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O Tratado vai dar à UE demasiado poder
O Sinn Féin foi o único partido parlamentar irlandês a fazer campanha pelo voto Não no referendo de 12 de Junho. Neste artigo, a porta-voz do partido para esta campanha enumera os motivos que levaram à defesa do Não e apresenta propostas para uma futura nova negociação.
Por Mary Lou McDonald, deputada europeia do Sinn Féin
O lugar da Irlanda é na União Europeia. A cooperação com os nossos parceiros europeus é essencial para responder aos desafios de um mundo em mudança. Estamos diante da enorme tarefa de construir uma Europa democrática capaz de responder a estes desafios. O debate das próximas semanas não é sobre se a Irlanda deve assumir o seu papel na União Europeia. Isto é um dado.
Pode-se apoiar a UE e ser-se contra o Tratado de Lisboa. Pode-se apoiar a UE e querer democracia e responsabilização. Pode-se apoiar a UE e ainda acreditar que o governo deveria ter negociado um acordo melhor para a Irlanda e para a UE.
O Tratado de Lisboa dá grandes poderes a funcionários da UE não-eleitos e que não precisam prestar contas a ninguém, corta serviços públicos, nada faz para proteger os direitos dos trabalhadores, promove a energia nuclear, compromete a Irlanda com uma defesa comum e reduz a nossa voz na cena europeia. É mau para o mundo em desenvolvimento e acena com gestos simbólicos de aumento de democracia aos parlamentos e aos cidadãos dos Estados-membros. É por isso que nós do Sinn Féin defendemos a rejeição do tratado.
O Tratado de Lisboa dá às instituições da UE demasiado poder e é um mau negócio para a Irlanda. Os cidadãos deste Estado são chamados a dar à UE mais poderes numa série de questões que envolvem relações internacionais, segurança, comércio e política económica. Vai retirar vetos em 68 áreas, evitando que o governo irlandês possa bloquear leis que não são do interesse nacional da Irlanda.
O Tratado de Lisboa propõe uma redução no número de comissários da UE. O resultado é que este estado não terá um comissário no corpo que propõe todas as leis da UE durante cinco em cada 15 anos. Quando a comissão estiver a decidir sobre questões cruciais, não haverá sequer na sala representantes irlandeses. Esta é uma preocupação real para muitos, particularmente para a comunidade rural.
Também se pede ao povo irlandês que vote a favor de uma redução de 50% do peso do nosso voto no Conselho de Ministros. Enquanto perdemos votos, a Alemanha, a França, a Grã-Bretanha e a Itália vão, cada um deles, quase duplicar o peso do seu voto.
Isto é muito importante porque a perda de um lugar irlandês na mesa da comissão, e o enfraquecimento da capacidade de voto no Conselho de Ministros acontece num momento em que a UE tem maior controlo sobre mais áreas políticas. Isto pode ter sérias consequências para a Irlanda em muitas áreas sensíveis da política, incluindo a área fiscal.
O artigo 48 do Tratado de Lisboa dá à UE poderes de emendar os seus próprios tratados, sem recurso a uma conferência intergovernamental ou a um novo tratado. Isto daria à comissão e ao conselho um alcance significativo para adquirir mais poderes no futuro. O artigo 48 também dispõe a mudança do voto unânime para o voto de maioria qualificada em muitas áreas. As alegações que dizem que o sistema fiscal irlandês não sofrerá interferências da UE devido às actuais exigências de unanimidade têm de ser enquadradas com o facto de o Tratado de Lisboa especificamente permitir a remoção destes mesmos vetos.
Se abrimos mão deste poder, os cidadãos irlandeses terão de confiar no actual governo e nos seus sucessores para não conceder poder de decisão à UE sobre política fiscal. A Comissão Europeia já elaborou o rascunho de propostas para introduzir uma base fiscal comum da UE para impostos das empresas, mas adiou a sua publicação até depois do referendo irlandês. Será que isto incute confiança de que os novos poderes da UE não vão ser usados para impor uma harmonização fiscal da União?
Vale também a pena notar que em Dezembro de 2005 o deputado trabalhista Proinsias De Rossa [deputado europeu do grupo socialista europeu] e a maioria dos deputados do Fine Gael [Partido Irlandês Unido, o principal partido de oposição da Irlanda] apoiaram o Relatório Bersani, que se manifestou favorável à imposição de impostos comuns às empresas.
Os que apoiam o Tratado dizem-nos que nele não há ameaça à neutralidade. Isto não podia ser mais distante da verdade. As últimas décadas viram esta neutralidade de Estado ser sistematicamente desgastada, através do uso do dinheiro dos contribuintes para apoiar financeiramente a Agência Europeia de Defesa, através do envolvimento na aliança militar Parceria para a Paz e através da participação nos grupos de combate da UE e do uso do aeroporto Shanon por tropas dos EUA a caminho da guerra do Iraque. Basta olhar para o desempenho deste governo e também para a posição dos outros partidos. Acredito que muitos irlandeses ficariam preocupados com os comentários de Enda Kenny no lançamento do seu documento Para Além da Neutralidade quando disse: "O Fine Gael não lamenta o fim da neutralidade".
E o Tratado de Lisboa vai muito mais longe. Não há uma única menção da palavra neutralidade no tratado e nenhum directo reconhecimento dos Estados-membros neutros. Isto em flagrante contraste com as referências às obrigações da Nato e à compatibilidade com a Nato. O fracasso do governo irlandês de procurar uma referência específica à neutralidade é muito preocupante.
O triplo ferrolho, pelo qual intervenções militares no exterior exigem uma autorização das Nações Unidas e a aprovação do governo e da Leinster House (Parlamento irlandês) não impede o envolvimento numa política de segurança e externa comum da UE, ou a criação de um ministério da UE para os negócios estrangeiros que possa falar em nome de todos os Estados-membros, ou do estabelecimento de um corpo diplomático da UE.
Não impede que o dinheiro dos contribuintes irlandeses seja usado para efeitos de defesa da UE. Há três cláusulas específicas no artigo 28 que irão resultar em mais gastos dos contribuintes irlandeses em recursos militares da UE e irlandeses. Diferente do governo irlandês, o governo dinamarquês assegurou uma cláusula opt-out (opção pela saída/autonomia) em relação à Agência Europeia de Defesa. Há muitos outros motivos de preocupação em relação a cláusulas que teriam implicações sérias para o fornecimento de serviços públicos e que enfraquecem no fundamental o compromisso da UE de deter a pobreza global e a desigualdade.
Assim, examinando em detalhe o Tratado de Lisboa, só podemos concluir que é um mau acordo para a Irlanda, e que é preciso dizer a este governo que volte atrás e faça melhor.
Um melhor acordo é possível. Se o tratado for rejeitado, os líderes da UE serão trazidos de volta à mesa das negociações. Precisamos assim de garantir que os três partidos do governo negociem um acordo melhor. O governo devia assegurar:
Que a Irlanda mantenha um comissário permanente da UE e que o nosso poder de voto no Conselho de Ministros se mantenha.
Um artigo específico reconhecendo e protegendo a neutralidade e cláusulas opt-out para a energia nuclear, a Agência Europeia de Defesa e outras contribuições para os gastos militares da UE.
Trabalhar com outros países da UE para fortalecer a democracia e criar novas disposições que promovam os serviços públicos.
Protocolos específicos reservando o direito deste estado a continuar a tomar as suas próprias decisões sobre impostos.
Medidas específicas para impedir a privatização da saúde e da educação.
Medidas específicas de promoção do comércio justo em vez do livre-comércio.
Ao rejeitar este tratado, a Irlanda pode reabrir o debate na Europa e garantir um acordo melhor. A Europa merece melhor.
Tradução de Luis Leiria
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