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O Left Unity e o debate da Independência

Por explicarem o quadro geral das duas posições opostas, publicamos aqui dois textos do debate em curso no Left Unity, novo partido que pretende ser um agregador da esquerda por todo o Reino Unido. Até à data, o partido escolheu não tomar posição oficial, apesar de os seus membros participarem activamente nas campanhas respectivas. Alan Mackinnon defende o NÃO; Allan Armstrong responde-lhe pelo SIM.
Debate no Left Unity sobre a independência da Escócia.

Olha antes de saltar — a independência seria nos termos do SNP, não nos nossos

Artigo de Alan Mackinnon, do Red Paper Collective.

Muitos socialistas na Escócia, frustrados após quatro anos de austeridade selvagem sob um governo Conservador-Democrata que não elegeram, defendem agora que a Escócia se daria melhor como estado independente - livre de tomar as suas próprias decisões sobre o seu próprio futuro. A perspetiva de uma economia escocesa em crescimento, de orientação socialista, com uma política internacional independente e contra as armas nucleares soa bem, não soa? Há alguma coisa contra?

Comecemos por assentar os pés na terra. Para os socialistas, qualquer mudança constitucional na Escócia tem de ser avaliada em relação à sua capacidade de pôr em causa o poder das grandes empresas, submetendo a economia ao controlo democrático, redistribuindo a riqueza e promovendo as nacionalizações. Quando os escoceses votarem em Setembro deste ano, não estarão a votar pela independência em abstrato. Os termos da independência podem não estar no boletim de voto, mas estão explicados claramente no “White Paper” [documento oficial] do governo escocês. Será uma Escócia com a Rainha como chefe de estado, a libra como moeda, pertença à UE e pertença à NATO.

Este ano, na conferência de primavera do SNP, Alex Salmond declarou que o governo escocês começaria as negociações com o governo britânico imediatamente a seguir a um voto no SIM. Infelizmente, a esquerda socialista na Escócia não tem o apoio das massas, não tem base eleitoral e não tem deputados. As negociações sobre em que termos será a independência estão, portando, dominadas (do lado escocês) pela direção do SNP com, na melhor das hipóteses, uma representação simbólica da esquerda. O mesmo se aplica à convenção constitucional que determinará os termos da nova constituição da Escócia.

A austeridade será imposta aos escoceses numa economia futura tal e qual como é hoje em dia, mas teremos desistido da nossa representação em Westminster, onde ainda se concentram os poderes que podem manter a banca sob controlo democrático.

O “White Paper” defende que devemos manter a libra esterlina como moeda da Escócia. Isto pode deixar muitos eleitores escoceses descansados, depois de assistirem, com preocupação crescente, ao filme de terror da implosão da Zona Euro. Mas os três partidos de Westminster já declararam que se opõem à partilha da libra com uma Escócia independente. Claro que isto podia ser só paleio pré-referendo. É perfeitamente possível que se chegue a um eventual acordo, mas isso será uma arma de pressão para o governo do Reino Unido e o acordo terá um preço. O preço mínimo será que o Banco de Inglaterra terá controlo sobre o orçamento da Escócia. Como o preço de servir como emprestador de último recurso, o Banco de Inglaterra insistirá numa espécie de “pacto de estabilidade”, que lhe dará poderes de supervisão sobre os impostos, as despesas e os planos de empréstimo da Escócia. A austeridade será imposta aos escoceses numa economia futura tal e qual como é hoje em dia, mas teremos desistido da nossa representação em Westminster, onde ainda se concentram os poderes que podem manter a banca sob controlo democrático. Ao aceitar esta situação, o governo escocês terá deitado fora o controlo sobre pontos-chave da economia escocesa - as taxas de juro e a oferta de moeda.

O segundo problema é a pertença à União Europeia. Diz um mito persistente, que esta é um bloco de comércio benigno, mas a realidade é bem diferente. É um supra-estado europeu em expansão, moldado para servir os interesses das maiores companhias europeias e ultrapassar a democracia dos estados-membros. O neo-liberalismo está no ADN da UE e é-nos imposto sem piedade. Veja-se o tratamento dado à Grécia, a Portugal ou à Irlanda. A UE está a levar a cabo um programa de austeridade e privatização por toda a Europa (incluindo a Grã-Bretanha), criando desemprego em massa, trabalhos em part-time, e cortando os serviços por toda a parte. O Tratado de Lisboa estabeleceu a primazia da lei da UE sobre as leis dos estados-membros, e os artigos do tratado teriam de ser tidos em conta numa futura constituição escocesa, consagrando a economia neo-liberal como a única via possível.

Se a dívida nacional escocesa fosse negociada numa base per capita, seria de cerca de 80-90% do PIB. O novo “pacto de estabilidade” (agora chamado Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação), aperta o controlo da UE sobre o orçamento, de maneira a que o  deficit de despesa dos estados-membros se limite a 0,5% do PIB e que a dívida nacional não ultrapasse os 60%. Isto poria imediatamente a Escócia sob o Procedimento por Déficit Excessivo, exigindo novas medidas de austeridade — cortes na despesa pública, descida de salários e mais privatizações. Para além disso, as novas regras da UE dão à Comissão Europeia o direito de fiscalização prévia do orçamento de todos os estados signatários. Dito por outras palavras, a UE e o Banco de Inglaterra teriam um duplo poder de imposição das políticas de austeridade na Escócia independente. A pertença à UE impediria qualquer intervenção na economia, tais como os auxílios estatais ou a nacionaização de indústrias estratégicas, com o argumento de que tais auxílios distorcem o mercado e são anti-competitivos. Estes são, certamente, poderes de que um governo socialista não poderá abdicar.

O terceiro problema é a participação na NATO. O líder do SNP quer que a Escócia independente entre na NATO, que é, evidentemente, uma aliança militar da Guerra Fria que nunca serviu para responder a ameaças contra a Europa ou a América, mas sim para obrigar os estados-membros a apoiar a política externa dos EUA e a sua intervenção militar noutros países. Se a Escócia fizer parte da NATO, ser-lhe-á muito difícil evitar que as suas tropas sejam arrastadas para a guerra, nas missões da NATO pelo mundo. Praticamente todos os estados pertencentes à NATO (e são agora 28) enviaram tropas para o Afeganistão na última década. Na verdade, o SNP apoia a guerra no Afeganistão e apoiou a intervenção na Líbia — a NATO estaria apenas a usar uma porta já aberta. Igualmente importante, a pertença à NATO tornaria muito mais difícil, se não impossível, vermo-nos livres da armada britânica do Trident. O Trident está entregue à NATO. Seria pedir para nos juntar-mos a uma aliança militar com armas nucleares no centro da sua estratégia e, ao mesmo tempo, querermos deitar fora a maior parte do poder nuclear da mesma aliança. É muito pouco provável que os outros países membros da NATO, e muito menos os Estados Unidos, fique calmamente a olhar vendo isto a acontecer.

Isto é a Escócia pela qual estaremos a votar. Não pela independência em abstrato, mas por uma Escócia “independente”, com um chefe de estado que não foi eleito, sem controlo sobre a moeda, cujas políticas económicas são controladas pelo Banco de Inglaterra e pela União Europeia, e cuja política externa é ditada pela NATO. Tudo isto seria muito difícil de mudar.

Esta seria, portanto, uma independência só no nome. Uma independência regulada pelas grandes corporações. É por isso que os apoiantes milionários do SNP estão a alegremente a favor. Baixar o imposto sobre as sociedades para 3% abaixo do resto do Reino Unido (historicamente também ele baixo) não será só uma corrida para o abismo para os trabalhadores escoceses, mas irá também limitar os seus colegas a sul da fronteira, minando níveis salariais e condições de trabalho, promovendo desigualdade e desunião por toda a Grã-Bretanha. Vai dividir e enfraquecer o movimento sindical, que é a base para qualquer progresso social. Dentro de alguns anos, a Escócia e o resto do Reino Unido teriam sindicatos separados e as economias começariam a divergir. Mudança social real será muito mais difícil de alcançar. Um governo escocês, ainda que apoiado por um movimento de massas, teria imensa dificuldade em influenciar decisões tomadas em Londres, Bruxelas ou Nova Iorque. A grande maioria da indústria de exportação Escocesa — o petróleo, o gás, a indústria eletrónica, a alimentação (incluindo o whisky), a construção naval, a banca e os serviços públicos — pertence toda a empresas estrangeiras, a maior parte delas em Londres, mas outras ainda mais longe. A classe governante britânica está organizada por todo o Reino Unido. Faz sentido que a classe trabalhadora se una e aja também a esse nível. Sim, continuaria a poder haver solidariedade internacional apesar das fronteiras nacionais, mas nunca será a mesma coisa do que ter os mesmos sindicatos a negociar os mesmos salários e condições de trabalho na mesma multinacional. Essa unidade perder-se-ia.

Há, é claro, uma alternativa que é apoiada por uma imensa maioria dos escoceses, segundo sondagens de opinião, e que é explicada ao pormenor no livro Class, Nation and Scotland, publicado pelo Red Paper Collective em Setembro de 2013. Se o Parlamento Escocês tivesse mais poderes, poderia nacionalizar terras, propriedades e empresas. A base industrial da Escócia podia ser reconstruida com tecnologia ecologista, energias renováveis e manufatura de grande valor. A riqueza poderia ser distribuida por toda a Grã-Bretanha, de Londres ao sudoeste e até às regiões mais pobres de Inglaterra e de Gales. A formula Barnett em vigor só em parte faz isso. Mas, acima de tudo, um movimento de trabalhadores unido a nível da Grã-Bretanha tem melhores hipóteses de contestar a concentração de riqueza e de poder no Reino Unido, e de trazer a economia para o debaixo do controlo democrático.

Não deixem que as políticas do desespero vos confundam o raciocínio. A independência que nos é oferecida vai enfraquecer e não fortalecer a capacidade dos trabalhadores da Escócia e do resto do Reino Unido de contestar os grandes negócios, redistribuir a riqueza e tomar as rédeas da sua própria vida. Tem de ser rejeitada.


Porque deve o Left Unity apoiar a campanha do SIM na Escócia

Artigo de Allan Armstrong, da Radical Independence Campaign, em resposta ao texto de Alan Mackinnon.

Em vésperas do referendo de 18 de Setembro, a Escócia está inundada pelo debate político. Há uma relação direta entre classe e intenção de voto. Quanto mais rico e privilegiado alguém for, mais provável que seja um apoiante do status quo unionista. Quanto mais explorado e oprimido, mais provável que apoie a independência.

Depois do recuo da esquerda escocesa após o fiasco de Tommy Sheridan*, o SNP foi capaz de tomar uma liderança clara na campanha pela auto-determinação. Um governo de maioria SNP foi eleito para Holyrood em 2011. Foram eles que deram início ao referendo sobre a independência e que montaram a campanha oficial do SIM. Durante este processo, a reivindicação por uma Escócia genuinamente auto-determinada tem sido consideravelmente diluída para conseguir o apoio dos dirigentes do mundo dos negócios. Estes estão interessados apenas na compra das novas empresas locais que representaram os ativos do Reino Unido Lda na Escócia antes de voltarem ao negócio com os seus antigos patrões britânicos e as megacorporações dos EUA. Ao mudarem a imagem comercial da Escócia, esperam conseguir uma fatia maior do bolo.

Apesar de o plano de “independência light” do SNP incluir o afastamento do controlo particularmente anti-democrático de Westminster sobre os assuntos escoceses, querem manter a monarquia e, por isso, a mão controladora dos poderes da Coroa do Reino Unido. Querem manter a libra esterlina e continuar subordinados à City de Londres. Aceitam o papel dos altos comandos britânicos e a participação na NATO, que acham, ingenuamente, que podem conciliar com uma oposição ao Trident que se resume a dizer “não quero isto no meu jardim”. Caso ganhe o SIM, será preciso fazer uma enorme campanha para garantir que o SNP não capitula às pressões da NATO.

A campanha não-oficial pelo SIM, que tem pouca fé na “independência light” do SNP, é empolgante e aberta. Há muitos grupos de campanha independentes, incluindo as Mulheres pela Independência, os Asiáticos pela Independência e os Africanos por uma Escócia Independente. Também há uma campanha de esquerda com influência, a Campanha Radical pela Independência (RIC - Radical Independence Campaign). A conferência de fundação da RIC teve 800 pessoas, e a segunda conferência teve 1100. Para comparar com a Inglaterra, seria preciso multiplicar estes números por dez, tendo em conta a diferença populacional.

A campanha do NÃO, por outro lado, vai desde os Tory/Lib-Dem/Labour reunidos na coligação oficial Better Together até às campanhas não oficiais do UKIP, dos Unionistas do Ulster, da Ordem de Orange e outros Lealistas, o BNP e a EDL/SDL [grupos fascistas]. O voto no NÃO tem o apoio firme da City de Londres, do Departamento de Estado dos Estados Unidos e de burocratas-chave da UE. O lado do NÃO predomina nos meios de comunicação oficiais. Não há dia que passe sem que a imprensa dominante e a BBC nos avisem sobre as consequências terríveis de um voto no SIM. Os piores exemplos têm vindo de unionistas do Labour. A dirigente do partido na Escócia, Johann Lamont, declarou que “os escoceses não estão geneticamente programados para tomar decisões políticas”! O barão George Robertson, ex-ministro da defesa do New Labour e ex-secretário geral da NATO disse que “seria um cataclismo para a Escócia tornar-se independente. Ajudaria as forças do mal”!

As sondagens mostram que a diferença entre o NÃO e o SIM se vai estreitando. Em resposta a isso, o Better Together subiu a jogada do seu chamado “Projeto do Medo” para uma estratégia ainda mais desesperada de terra queimada. Os políticos de Westminster, a City de Londres e outros líderes de negócios, os porta-vozes do exército e mercenários a soldo têm estado a erguer uma barreira de ameaças, incluindo a recusa do reconhecimento do resultado do referendo, a sabotagem económica e a construção de postos de fronteira.

A campanha do SIM tem respondido a esta estratégia com eventos públicos (ganhando apoiantes por toda a Escócia, todas as semanas), campanha de rua, incentivo ao recenseamento em massa e esclarecimentos. Esta campanha tem passado grandemente pelas redes sociais e por blogues como o Bella Caledonia. Há novos livros e panfletos a ser publicados praticamente todas as semanas, refletindo a sede real pela discussão política, resultante do referendo. Há um zum-zum político no ar.

Mas então o que é que isto importa para os socialistas de Inglaterra e de Gales? Em primeiro lugar, se houver um voto no SIM, isso destabilizará o governo de Cameron e desafiará seriamente a constituição do Reino Unido. Reduzirá o poder do estado do Reino Unido e tornará difícil a resistência a reformas democráticas. Isto só pode ser encorajador para gente que quer mudanças reais. O desenlace possível do enquadramento constitucional do Reino Unido, em conjunto com o nível de mobilização política na Escócia, para lá do controlo do governo SNP, significa que estaremos a entrar em território político inexplorado. Vivemos tempos interessantes.

Enquanto a grande maioria da esquerda na Escócia apoia o voto no SIM, há ainda, entre setores da esquerda sindical britânica, oposição a que se apoie este exercício de auto-determinação. Nos casos mais benignos dizem-nos “muito bem, desejo-vos tudo de bom, mas temos as nossas próprias batalhas”. Essencialmente, estão a dizer-nos que o que se está a passar na Escócia é pouco relevante para eles e desencorajam a participação em qualquer campanha de solidariedade.

Para além deste grupo, está um tipo de sindicalismo britânico mais dogmático. Invocam o “legado progressista” da Grã-Bretanha. Representam a continuidade da velha ideia Whig de que a Grã-Bretanha é uma “nação progressista”. Esta posição metamorfoseou-se, durante os tempos da velha Social Democratic Federation/British Socialist Party, numa noção de “caminho da Grã-Bretanha para o socialismo”.

Esta posição era oposta à de James Connolly depois de 1896 e, mais tarde, de John Maclean depois de 1919. Estes dois socialistas republicanos escolheram a estratégia de “separação do Reino Unido e do Império Britânico”. Esta estratégia atingiu o seu ponto alto durante a onda revolucionária internacional de 1916-21.

No entanto, quando esta onda recuou, uma forma atualizada do “caminho da Grã-Bretanha para o socialismo”, concentrada em militar nos parâmetros do estado do Reino Unido, nasceu no seio do incipiente CPGB [Partido Comunista da Gã-Bretanha]. Este legado foi transmitido ao resto da esquerda. Foi só quando o estado britânico se revelou em declínio irreversível a partir dos anos 60, que um “internacionalismo vindo de baixo” se tornou, uma vez mais, uma estratégia possível.

Em resposta a isto, a esquerda sindicalista britânica sustenta que foi a ideia de “Grã-Bretanha” que uniu os trabalhadores destas ilhas. O movimento sindicalista britânico, o Labour Party britânico, os elementos da sua seitazinha de esquerda particular, formam todos a resposta à existência do estado do Reino Unido. Têm esperança de carregar consigo a tradição da “grande e unida” classe trabalhadora britânica.

Isto trás problemas consideráveis. Há hoje em dia muito poucos indícios dessa organização unitária, na prática. O TUC [central sindical] e os dirigentes do movimento sindical, muitas vezes por ressabiamento, aceitam o enquadramento do estado do Reino Unido. Recusam-se a apoiar a contestação de leis anti-sindicatos. Estas leis permaneceram intactas durante 13 anos de governo do New Labour. Todas as ações nacionais foram reduzidas a protestos simbólicos. Um exemplo clássico foi a greve nacional de um dia pelas reformas do setor público a 30 de Novembro de 2011, a que se seguiu uma derrota vergonhosa.

Os líderes sindicais britânicos jogam o trunfo híbrido do nacionalismo, ou seja, trabalhadores Escoceses-Britânicos contra Inglêses-Britânicos para dividir os trabalhadores. Os enviados dos sindicatos ligados ao Labour invocaram a defesa do aço escocês para justificar que se deixasse de fazer piquetes de greve em Ravenscraig durante a Greve dos Mineiros. Os dirigentes do Labour em Inglaterra culparam a pressão política escocesa pela ameaça aos trabalhos nos estaleiros de Portsmouth. Entretanto, para prevenir à ação unitária dos trabalhadores das câmaras, a câmara de Glasgow, sob a gestão do Labour, criou as Arms Length Management Organisations - ALMOS [associações mediadoras entre as câmaras e os beneficiários de habitação social]. Neste caso, em vez de fomentar a união de todos os trabalhadores britânicos, o Labour dedicou-se a desunir os trabalhadores num mesmo prédio!

A desunião é, portanto, um problema que existe, não um problema que será criado pela independência. Dentro das fronteiras do Reino Unido, já há sindicatos escoceses e da Irlanda do Norte (e.g. EIS e NIPSA), sindicatos de toda a Irlanda (e.g. INTO), sindicatos britânicos (e.g. PCS), sindicatos do Reino Unido (e.g. FBU) e sindicatos de todas as ilhas (e.g Unite). A unidade pode ser alcançada para além das fronteiras políticas e é mais facilmente mantida através de estruturas federativas democráticas. Neste momento precisamos de uma oranização a nível europeu. A unidade de estado não é a mesma coisa que a unidade sindical.

Os efeitos perniciosos da abordagem sindicalista britânica vão mais longe do que a “Nação Única” Labour, ou do que direções sindicais que fornecem pouco mais do que um serviço gratuito de gestão de pessoal para patrões, em “parcerias sociais”. Muita da esquerda britânica mais alargada também aceita passivamente o enquadramento constitucional do Reino Unido. Dentro deste, esperam fazer oposição à austeridade com mais greves, que levarão apenas à mudança do governo, mas não à transformação real do estado do Reino Unido. Daí o slogan “fora a coligação Lib-Dem, viva o Labour”. No entanto, Miliband e Balls apoiam ambos as limitações da despesa pública e os cortes dos serviços sociais de Osborne. O Labour já está em coligações com os Tories em sete câmaras da Escócia.

Len McCluskey, depois de convencer a Unite a votar por Ed Miliband para líder do Labour, continuou com uma estratégia de tentativa de reapropriação do Labour para a esquerda (ou, mais precisamente, para os carreiristas de esquerda). No entanto, esta estratégia desmoronou-se no círculo eleitoral de Falkirk. Os trabalhadores da refinara de petróleo de Grangemouth pagaram duramente, em termos de condições de trabalho, quando a Unite capitulou abjetamente face às ameaças de Ratcliffe, o patrão da Ineos. Em Abril, Miliband conseguiu organizar uma conferêmcia extraordinária do Labour Party para marginalizar ainda mais qualquer contributo sindical para a política do partido.

O populista, “esmaga-nacionalistas” e solista da campanha pelo NÃO, George Galloway diz que se opõe a tudo o que Blair e o New Labour representam, mas ainda assim vê alguns aspetos positivos em Miliband (deve ser a etiqueta “Nação Única”!). Quando lhe perguntam pela sua alternativa à independência escocesa, responde que quer a reapropriação do Labour. Só que a direção do Labour nem sequer o deixa entrar no partido outra vez, por mais que ele pedinche!

O referendo escocês também criou problemas para alguns sindicalistas da esquerda “revolucionária”. A política do Reino Unido não está a seguir os caminhos descritos nas teorias e nos programas. Não vêem nenhum potencial na separação do Reino Unido porque este é o seu enquadramento preferido para unir a “classe trabalhadora britânica”.

O referendo escocês também criou problemas para alguns sindicalistas da esquerda “revolucionária”. A política do Reino Unido não está a seguir os caminhos descritos nas teorias e nos programas. Não vêem nenhum potencial na separação do Reino Unido porque este é o seu enquadramento preferido para unir a “classe trabalhadora britânica”. Mas o Reino Unido une a classe governante britânica. O estado unionista permite a todos os componentes desta classe (ingleses-britânicos, escoceses-britânicos, galeses-britânicos, “ulster”-britânicos) proteger os interesses particulares do seu territoriozinho, enquanto usam o estado para dividir a classe trabalhadora em todas as ilhas.

Apesar de não terem mandato algum na Escócia, os Tories, durante o governo de Thatcher, usaram este estado unionista para testar a implementação da Poll Tax [imposto comunitário] na Escócia, um ano antes de Inglaterra e de Gales. O New Labour encurralou os deputados escoceses de forma a que votassem a favor do financiamento privado dos hospitais só em Inglaterra, perante uma revolta do Labour inglês. A continuação no estado do Reino Unido de coisas tão reaccionárias como uma monarquia Protestante, ou 26 bispos Anglicanos na Câmara dos Lordes, apoia a reação Lealista na Irlanda do Norte e na Escócia.

Num panorama de declínio imperial continuado e de crise económica, o Reino Unido e o Labour, longe de encorajarem qualquer forma de unidade internacional da classe trabalhadora, recuam cada vez mais para o chauvinismo britânico. A classe governante britânica, com as costas quentes, toma medidas cada vez mais agressivas. Contam com Nigel Farage e o UKIP para empurrarem as políticas britânicas ainda mais para a direita, com a sua ofensiva anti-imigrantes e anti-“papa-subsídios”. O Labour da Nação Única vai atrás, mansinho.

Será a direita a beneficiar do voto NÃO em Setembro. A esquerda sindicalista britânica, com a cabeça enterrada na areia, refugia-se numa abordagem propagandista e num internacionalismo abstrato. Unidade da classe trabalhadora é confundida com unidade de estado. Ainda assim, o Labour está a desmantelar o estado social monárquico que criou tão cuidadosamente a partir de 1945. Desde que Tony Blair tomou o poder, o Labour esvaziou qualquer ideia progressita de “britâneidade” que pudesse restar nestas ilhas. O que sobra é pouco mais do que nostalgia sentimental.

Alguns alimentam o sonho de uma “solução” federativa final. Não se apercebem de que esta é já há muito tempo a opção de último recurso da classe governante, sempre que o seu estado está perante uma possível separação. A ideia de federalismo é tirada do congelador do Liberal Party, onde tem estado fechada por mais de um século.

Outra consequência da aceitação tácita do estado britânico pela equerda é que alguns dos aspetos mais duvidosos da política de estado se enraízaram em muitas organizações de esquerda. As ideias de responsabilidade coletiva de gabinete e de secretismo  são refletidas no centralismo burocrático e na dominio vindo de Londres, em particular nas políticas de Westminster. Reconstruir uma oposição socialista eficaz passa por questionar este legado.

O internacionalismo não surge de reações da esquerda às iniciativas da classe governante no contexto do Reino Unido. A separação de alguns estados e a convergência de outros é parte da globalização capitalista, dentro da qual lutas populares e movimentos democráticos estão a desenhar novos mapas. Internacionalismo genuino tem a ver com a união dos trabalhadores independentemente das fronteiras. Não com a transformação num fetiche da defesa de fronteiras existentes.

A classe governante britânica sabe que o seu estado está em declínio e sob ameaça crescente. As suas tentativas mais recentes para aguentar o barco — o “Processo de Paz” na Irlanda e a “Devolução para todos” da Escócia, Gales e Irlanda do Norte — foram pensadas para criar condições para que as corporações obtivessem um lucro máximo nestas ilhas. A queda da bolsa de 2007 deu cabo este projeto.

Isto abre perspetivas empolgantes para os socialistas. O referendo da independência da Escócia permite à esquerda tomar a iniciativa política numa base socialista republicana, com internacionalismo de fundo, unindo os trabalhadores da Inglaterra, Escócia, Gales e Irlanda. O nosso objetivo imediato devia ser promover a solidariedade e criar repúblicas democráticas, seculares e sociais. Durante o processo, poderemos desenvolver aquelas organizações independentes e democráticas que permitem à nossa classe aumentar a sua influência política e tomar o poder.

Este é o espírito internacionalista escocês, que a RIC espera venha a encorajar os socialistas na Inglaterra, Gales, Irlanda e em toda a parte na UE. Esperamos contar com o apoio dos membros do Left Unity para trabalharmos em conjunto.

* Em 2004, o Scottish Socialist Party (SSP) tinha conseguido ter impacto suficiente na política escocesa para garantir seis deputados no Parlamento Escocês. O SNP perdeu votos e lugares. O SSP lançou a Declaração de Calton Hill e organizou um protesto bem publicitado e com muitos apoios contra a abertura efetiva do novo edifício do parlamento em Holyrood. Se se tivesse construido sobre esse sucesso, a esquerda poderia ter tomado a liderança do movimento de auto-determinação escocês. No entanto, o deputado mais conhecido do SSP, Tommy Sheridan, enredou-se num escândalo que acabou em tribunal e partiu a esquerda ao meio. Isto abriu espaço ao SNP para recuperar a iniciativa política.


Artigos publicados inicialmente no site do Left Unity, a 27/04/2014. Traduzidos por Mariana Vieira.

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Neste dossier:

Referendo na Escócia: o fim do Império?

A poucos dias do referendo de 18 de setembro, o poder político de Londres treme ante a subida das intenções de voto do Sim à independência da Escócia. No meio da austeridade que nos últimos anos tem cortado nos salários, pensões e serviços públicos, a população escocesa atreveu-se a imaginar um país novo e mais justo e a discutir as opções do seu futuro. Dossier organizado por Mariana Vieira.

A Escócia já ganhou

O referendo de 18 de Setembro trouxe para o quotidiano discussões sobre história, política e economia, sobre o que foi o passado e o que se quer do futuro. Quase ninguém responde agora “ah, eu não falo dessas coisas”. E já não era sem tempo! Artigo de Mariana Vieira, em Edimburgo.

Por que passei a dizer SIM à Independência da Escócia

Podemos dizer que da União não sobra muito, a não ser sentimento, história e família. Algumas das razões pragmáticas para a subsistência da União, que emergiram nos séculos XVIII e XIX, desapareceram. Artigo do historiador Tom Devine, a principal referência do estudo da Escócia moderna .

Quem irá escrever a Constituição da Escócia?

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A Economia e a Independência

O principal argumento do Better Together, de que as maiores economias são mais resistentes e flexíveis, ainda está por escrutinar. As pequenas economias do Norte, geograficamente semelhantes à Escócia, mantiveram as suas moedas independentes, mais estáveis do que a libra esterlina. Artigo de James Foley e Pete Ramand.

O voto no SIM na Escócia soltaria a mais perigosa das coisas: a esperança

O mito da apatia foi já destruído pelo movimento tumultuoso a norte da fronteira. Assim que há uma coisa pela qual vale a pena votar, as pessoas fazem filas pela noite fora para ter o nome no caderno eleitoral. A pouca participação nas eleições para Westminster reflete não a falta de interesse, mas a falta de esperança. Artigo de George Monbiot.

Petróleo do Mar do Norte: o que importa não é se vai haver um “boom” mas a quem pertence o petróleo

A única forma de diminuir o deficit e retomar os serviços públicos depois dos cortes da coligação, bem como de conseguir ter dinheiro para investir e reconstruir a economia escocesa será nacionalizar o petróleo do Mar do Norte. Artigo de Ralph Blake.

Cronologia da Independência

Momentos importantes da história da Escócia e das suas várias conquistas e sucessivas perdas de independência através dos séculos. Mais informação sobre cada época pode ser consultada, por exemplo, aqui.

Glossário do referendo

Quem é quem nesta campanha do referendo à independência? Quais os sites e blogs que defendem a campanha do Sim e têm tentado furar o bloqueio dos grandes meios de comunicação a favor do Não? Reunimos aqui alguma informação básica para acompanhar melhor esta campanha.

O SNP não pode fugir para sempre ao debate sobre a monarquia

Será interessante a resposta dos membros do SNP às possibilidades constitucionais abertas pela independência. Vão acomodar-se à monarquia pragmática dos seus dirigentes ou exigir uma alternativa mais radical e genuinamente democrática? Artigo de James Maxwell.

O Left Unity e o debate da Independência

Por explicarem o quadro geral das duas posições opostas, publicamos aqui dois textos do debate em curso no Left Unity, novo partido que pretende ser um agregador da esquerda por todo o Reino Unido. Até à data, o partido escolheu não tomar posição oficial, apesar de os seus membros participarem activamente nas campanhas respectivas. Alan Mackinnon defende o NÃO; Allan Armstrong responde-lhe pelo SIM.

Os socialistas e o SIM

Apoiar o direito democrático de nações como a Escócia à autodeterminação não faz de ti um nacionalista escocês, faz ti um democrata. Artigo de Colin Fox, porta-voz do Scottish Socialist Party.

Como se aproximam os sindicatos da independência?

O princípio da devolução e da transferência de controlo para Edimburgo de, entre outras, políticas de transportes, saúde e educação, criou uma nova camada de poder do estado com as quais as secções escocesas dos sindicatos britânicos passaram a ter de negociar, reduzindo a sua dependência nas estruturas mais alargadas, de todo o Reino Unido. Artigo de James Maxwell.

Quem são os donos da Escócia?

John Glen, o diretor executivo de Buccleuch Estates diz que os membros da Scottish and Land Estates “gerem um razoável volume de recursos naturais”. E tem razão: entre eles, os 2.500 membros devem ser proprietários de três quartos do território escocês. Artigo de Peter Geoghegan.

Tariq Ali: "A separação da Escócia desmantela o estado britânico"

Nesta entrevista conduzida por James Foley, o escritor, realizador e editor da New Left Review explica o seu apoio à independência da Escócia e fala das consequências do voto Sim neste referendo.

Ken Loach: Escócia independente poderá ser a "ameaça do bom exemplo"

O cineasta e fundador do partido Left Unity defende que a independência não resolve todos os problemas da Escócia, mas abre a possibilidade de criar uma sociedade mais justa.

O direito a sonhar

Votar Não significa votar sim a um estado para quem a defesa e a política internacional passam por fingir que não fazem parte da Europa. Fingir que vivemos numa espécie de isolamento glorioso com os nossos “amigos” Estados Unidos. Artigo de Jo Clifford.

O Modelo Nórdico

Na sequência da carta aberta de 17 escritores e jornalistas escandinavos que apoiam a campanha do SIM, Pete Ramand e James Foley, cofundadores da Campanha Radical pela Independência e autores de Yes: The Radical Case for Independence, defendem a tese de que uma Escócia Independente deveria abandonar o capitalismo Anglo-Americano em favor de uma social democracia Nórdica.

Um salva-vidas para as pessoas com deficiência que se afundam neste mar de cortes orçamentais

O Livro Branco sobre a independência lançado pelo Governo promete mudanças no regime de apoios sociais. Ao invés, o Labour só garante que a austeridade e os cortes vão continuar. Artigo de John McArdle.

Votar SIM é a única maneira de salvar da privatização o Serviço Nacional de Saúde

Enquanto o Serviço Nacional de Saúde Inglês está a ser privatizado, o Escocês regressou à filosofia tradicional do serviço unificado e de fundos públicos. Artigo de Philippa Whitford.

A negatividade do SIM

É também enquanto socialista que recuso acreditar que os nossos irmãos e irmãs sejam uma causa perdida. Para mim, um voto SIM soa a desistência e eu acredito que a única forma de ser socialista é manter viva a ideia de que venceremos, num dia distante, talvez, mas venceremos. Artigo de Juan Pablo Lewis Jr.

A Guerra e as Mulheres

A independência é a maior ameaça ao Reino Unido enquanto potência mundial desde a descolonização, fornecendo a uma Escócia independente a oportunidade de adoptar uma política estrangeira independente e justa. Artigo de Cat Boyd e Jenny Morrison.

Imigração na Escócia pós-referendo

A diferença das necessidades demográficas e de migração da Escócia significam que a atual política de imigração do Reino Unido não contemplou as prioridades escocesas no campo da migração. Excerto do Livro Branco do governo escocês, “Scotland’s Future”.

Separando os factos da ficção - o que significa a Grã-Bretanha?

David Cameron e o seu lacaio Michael Gove querem introduzir “Valores Britânicos” na escolas britânicas. Querem ensinar à nossas crianças o que é ‘liberdade’, ‘tolerância’, ‘respeito pelas leis e pelo direito’, ‘crença na responsabilidade pessoal e social’ e ‘respeito pelas instituições britânicas’. Peguemos esta hipocrisia pelos cornos. Artigo de Suki Sangha.

Os planos A, B, C, D, E, F… da moeda Irlandesa desde a independência

Se a libra esterlina passar em 2020 por uma crise como a dos anos 70, o governo da Escócia independente, SNP ou outro qualquer, fará o que fez a Irlanda: vai abandonar a libra esterlina sem hesitar e usar a libra escocesa, mantendo-a dentro dos limites estabelecidos com as moedas dos seus parceiros de mercado, por exemplo, a Zona Euro, os EUA, a Noruega, etc. Artigo de Sean O’Dowd.