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O assassínio de Rabbani evidencia as contradições

Ex-presidente encabeçava uma comissão de paz com os taliban, tinha boas relações com o Irão e à opunha-se à presença dos Estados Unidos e da Nato no Afeganistão, culpnado-as pela turbulência no país. Por Juan Cole
Rabbani: mais um sinal de que as coisas vão muito mal no Afeganistão para os EUA. Foto de isafmedia

O assassínio de Burhan al-Din Rabbani, no dia 20 de Setembro, foi mais um sinal de que as coisas vão muito mal no Afeganistão. Rabbani, antigo presidente do Afeganistão (1992-1996) com quem era impossível trabalhar e que, por isso, foi afastado após o derrube do regime Taliban, (contra o qual lutou) em 2001. No entanto, tinha sido recentemente readmitido pelo presidente Hamid Karzai para encabeçar uma comissão de paz na tentativa de iniciar conversações com os Taliban e outras forças insurgentes contra o governo de Karzai. Por causa das suas credenciais muçulmanas fundamentalistas, Rabbani era a pessoa indicada para o trabalho, embora a Aliança do Norte que ele representava tenha resistido a qualquer acordo de paz com os Taliban. Por isso os radicais opositores às negociações queriam vê-lo eliminado.

Na semana passada, Rabbani estava no Irão para uma conferência destinada a interpretar a Primavera Árabe como um despertar Islâmico, dirigida pelo Líder Supremo do Irão, Ali Khamenei. Enquanto lá esteve, Rabbani reafirmou os estreitos laços entre Cabul e Teerão (uma posição muitas vezes tomada pelos sunitas Tajiques e pelos xiitas hazara, mas frequentemente rejeitada pelos extremistas sunitas Pashtun, tais como os Taliban, que estão mais próximos do Paquistão).

Rabbani opôs-se à presença dos Estados Unidos e da Nato no Afeganistão e culpou-a pela turbulência no país.

O assassínio vem na sequência de um ataque vergonhoso à área envolvente da embaixada em Cabul na semana passada, alegadamente pela rede Haqqani, com base no Waziristão do Norte, Paquistão. Os Estados Unidos parecem ter informações secretas visando este último e reagiram com raiva, dizendo que os Serviços Secretos do Paquistão estão activamente aliados com os Haqqani e que os usam para ganhar influência no sul do Afeganistão.

Agora, os Estados Unidos dizem que o Paquistão se deve insurgir contra a rede Haqqani, e que, se Islamabad não o fizer, Washington irá atacar unilateralmente. Esta ameaça produziu indignação no Paquistão e piorou as relações entre os Estados Unidos e o Paquistão, já fragilizadas na sequência da descoberta de Osama Bin Laden perto de um complexo militar em Abottabad, no Paquistão.

No caso de se provar que a rede Haqqani está por detrás deste assassinato, conforme alguns analistas sugerem, a intenção de os Estados Unidos agirem unilateralmente irá ser reforçada. A tentativa de Rabbani negociar com os Taliban foi um dos poucos jogos finais plausíveis para o governo de Karzai e para os Estados Unidos no Afeganistão. Os que desejam mais a vitória dos Taliban (ou a vitória conjunta ISI/Haqqani) no Afeganistão do que um acordo, devem ter-se sentido ameaçados pelas conversações de paz de Rabbani.

Rabbani foi um ícone na viragem do Afeganistão em relação às políticas muçulmanas desde a década de 1960. Oriundo de uma língua persa dari (ou seja tajique), Rabbani tornou-se o líder de Jami’at-i Islami, o ramo afegão da Irmandade Muçulmana. Tendo estudado no Egipto, traduziu para persa Sayid Qutb, o Egípcio radical que inspirou a Al-Qaeda. O grupo de Rabbani lutou contra o governo comunista afegão de 1978-1992, como parte dos Mujahidin, a quem Ronald Reagan apelidou de “combatentes da liberdade”, o equivalente aos pais fundadores dos Estados Unidos da América.

No final desse período, os Mujahidin tomaram Cabul e Rabbani tornou-se presidente de um estado faccioso que se deteriorou numa ditadura de guerreiros. Rabbani fez um acordo com o seu rival Gulbadin Hikmatyar (um fundamentalista corrupto de extrema-direita) pelo qual este último seria vice-presidente. Contudo, acabaram por se desentender, e as forças de ambos combateram entre si de maneira tão feroz em Cabul, em 1995 que destruíram muito do seu próprio capital e mataram cerca de 17 mil pessoas. Foi um dos principais pontos baixos do Afeganistão moderno, e que abriu o caminho para que os Taliban chegassem ao poder, já que os afegãos estavam cansados dos combates facciosos dos senhores da guerra.

É irónico que os Taliban, que não o conseguiram matar quando ele fazia parte da Aliança do Norte, opositora à sua conquista do nordeste do país em 1996-2001, o tenham finalmente apanhado quando tentava desempenhar um papel muito diferente, o de agente da paz. Afinal, no Afeganistão, os senhores da guerra são muitos. Mas alguém que tente trazer a paz e reduzir a polarização – isso é muito perigoso para os aspirantes a revolucionários que, em vez disso, pretendem evidenciar contradições.

21/9/2011

http://www.juancole.com/2011/09/rabbanis-assassination-sharpens-afghanistan-contradictions.html

Tradução de Noémia Oliveira para o Esquerda.net

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