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"O grupo Murdoch negoceia poder"
Alguma vez pensou que a sua notícia sobre a violação do voice-mail da menina assassinada Milly Dowler pelo News of the World iria abalar como abalou o império de Murdoch?
Não. Eu trabalhei nisto mais de três anos, a juntar o fio à meada muito lentamente. Acho que fiz 75 notícias sobre o assunto. A da Milly Dowler tinha um poder sensacional. Quando a acabei percebi que era a mais forte de todas as que já publicáramos. Mas nunca previ esta fantástica reacção em cadeia de emoções que se abateu sobre todo o entorno de Murdoch. E foi tudo tão rápido: em apenas três dias chegou ao ponto em que já ninguém queria ser visto como aliado de Murdoch. Isto é uma coisa muito importante neste país, porque durante anos tivemos o contrário, ninguém podia era ser visto como inimigo de Murdoch. (…)
O governo, a polícia e os outros jornais andaram durante anos em pontas de pés à volta de Murdoch, assustados em dizer alguma coisa contra ele. E esta história em concreto sobre uma menina de 13 anos, ao fim duma longa sequência de notícias, conseguiu romper e mudar toda a dinâmica.
Também houve mudanças em relação ao passado na forma como os deputados tratam o império Murdoch agora?
Nos últimos dois ou três anos, enquanto andámos em busca desta notícia das escutas ilegais, houve no máximo quatro deputados que estavam dispostos a falar sobre ela. Isto num total de 630. Dou-lhe um exemplo: Chris Bryant. Em Março de 2003, era membro duma dessas comissões parlamentares e tinha à sua frente, como testemunhas, Rebekah Brooks, então editora do Sun após ter saído do News of the World, e Andy Coulson, amigo e colega de edição dela, que é o tipo que foi trabalhar para o David Cameron. Nesse dia, Bryant fez uma pergunta corajosa a Rebekah: "Alguma vez pagou à polícia em troca de informações?". E ela, sem prever o impacto da resposta, disse "Sim, já pagámos à polícia no passado". Ora, isto era explosivo. Não é normal uma pessoa admitir ter pago subornos à polícia. Isto foi em Março.
Em Dezembro de 2003, a imprensa de Murdoch denunciou Chris Bryant. E acusaram-no daquilo que na sua medonha estrutura moral é um crime: ser gay. E publicaram uma fotografia dele, vestido com um par de cuecas minúsculo. Fizeram isso para humilhar aquele homem, aquele político, aquele político eleito, para o castigar por se ter atrevido a fazer uma pergunta difícil e provocar uma resposta difícil. E aqui está uma pequena razão para que o resto dos 630 deputados eleitos tenham ficado em silêncio, como a polícia e os outros jornais. A organização Murdoch negoceia poder. E parte desse poder é o de amedrontar as pessoas.
Você conheceu Sean Hoare [o ex-jornalista do News of the World agora encontrado morto em casa e que foi uma das principais fontes a denunciar o escândalo]. O que pode dizer sobre o que aconteceu? Acha que a morte foi suspeita?
Antes de mais, sempre houve uma rede submersa de antigos jornalistas do News of the World que me ajudaram a mim e a outras pessoas no Guardian e do New York Times. A diferença é que o Sean foi o primeiro a vir contar tudo. E mostrou grande coragem ao fazê-lo, por causa da intimidação usada pelo grupo Murdoch. Se és um jornalista e vens cá para fora falar contra esta organização, perdes qualquer possibilidade de arranjar emprego no maior grupo de média do país. (…)
A menos que alguém arranje provas em contrário, a triste realidade é que o Sean, que era muitos anos mais novo que eu, morreu porque o seu corpo estava desfeito pelo álcool, a cocaína e a ketamina. E a razão que explica porque é que ele consumia tanto é que durante muito tempo os jornais de Murdoch lhe pagaram para o fazer. O que ele me disse foi "Eu era pago para sair e drogar-me com as estrelas rock". E enquanto correspondente no mundo do espectáculo, saía com uma data de estrelas muito famosas e ingeria enormes quantidades de drogas e álcool. (…) Ele ficou muito, muito doente, com o fígado num estado terrível. Até me dizia "O meu fígado está tão mal que os médicos dizem que já devia estar morto".
Uma das coisas mais chocantes no depoimento de Sir Paul Stephenson [o chefe da Scotland Yard que se demitiu] aos deputados foi sabermos que 10 das 45 pessoas que trabalham no gabinete de imprensa da Scotland Yard já tinham trabalhado no News of the World. O que lhe parece esta relação incestuosa entre a Scotland Yard e as empresas da News Corporation na Inglaterra?
Bom, se olharmos para o contexto vemos que neste país a prática corrente desde há algumas décadas tem sido esta: não podemos gerir um governo ou uma polícia sem termos uma relação próxima e amigável com a organização de Murdoch. Há todos os tipos de ligações entre a Scotland Yard - a maior força policial do país - e a News International, dona dos jornais de Murdoch no país. O facto de ex-jornalistas estarem a ser contratados pelo seu gabinete de imprensa é apenas uma parte desse retrato.
A ordem é esta: temos os jornalistas do News of the World por aí a violarem a lei por rotina sem que nada lhes aconteça. Mas de repente cometem um erro terrível: entram no voice mail do único grupo de pessoas com mais prestígio e poder que os Murdochs - a família real. Foram apanhados a entrar no telemóvel do príncipe William. Finalmente, a polícia tem de aparecer e fazer alguma coisa, como é suposto. Mas aí, quando a polícia pode recolher provas para demonstrar a extensão dos crimes cometidos pela gente do Murdoch, escolhem não o fazer. Fizeram um bocado do trabalho no que respeita à família real enquanto vítima: mandaram o correspondente real do jornal para a prisão; mandaram o detective para a prisão. Mas o resto das provas recolhidas durante esse inquérito não foram investigadas como deve ser, uma vez que não queriam entrar em guerra com uma organização tão poderosa. E aqui vemos a gravidade deste assunto: eles foram isentos da aplicação da lei porque são poderosos. Isto está muito, muito errado. (…)
Qual será o impacto político disto no primeiro-ministro David Cameron?
Até agora, o panorama ainda é um bocado cinzento, mas o caso está claramente a prejudicá-lo politicamente. Irá a história atingir o ponto em que ele é obrigado a sair? Nunca pensei que isso pudesse acontecer, mas a temperatura está a subir. Há uma notícia nova sobre a maneira como Cameron, enquanto primeiro-ministro, contratou Andy Coulson, ex-News of the World, para seu assessor de imprensa sem lhe dar o nível alto de acesso a documentos. Isto é muito esquisito, porque a rotina não é essa: se vais ter acesso ao gabinete do PM, ver os documentos mais secretos, estar nas reuniões mais confidenciais, tens de ter o nível máximo de acesso. Mas para ele pediram só um nível médio. Para quê? Começa a parecer que alguém tomou a decisão de não olhar muito para o passado dele, para evitar que aparecesse uma razão que impedisse a sua contratação. E aí percebe-se que a razão da sua contratação é ter ao seu lado o grupo Murdoch. Caso contrário, não conseguem gerir o país. Portanto, se podemos ter um homem do Murdoch no gabinete, isso estabelece a ligação. Mas ainda não chegámos lá. Não temos neste momento nenhuma prova que pudesse forçar o PM a sair do cargo.
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