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Notas sobre o Cinema no Porto (1896-1974)
A História do Cinema Português passa obrigatoriamente pelo Porto. Por várias razões. Aqui se começou a fazer cinema. Aqui se levou a cabo a primeira experiência de uma produção que se pretendeu de escala semelhante à de alguns dos principais estúdios europeus dos anos 20. Aqui se fizeram obras marcantes da cinematografia nacional. Aqui nasceram salas de cinema que viriam a constituir-se como património e imaginário da cidade. Por aqui passaram, viveram e trabalharam grandes cineastas. E porque aqui se viu nascer e consolidar um espírito rebelde, o qual, associando a cinéfilia à intervenção cidadã, não só contribuiu para a resistência à ditadura do Estado Novo, mas também permitiu a participação criativa na busca de novos rumos para o cinema português. O que aqui se propõe é uma viagem breve em torno de episódios do Cinema no Porto até ao ano libertador de 1974. Sem nostalgia e sem condescendência. Mas com a convicção de que toda a memória pode ter um sentido prospectivo.
Paz dos Reis, o primeiro cineasta português
Num dia de Setembrode 1896, na Rua de Santa Catarina, no Porto, assiste-se a algo de invulgar. Um homem alto, pela aparência identificado com a burguesia da cidade, afadiga-se em torno de uma caixa de madeira envernizada apoiada num tripé em tudo idêntico ao utilizado pelos fotógrafos profissionais. Diante dele, a porta principal da Camisaria Confiança. À hora do almoço, operários, homens e mulheres, começam a sair. O homem imprime então um movimento de rotação tão uniforme quanto possível a uma manivela destacada do corpo da caixa.
Não sabemos se assim foi exactamente. Paz dos Reis poder-se-ia ter feito acompanhar por um familiar e fotógrafo profissional, Magalhães Bastos, e ter sido este a manivelar o filme. Admite-se, até, ter havido outros, antes dele, a interessarem-se pelo cinematógrafo, do qual, aliás, os portugueses já tinham conhecimento através de Erwin Rousby. Seja como for, deixando de lado as questões de pormenor, quem por ali passava na Rua de Santa Catarina acabava de assistir ao nascimento do cinema português.
Tanto quanto se conhece o nosso primeiro cineasta era um espírito atento à modernidade no contexto singular da sociedade portuense de tradição liberal e individualista. Terá pertencido à Maçonaria, em cujas lojas se encontrava a maioria dos mais destacados republicanos da época. Em plena crise da monarquia constitucional, foi preso após a revolta de 31 de Janeiro de 1891, mas deverá ter sido absolvido visto o seu nome não constar da lista de condenações do Conselho de Guerra de Matosinhos, onde os conjurados foram presentes. A sua notoriedade social permitiu-lhe ocupar os cargos de vereador e de vice-presidente da Câmara do Senado do município, bem como a presidência do prestigiado Ateneu Comercial do Porto.
Homem de múltiplos interesses, Paz dos Reis, a par da sua actividade comercial num estabelecimento chamado Flora Portuense situado na Praça de D. Pedro, mais tarde designada Praça da Liberdade, foi um excelente fotógrafo premiado, por diversas vezes, em Portugal e no estrangeiro. São da sua autoria algumas das imagens mais impressivas das movimentações republicanas no Porto. Igualmente da sua autoria, ficou célebre uma série de postais denominada Artistas Portugueses com retratos de actores célebres à época. E não se coibiu de experimentar a fotografia estereoscópica, produzindo um número significativo de duplos clichés indispensáveis à obtenção dos efeitos de relevo pretendidos.
Contemporâneo de Louis e Auguste Lumière, Paz dos Reis mostrou a Saída do Pessoal Operário da Camisaria Confiança a 12 de Dezembro de 1896 numa sessão no Palácio do Príncipe Real – mais tarde, Teatro Sá da Bandeira – da qual constavam igualmente outros filmes da sua autoria. O Jornal de Notícias desse dia anunciava a exibição de “12 perfeitíssimos quadros, sete nacionais e cinco estrangeiros”. Os quadros portugueses, além do já mencionado, eram O Jogo do Pau, Chegada de um Comboio Americano a Cadouços, O Zé Pereira nas Romarias do Minho, A Feira de São Bento, A Rua do Ouro e Marinha. Exibidos durante o intervalo de uma zarzuela, muito do agrado do público da época, os quadros tiveram maior êxito do que o até então obtido pelas vistas estrangeiras pela simples razão de darem vida a temas portugueses com os quais o público estava familiarizado.
Este tipo de reportagens ou filmes documentais – cujos autores, de um modo geral, permanecem no anonimato – seria a imagem quase exclusiva do cinema português do final do século XIX e do início do século XX. Quer no Porto quer em Lisboa. No Porto, a exibição dos filmes dos primeiros tempos tinha lugar de destaque no salão High Life, fundado em 1906 por António Esteves e Edmond Pascaud. Quanto a Paz dos Reis, que fez centenas de pequenos filmes sobre o quotidiano, na sua esmagadora maioria perdidos ou destruídos, e que chegou a tentar estender a sua produção ao Brasil, foi não apenas o nosso primeiro cineasta, mas também o nosso primeiro repórter de imagens em movimento.
A Invicta Filme
A experiência da Invicta Filme, empresa com estúdios no Porto, corresponde ao primeiro grande ciclo do cinema português, o qual está, por sua vez, associado à tentativa de levar a cabo uma produção nacional à escala europeia. Entre 1910 e 1925 produziu mais de uma centena de filmes documentais de apreciável duração, o que contribuiu para a formação de uma corrente de opinião segundo a qual aquilo que de mais interessante se fez, embora sem grande ousadia formal, e pelo menos até 1918, terá sido, justamente, nessa área.. A partir desta data, porém, o prestígio que a empresa viria a conhecer ficou a dever-se aos seus filmes de enredo.
Alfredo Nunes de Matos, gerente do Jardim Passos Manuel, sala inaugurada em 1908 por onde passava grande parte do cinema visto na cidade, foi a figura central deste ciclo do Porto. Em 1910, ano da implantação da República, começou a produzir reportagens cinematográficas, sobretudo no norte do país, fazendo simultaneamente pequenos filmes publicitários de encomenda. A Invicta Filme – a primeira designação da empresa, então de modestas proporções, foi Nunes de Matos & Cia – contratou talentosos operadores como Manuel Cardoso e Thomas Mary Rosell e filmou milhares de metros de película cujos princípios orientadores eram a fidelidade à temática portuguesa e a urgência, à qual o jornalismo viria a chamar imediatismo, de dar a ver o que de mais importante se passava. Desse modo, Nunes de Matos conseguiu não apenas agradar a um público vasto, mas também interessar os jornais de actualidades da Pathé e da Gaumont, em França, dos quais se tornou correspondente.
Há numerosos títulos produzidos nessa primeira fase. Seguem-se alguns exemplos. Em 1911 fizeram-se as Festas de Aniversário da República,. No ano seguinte, Visita ao Porto do Presidente da República. Com o estalar da I Guerra Mundial, numa altura em que se começava a discutir de forma virulenta se o País devia ou não entrar no conflito – uma polémica na qual se envolveram monárquicos e republicanos, por um lado, e republicanos entre si, por outro – a Invicta produziu, nomeadamente, O Embarque das Tropas Expedicionárias para Angola e Moçambique, Exercícios de Artilharia, Grandes Manobras de Tancos, todos sobre a preparação para a entrada na guerra, bem como Revolução em Lisboa e Chaves-Incursões Monárquicas. Para além, naturalmente, da produção das habituais vistas e panoramas sobre os temas mais diversos como feiras e romarias, actividades profissionais, curiosidades de índole local e os inevitáveis filmes monográficos sobre vilas e cidades de Portugal.
De toda a produção anterior a 1917 cumpre destacar O Naufrágio do Veronese, um navio italiano que se afundou ao largo de Leixões em 10 de Fevereiro de 1913. Denotando sentido de oportunidade, a Invicta produziu uma grande reportagem de 300 metros, da qual foram vendidas, só para a Europa, mais de uma centena de cópias.
1917 é, aliás, determinante. É o ano da primeira conferência sobre cinema realizada em Portugal animada por António Ferro, mais tarde o homem forte de Salazar para a propaganda. Ligado ao movimento futurista foi – a par do desenhador Stuart Carvalhais, do crítico de arte Reis Santos, do então estudante de arquitectura Cottinelli Telmo e do jornalista Leitão de Barros – um dos primeiros intelectuais portugueses a ser conquistado pelo cinema. Multiplicaram-se as salas de cinema. No Porto, a empresa Esteves & Pascaud inaugurou o salão Jardim Trindade com mais de 1100 lugares e com um terraço para cinema ao ar livre.
Nesta conjuntura, a Invicta Filme mudou de rumo. A 22 de Novembro de 1917 foi fundada uma nova sociedade tendo como administrador principal Nunes de Matos e como director artístico Henrique Alegria, um português do Brasil e proprietário do cinema Olímpia. Nos seus estatutos não havia quaisquer referências de índole cultural ou artística. Tratava-se, como neles se pode ler, de “promover o fabrico, aluguer e venda de películas cinematográficas”.
Os associados da Invicta Filme eram portuenses e estavam ligados à banca, ao comércio e a diversas profissões liberais. Mas estavam também profundamente ligados à cidade do Porto, tendo inclusivamente recusado facilidades para a construção dos estúdios em Lisboa. O próprio nome da empresa é revelador: o Porto, que tem participação decisiva em episódios centrais da História de Portugal, é a cidade Invicta por ter resistido às invasões francesas e aos exércitos absolutistas de D. Miguel.
Que dizer sobre os filmes de enredo desta empresa cuja produção mais significativa principia em 1919 e vai até 1923? Pois, tratando-se de uma empresa comercial, procurou sempre apostar em projectos com garantia de retorno dos investimentos realizados. Nunca se evidenciou, porém, pelo arrojo estético. Georges Pallu, por exemplo, viera do Film d’Art francês e, como assinala João Bénard da Costa, por aí se situariam as melhores expectativas cinéfilas dos seus associados.
Contudo, alguns dos filmes produzidos não só tiveram sucesso, mas também representaram um salto em relação ao que até então se fizera. Estão neste caso fitas de Georges Pallu como Os Fidalgos da Casa Mourisca (1920) e Amor de Perdição (1921), adaptações, respectivamente, de Júlio Dinis e de Camilo Castelo Branco, e Mulheres da Beira (1923) do realizador italiano Rini Lupo. Escreveu Luís de Pina (1978):
“O papel mais relevante desta empresa foi o de ter demonstrado a possibilidade de um cinema de qualidade ‘média’ feito sem demasiada transigência e com evidente preocupação técnica. Nas suas instalações da Quinta da Prelada, no Porto, fez-se cinema a sério com tudo o que isso implica, desde os filmes em si à infraestrutura que os produz e à verdadeira escola de prática que uma produção deste tipo permite.”
O Ciclo do Porto
O caso da Invicta Filme permite algumas considerações.
Em primeiro lugar, deve sublinhar-se a viragem que operou do até então eixo dominante da maioria dos filmes feitos em Portugal, as vistas panorâmicas e as reportagens, para o domínio do romanesco.
Em segundo lugar, ao pretender organizar a produção em bases industriais, a companhia recusou a improvisação, não hesitando em ir buscar técnicos qualificados onde sabia poder encontrá-los no estrangeiro, de modo a assegurar os saberes indispensáveis à viabilização dos seus projectos. Para além de Thomas Mary Rosell, no nosso País já há bastante tempo, a empresa contratou, numa primeira fase, o já citado Georges Pallu, André Lecointe, Albert Durot, George Coutable e Valentine Coutable respectivamente, realizador, cenografista, operador de câmara, chefe de laboratório e montadora de filmes. Mais tarde, outros viriam contribuindo, desse modo, para formar gente do cinema.
Finalmente, a Invicta Film compreendeu a importância do genuinamente português para efeito da criação de públicos. Fez mais português para ser mais europeu, antecipando, de algum modo, linhas estratégicas de políticas posteriores para o cinema e audiovisual, como seja valorizar o local e o regional como base do universal.
Entre 1818 e 1925, fosse através da Invicta, da Caldevilla Filme, fundada em 1920, ou da Fortuna Filme, criada em 1922, fizeram-se no Porto 25 longas metragens de ficção, um número interessante mesmo quando comparado com a produção europeia da época. Afirma Bénard da Costa (1982):
“Para lá da surpreendente quantidade (...) o que mais se impõe é a relativa unidade dessa produção, que permite, sem exagero, que se possa falar de um Ciclo do Porto, encontrando-se nele, de obra para obra, características comuns, mau grado as diversas personalidades dos realizadores que as assinam.”
Todos os géneros de que o cinema português viria a ocupar-se mais tarde encontram-se já neste Ciclo do Porto, excepção feita à comédia populista, cujo período áureo havia de prolongar-se pelos anos 30 e 40. Infelizmente, a partir de meados de 1922, a Invicta Filme começou a sentir dificuldades financeiras, para as quais, apesar de diversas tentativas, não encontrou soluções. Até nessa matéria foi pioneira, embora pelas piores razões, pois teve de enfrentar problemas semelhantes aos que ainda hoje se colocam à maioria dos filmes portugueses. Em competição com estruturas capitalistas poderosas à escala global, foi sendo cada vez mais difícil encontrar uma distribuição adequada às exigências de comercialização dos seus filmes.
Em 1924, fez a sua última produção, um documentário intitulado III Exposição Internacional de Automóveis, Aviação e Sport. Os seus estúdios reabriram, ainda, uma ou outra vez, a título de aluguer, como aconteceu no caso dos filmes de Reinaldo Ferreira, um jornalista famoso pelas suas reportagens sensacionalistas que marcaram uma fase do jornalismo português e que eram assinadas com o pseudónimo de Repórter X, mas tudo isso mais não foi do que o último assomo de um penoso estertor.
Em Junho de 1931 fechou as portas definitivamente. Nesse ano, morreu Aurélio da Paz dos Reis e Manoel de Oliveira estreou Douro, Faina Fluvial, considerado um dos mais notáveis documentários portugueses de todos os tempos.
Douro Faina Fluvial e as revistas de cinema
Só que aquando desta estreia os tempos tinham mudado. Vale a pena recordar o que aconteceu após a projecção do filme no Salão Foz, em Lisboa, no decorrer do Congresso Internacional da Crítica, através das palavras de Henrique Alves Costa:
“Esta ante-estreia foi um escândalo. Perante a surpresa dos congressistas estrangeiros, os espectadores portugueses, na sua maioria, vaiaram ruidosamente o filme. O tema, o ritmo, a montagem rápida de algumas sequências, irritaram o público (em grande parte selecto e burro). A projecção foi sublinhada com constantes assobios e terminou com uma estrondosa pateada. Ao intervalo e, ainda, já terminado o espectáculo, muitos espectadores e alguns dos críticos (!?) portugueses ferviam de indignação: ‘um sem jeito aquelas imagens vertiginosas! uma vergonha mostrar a estrangeiros aquelas mulheres enfarruscadas, com carretos de carvão à cabeça, de pé descalço... aquelas nojentas vielas do Porto... aqueles prédios leprosos do Barrêdo.’
Depois da pateada de 1931, apesar dos elogios da crítica estrangeira e de alguns dos mais destacados intelectuais portugueses, como José Régio e Adolfo Casais Monteiro, Douro, Faina Fluvial só viria a ser reposto em sala em 1934, no Teatro de São João do Porto, como complemento do filme Gado Bravo, de António Lopes Ribeiro.
Pelas citações que faz de outros autores Douro, Faina Fluvial demonstra que o melhor cinema estrangeiro era do perfeito conhecimento do seu autor. Não surpreende. Os grandes filmes internacionais passavam nas salas do Porto e havia revistas especializadas – quer antes quer depois do golpe militar de Gomes da Costa de 28 de Maio de 1926 – que iam ao encontro de um gosto cinéfilo cada vez mais alargado. Vejamos dois exemplos.
O Porto Cinematográfico, fundado em 1919 por Alberto Armando só viria a extinguir-se em 1925. Em 1923, acompanhando de perto a actividade da Invicta Filme, Roberto Lino fundou a Invicta Cine, a qual foi publicada regularmente até 1936. Qualquer das revistas investiu no apoio ao cinema português, sem perder de vista aquilo que ia pelo mundo e dedicando parte do seu espaço à crítica.
A Invicta Cine envolveu-se na polémica que envolveu o advento do som assumindo um papel pioneiro em sua defesa. Foi devido ao entusiasmo de alguns dos seus responsáveis que se criou no Porto a primeira associação cinematográfica, embrião do futuro movimento cineclubista. Essa Associação dos Amigos do Cinema, fundada em 1924, apesar de relativamente limitada na acção que desenvolveu, propunha-se “defender o cinema nacional, moralizar o cinema por meio da palavra escrita ou falada, fomentar o entusiasmo pela Arte do Silêncio e produzir películas logo que a situação financeira o permitisse”.
O movimento cineclubista
O movimento cineclubista ganhou peso a partir do final dos anos 50 e viria a estar ligado à luta política de resistência à ditadura. Foi pujante nos anos 60 e continuou forte até ao final do Estado Novo. Desde o encerramento da Invicta Filme e até essa altura, a produção cinematográfica foi praticamente residual no Porto. Ainda assim houve excepções relevantes pela excelência dos resultados alcançados. As mais notáveis são dois filmes de Oliveira Aniki-Bóbó (1941) – uma obra fundamental hoje indissociável do imaginário do Porto – e O Pintor e a Cidade (1956), uma curta-metragem de cunho documental que tem como ponto de partida as aguarelas de um artista muito conhecido, António Cruz, porventura o maior aguarelista português. Em qualquer dos filmes, o Porto tem uma presença singularíssima proporcionada através do olhar do cineasta como, aliás, acontecera já com Douro, Faina Fluvial.
Episodicamente, um ou outro realizador filmou no Porto, mas sem que isso correspondesse a algum interesse inovador. Manuel Guimarães, porém, com a Costureirinha da Sé (1958), inteiramente filmado na cidade, embora seguindo a fórmula então em voga das operetas que serviam para fazer aparecer na tela os cançonetistas mais populares, conseguiu fazer passar um retrato sociológico da população da sua zona histórica.
Nos anos 60, o Cineclube do Porto, que contava com figuras como António Reis, através da sua Secção de Cinema Experimental, começou também a produzir filmes. Lopes Fernandes filmou o Auto de Floripes (1960), um ritual popular da aldeia das Neves, em Viana do Castelo, mas, de um modo geral, essa produção não deu lugar a obras relevantes apesar do valor que lhes possa ser atribuído enquanto documentos.
Em contrapartida, Manoel de Oliveira fez a partir do Porto mais três curtas-metragens que são outras tantas obras-primas. O Acto da Primavera (1962), eventualmente inspirado no filme de Lopes Fernandes, que foi seu assistente neste filme, A Caça (1963) e as As Pinturas do Meu Irmão Júlio (1965).
Nesta altura, o Cineclube do Porto era já o mais importante do País, sendo Henrique Alves Costa a sua figura mais destacada. Foi ele um dos principais artífices, em 1967, da Semana do Novo Cinema Português, evento que contou com a presença da maioria dos jovens realizadores da altura e cujas conclusões viriam a ter uma importância decisiva num novo ciclo do cinema português, agora com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, que iria prolongar-se praticamente até ao fim do Estado Novo.
Durante este período, as sessões duplas do Cineclube do Porto esgotavam a lotação das salas, nomeadamente o Cinema Batalha – inaugurado em 1947 – com os seus cerca de 1.000 lugares. Outros cinemas históricos da cidade, como o São João, o Coliseu, o Trindade, o Carlos Alberto, o Olímpia e o Águia d’Ouro exibiam filmes produzidos sobretudo na Europa e nos Estados Unidos. Havia o grande público que tinha o hábito de ir ao cinema – apesar do impacto da televisão. Mas havia também um público cinéfilo mais ligado à política dos autores que gostava de olhar e pensar o cinema de outro modo.
Claro que, mesmo após a chamada primavera marcelista, nem todos os filmes chegavam a Portugal. E os que chegavam eram frequentemente retalhados ao ponto de, por vezes, se tornarem incompreensíveis. Omnipresente, na maioria dos casos segundo critérios que só os seus agentes entenderiam, a censura decidia sobre o que podia ou não ser dado a ver. Mas nem por isso o cinema deixou de dizer o que era preciso dizer. Tal como hoje, 40 volvidos sobre a Revolução de Abril, quando tanta coisa mudou e tanta mais é urgente mudar.
Bibliografia
Alves Costa, Henrique– Breve história do cinema português – 1896-1962, Biblioteca Breve, Instituto de Cultura Portuguesa, Ministério da Educação e da Investigação Científica, Lisboa, 1978.
Andrade, Sérgio C. – O Porto na História do Cinema, Porto Editora/ Porto 2001, 2002.
Bénard da Costa, João – Histórias do Cinema, Imprensa Nacional - Casa da Moeda. Lisboa,1982.
Félix Ribeiro, M. – Filmes, Figuras e Factos da História do Cinema Português 1896 -1949, Cinemateca Nacional, Lisboa, 1983.
Pina, Luís de – Panorama do Cinema Português - das origens à actualidade, Ed. Terra Livre, Lisboa, 1978.
Podes consultar o programa de todas as sessões de cinema aqui.
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