relatórios de auditoria pedidos pelo Governo são verdadeiras cortinas de fumo, que pouco ou nada esclarecem. No âmbito da análise à contratação de Instrumentos de Gestão de Risco Financeiro pelas empresas públicas, foi contratada à StormHarbour a elaboração de um relatório sobre estes instrumentos. A análise classifica os contratos em níveis de risco e complexidade, de 1 a 5, considerando os níveis de 3 a 5 os mais lesivos para as empresas públicas.

O relatório tem duas falhas essenciais: apenas analisa os instrumentos contratados pelas empresas públicas reclassificadas, deixando de fora empresas como a CP, Águas de Portugal, STCP, Parpública, EGREP, Porto de Lisboa, TAP, Agência Portuguesa de Investimento e NAV; por outro lado, não é possível identificar os níveis de toxicidade e grau especulativo através da análise efetuada pela StormHarbour, permitindo à ministra identificar os swaps que contratou como complexos e outros como especulativos.

Para além destas duas falhas, é de realçar que a Stormharbour é liderada por Paul Gray, um antigo quadro do Citibank que tentou vender IGRF para maquilhar o défice e a dívida portuguesa artificialmente. Mais grave ainda, é Paul Gray considerar que estas operações não acarretam qualquer problema.

Para além do relatório da Stormharbour, foi elaborado um relatório pelo IGCP – Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública com outro tipo de informação e bastante menos completo.

Existem, assim, uma série de fatores que devem ser analisados detalhadamente, algo que está a faltar nos relatórios pedidos pelo Governo. O apuramento da toxicidade dos contratos e do grau especulativo, bem como a listagem detalhada de todos os swaps contratados por todas as empresas públicas desde 2003 afigura-se um elemento central para o apuramento de responsabilidades.

Para uma análise correta e completa de todo este processo dos swap, é necessária a elaboração de um relatório por uma entidade independente como o Tribunal de Contas.

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Neste dossier:

O escândalo dos swaps

Os contratos swap das empresas públicas tornaram-se um escândalo e constituem uma fatura pesada a pagar pelo Estado, ou seja por todos os contribuintes. O assunto levanta muitas interrogações sobre o seu exato significado, a boa gestão pública e a relação entre Estado e banca. Neste dossier diversos especialistas analisam e opinam sobre o tema.

“A banca tem interesse na opacidade dos swaps”

Em entrevista ao esquerda.net, a economista Eugénia Pires aborda o papel da banca neste escândalo, ao mesmo tempo que clarifica alguns conceitos, tal como o papel dos gestores públicos. Neste artigo pode ler a primeira parte da entrevista.

“Os swaps especulativos são equiparados a contratos de jogo e de aposta”

Em entrevista ao esquerda.net, a economista Eugénia Pires aborda o papel da banca neste escândalo, ao mesmo tempo que clarifica alguns conceitos, tal como o papel dos gestores públicos. Nesta segunda parte da entrevista, Eugénia Pires salienta: “Todos os swaps, mesmo os mais simples – os plain vanilla, têm o potencial de gerar perdas e, por isso, de se tornarem ruinosos, tóxicos, se não respeitarem determinadas regras básicas”.

“Swaps serviram para obter ganhos extraordinários”

O economista e co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas, Nuno Teles, explica - em dois vídeos - o desvario dos gestores públicos, o papel da banca e os riscos para a dívida pública inerentes da contratação de swaps. A circulação de uma elite entre o Estado e os bancos é central, salienta o economista na entrevista ao Esquerda.net.

Swaps: “A ligação entre bancos e Governo deve ser aprofundada”

O Governo decidiu pagar mais de mil milhões de euros aos bancos pelos swaps, apenas para não prejudicar as relações com o sistema financeiro. A economista Sara Rocha, que desenvolveu uma investigação sobre o tema para o Le Monde diplomatique - edição portuguesa, fala ao esquerda.net sobre esta permanente posição de subordinação perante a banca. Veja vídeo

Swaps: "Governo fez secretária de Estado juíza em causa própria"

Ana Drago defendeu no parlamento que a entrega do processo dos swaps a Maria Luís Albuquerque, que assinou vários dos contratos ruinosos, "é o mesmo que entregar o julgamento a um dos arguidos". Veja o vídeo de declaração política no parlamento em 18 de junho de 2013

Fica claro para quem governam PSD e CDS

Ana Drago participou na Comissão Parlamentar de Inquérito dos Swaps, como deputada do Bloco de Esquerda. Neste texto descreve os principais acontecimentos e as conclusões políticas essenciais.

Combater a corrupção pela esquerda

As semelhanças entre os casos das PPP e dos swaps não passam apenas pela existência de atos e decisões individuais censuráveis: ambos exemplificam a corrupção sistémica que decorre da “nova gestão pública” segundo lógicas de mercado. Artigo de Alexandre Abreu, economista e coautor do blogue Ladrões de Bicicletas

Jogo de espelhos: Swaps e opacidade no sector empresarial do Estado

A destruição de documentos fundamentais para a compreensão de um processo de contratualização com perdas potenciais contabilizadas em 3300 milhões de euros (com a garantia de que esse valor só pode ser reavaliado em alta) redefine os termos da discussão. Por Luís Bernardo

Swaps: a compra de lotaria como técnica de gestão financeira

O que o caso dos swaps mostra são as empresas públicas e o Estado como uma gigantesca coutada privada onde os grandes bancos entram e saem a seu bel-prazer. Artigo de José Vítor Malheiros, jornalista e colunista do Público.

Divagações sobre Swaps

A palavra invadiu-nos de repente o quotidiano, abriu os serviços noticiosos, demitiu secretários de Estado, abriu suspeitas várias. Artigo de Diana Andringa, jornalista.

Quanto ganharam os bancos com os swaps?

Os swaps têm-se revelado um ótimo negócio para os bancos. São mesmo as únicas instituições que têm lucrado com o descalabro das empresas públicas, com a falta de regulação e com a incompetência dos gestores públicos e dos sucessivos Governos.

Falso ou Falso? A verdade vs as citações da ministra

O processo dos swaps tem sido marcado pelas mentiras da Ministra das Finanças. Desde o início do processo, Maria Luís Albuquerque tem constantemente tentado enganar os portugueses com informações incorretas.

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Qual a verdadeira fatura dos swaps?

Para já, a decisão de pagar aos bancos custou 1.037 milhões de euros mais o acréscimo de juros a pagar pela dívida pública. E ainda faltam fechar dezenas de swaps…

Fotogaleria: Quem é quem nos swaps?

Nesta fotogaleria, mostramos as caras dos principais responsáveis políticos e administrativos pela assinatura dos contratos swap na última década.