Offshores em São Bento: como votaram os partidos

Nos debates na Assembleia da República, o PS, PSD e CDS sempre contribuiram para inviabilizar as propostas do Bloco e PCP contra os offshores. O argumento em defesa do atual estado de coisas mantém-se igual: era preciso que todos os países se juntassem para se poder acabar com estes centros de fraude financeira.

09 de abril 2016 - 17:53
PARTILHAR

Acabar com o offshore português da Madeira foi uma das bandeiras do Bloco desde a sua fundação. Logo após a primeira eleição para o parlamento, em dezembro de 1999, Louçã e Fazenda entregaram um projeto de lei com um único artigo a revogar o regime que alargou os benefícios das Zonas Francas a operações de natureza financeira.

A lei acabou por não ser agendada para debate nessa legislatura interrompida a meio pela demissão do governo Guterres, tal como a proposta do PCP sobre a mesma matéria, entregue em setembro de 2001, a seguir à interpelação ao governo sobre reforma fiscal  em que Francisco Louçã e Lino de Carvalho exigiram ao ministro das Finanças, Guilherme de Oliveira Martins, mais fiscalização sobre as empresas inscritas no offshore da Madeira.

O controlo das transferências de capitais e outras medidas de combate ao branquamento de dinheiro e à fuga ao fisco foram sendo apresentadas nos anos seguintes pelos partidos à esquerda do PS, mas sempre com o mesmo destino traçado: o chumbo garantido. Outro aspeto em comum nos debates até 2015 foi a unidade dos deputados eleitos pelo círculo da Madeira em defesa do regime vigente no Centro Internacional de Negócios da Madeira, que alberga milhares de empresas com o objetivo de se furtarem ao cumprimento das obrigações fiscais nos países onde operam. Estes deputados do PS, PSD e CDS chegaram a subscrever declarações de voto conjuntas a defender os supostos benefícios do offshore da Madeira para a Região.

Quando Ricardo Salgado pediu amnistia para acabar com offshores

A crise financeira veio dar outro alento às iniciativas para combater os ofshores. Em março de 2008, na sequência dos escândalos das offshores do BCP,  foi a debate outra iniciativa do Bloco para tornar obrigatório o registo dos movimentos transfronteiriços de capitais, com a indentificação dos destinatários dessas transferências de capitais. A proposta foi chumbada com os votos do PS e do PSD e a abstenção do CDS.

Em abril de 2009, o Bloco agendou para debate no parlamento um pacote legislativo sobre transparência no setor financeiro, com o fim do sigilo bancário, imposto sobre grandes fortunas e especulação financeira, para além de um projeto de resolução ao recomendar medidas de controlo das operações com offshore. No mesmo dia, Ricardo Salgado disse à imprensa que os bancos até aceitariam o fim dos offshores se lhes fosse dada uma amnistia. “Fica tudo dito! Só pede amnistia quem cometeu ou protegeu crimes!”, exclamou Francisco Louçã no plenário, cinco anos antes do banqueiro ser afastado no contexto da implosão do BES. No final do debate, PS, PSD e CDS chumbaram a proposta.

No ano seguinte, o Bloco insistiu, desta vez com um projeto de lei que propunha a introdução de uma taxa de 25% sobre as transferências para paraísos fiscais, lembrando que as contas do Banco de Portugal e do FMI apontavam para 16 mil milhões de euros colocados por portugueses em offshores. A proposta viria a ser chumbada a 2 de junho de 2010 por PS, PSD e CDS. No mesmo dia deu entrada na Assembleia um projeto de lei no mesmo sentido subscrito pelo PCP, que foi discutido na semana seguinte e chmbado com a mesma votação. Uma proposta semelhante, apresentada em março de 2011 pelo Bloco, não viria a ser debatida. Semanas depois, José Sócrates anunciava a demissão do governo.

PS sublinhou o "lado quixotesco da extrema-esquerda" ao querer taxar transferências para offshores

A legislatura do governo Passos Coelho/Paulo Portas foi a recordista de iniciativas sobre paraísos fiscais, nada menos que sete: o Bloco apresentou um projeto de resolução e dois projetos de lei, e o PCP apresentou três projetos de lei e um projeto de resolução.

Os primeiros a serem debatidos, em setembro de 2011, foram os projetos de lei do Bloco e do PCP para criar uma taxa de 25% sobre transferências para offshores. “Só  em sede europeia e internacional, é que uma verdadeira luta contra este flagelo pode ser possível. Este lado «quixotesco» da nossa extrema-esquerda é totalmente ineficaz e não passa de mero folclore parlamentar”, afirmou o deputado socialista João Galamba. E o chumbo do PS, PSD e CDS voltou a repetir-se.

Em janeiro de 2012, o PCP agendou a sua proposta para reforçar a tributação dos rendimentos por entidades localizadas em offshore ou em países com regime fiscal mais favorável, tendo como pano de fundo as polémicas sobre a transferência das sedes das empresas do PSI20 para a Holanda. Os votos da maioria PSD/CDS foram suficientes para chumbar a iniciativa, com a abstenção do PS, agora na oposição.

A entrada na agenda parlamentar de uma petição da CGTP a propor a eliminação dos paraísos fiscais deu o mote para o projeto de resolução bloquista a recomendar ações nesse sentido. Neste debate, em fevereiro de 2012, a proposta contou pela primeira vez com o voto favorável do PS.

Já com a legislatura a aproximar-se do fim, em março de 2015, o PCP insistiu no debate parlamentar dos offshores, desta vez com um projeto de resolução para um plano de ação nacional e internacional para a extinção dos centros offshore e um projeto de lei para limitar transações com offshores. As propostas foram discutidas em conjunto com outras, do Bloco e do PS, que visavam alterar o quadro legal sobre enriquecimento injustificado e de transparência dos cargos públicos. Este projeto do PCP contou com a oposição do PSD e do CDS e a abstenção do PS.

Dois meses depois, agora no contexto da discussão de medidas de regulação do sistema financeiro elaboradas na sequência da derrocada do Grupo Espírito Santo, o Bloco voltou a agendar um projeto de lei a proibir pagamentos a entidades sedeadas em offshores não cooperantes.

Mariana Mortágua lembrou alguns casos de bancos envolvidos em esquemas fraudulentos com offshores (BCP, BPN, BPP, BES), sem que o Banco de Portugal identificasse a “acumulação de fraudes” na sua gestão ao longo dos anos. Na resposta, Cecília Meireles, do CDS, quase repetiu as palavras do socialista João Galamba proferidas no mesmo lugar quatro anos antes: “Se, pura e simplesmente, proibirmos transações com estes paraísos, há uma solução muito fácil e muito óbvia para isso: faz-se uma transação para um país que o permita e, depois, desse país para esses paraísos. Isso, pura e simplesmente, não resolve o problema”. Mais uma vez o PS absteve-se e a direita votou contra. E o problema continua por resolver.

Termos relacionados: