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Kaczynski e Kaczynski: do cinema ao poder
"Os políticos são todos iguais", diz o povo. O ditado assenta que nem uma luva ao Presidente e ao primeiro-ministro da Polónia. Além do mesmo apelido, Lech e Jaroslaw Kaczynski têm muito (quase tudo) em comum: gémeos idênticos, praticamente impossíveis de distinguir à primeira vista, são vistos pelos analistas como "o par mais bizarro da política europeia", com um percurso profissional e político demasiado semelhante e com os mesmos ideais conservadores, católicos, ultra-nacionalistas, homofóbicos e intolerantes de que são acusados.
Por Bárbara Silva, publicado originalmente no Diário Económico
Os gémeos Kaczynski (Lech e Jaroslaw), ficaram famosos na Polónia nos anos 60, quando entraram num filme como actores. Hoje, aos 57 anos, ocupam os dois cargos políticos de maior destaque no país: presidente e primeiro-ministro. Quase impossíveis de distinguir à primeira vista, Jaroslaw (mais velho e líder) e Lech (submisso) evitam aparecer juntos em público para não correrem o risco de serem confundidos.
Nascidos em Varsóvia, a 18 de Junho de 1949, numa capital polaca reduzida a cinzas pela Segunda Guerra Mundial e tomada pelo regime comunista à imagem da antiga União Soviética, os gémeos são filhos de Rajmund e Jadwiga Kaczynski, um engenheiro que combateu o regime nazi e participou na insurreição de Varsóvia, em 1944, e uma professora de Literatura. Lech e Jaroslaw foram educados pelos pais para desconfiarem sempre dos alemães e dos russos - a História assim o aconselhava -, o que resultou na actual atitude de "frieza" em relação às vizinhas Alemanha e Rússia.
Aos 12 anos, os gémeos Kaczynski saltaram pela primeira vez para as luzes da ribalta ao protagonizarem o filme de produção nacional (amplamente difundido pelo regime comunista) "Os Rapazes que Roubaram a Lua", no papel dos irmãos Jacek e Placek. Na altura, o cabelo louro e os rostos angelicais dos jovens actores enterneceram a Polónia, levando o filme a ser considerado como um dos maiores tesouros do cinema polaco do século XX.
Na escola, os gémeos confundiam professores e colegas fazendo-se passar um pelo outro: Jaroslaw substituía Lech nos exames de Ciências e o irmão retribuía o favor quando a matéria era Língua e Literatura. Logo na adolescência, os papéis ficaram bem definidos na relação entre os dois irmãos: 45 minutos mais velho, Jaroslaw sempre foi o líder, o estratega, aquele que tem as ideias, enquanto Lech é o executante, mais submisso. Como acontece com quase todos os gémeos, os irmãos Kaczynski têm uma relação telepática, terminando as frases um do outro e adivinhando quando o outro vai telefonar.
"Não escondo que sou muito próximo do meu irmão. Em 90% das situações, é ele que tem as ideias e eu executo-as", confessou Lech Kaczynski, citado pelo "Washington Post".
Ainda hoje, é muito complicado distinguir os dois políticos. Os mais atentos notam que Lech tem um sinal bem visível na bochecha e outro no nariz. Além disso, o presidente usa aliança, sinal do seu casamento com a primeira-dama Maria Kaczynski (de quem tem uma filha de 27 anos, Marta). Por seu lado, Jaroslaw (que nos anos 80 deixou crescer um bigode que permitia reconhecê-lo automaticamente) é identificado pelos pêlos que invariavelmente lhe sujam as calças, resultado da sua condição de solteiro que ainda vive com a mãe, dona de vários gatos que tem em casa.
A escolha da formação académica também foi partilhada: ambos estudaram Direito na Universidade de Varsóvia. A participação na vida política começou aí mesmo, nos tempos da faculdade, quando os gémeos se juntaram às fileiras do Comité para a Defesa dos Trabalhadores (KOR), que lutava na clandestinidade contra o regime comunista em vigor na Polónia. Em 1980, os dois assistiram em Gdansk à fundação do Movimento para a Solidariedade, mas só Lech foi preso pela polícia secreta do antigo regime, que não acreditou na existência de um segundo Kaczynski com a mesma data de nascimento. Depois disso, não demorou muito até os dois irmãos (conhecidos como "patos", por causa da sua baixa estatura e aparência física) integrarem o grupo de aliados de Lech Walesa, fundador do movimento Solidariedade e eleito chefe do Estado da Polónia em 1990, depois da queda do regime comunista.
A proximidade de Walesa valeu aos gémeos posições de destaque no novo Governo. No entanto, as ideias radicais sobre a erradicação de tudo o que estivesse relacionado com o comunismo ditou o seu afastamento e a ira de Walesa, que recentemente criticou a táctica dos gémeos Kaczynski. "Nunca gostei das teorias da conspiração deles. Estavam sempre a suspeitar de alguém, sempre envolvidos em intrigas", lembra Walesa.
De ministro da Justiça, entre 2000 e 2001, altura em que se tornou muito popular pela sua luta contra o crime organizado e a corrupção, Lech passou a presidente da Câmara de Varsóvia em 2002, onde tomou a polémica decisão de proibir uma parada de uma organização de defesa dos direitos dos homossexuais. Em 2001, Lech e o irmão Jaroslaw fundaram o Partido da Lei e da Justiça (PiS). A 23 de Outubro de 2005, Lech Kaczynski foi eleito Presidente da Polónia com 54% dos votos.
Enquanto isso, Jaroslaw ocupou o cargo de deputado no parlamento polaco. Nas legislativas de Setembro de 2005, apresentou-se como o candidato a primeiro-ministro pelo Partido da Lei e da Justiça. E, com a maioria dos votos, foi chamado a formar a coligação governamental "Em Defesa da Polónia", com o partido ultra-conservador cristão Liga das Famílias Polacas. Para não prejudicar o irmão nas presidenciais, Jaroslaw abdicou, no entanto do cargo de primeiro-ministro a favor de Kazimierz Macinkiewicz. Meses depois, em Julho de 2006, Macinkiewicz demitiu-se e Jaroslaw acabou por ser nomeado pelo irmão gémeo como primeiro-ministro da Polónia.
Desde então, o país tem estado nas mãos dos dois políticos, que aos 57 anos continuam a evitar aparecer juntos em público para não serem confundidos. No seu discurso inaugural, no Parlamento polaco, Jaroslaw Kaczynski deixou bem claras as suas intenções: eliminar de vez a herança comunista, obrigando todas as pessoas nascidas antes de 1972 a confessarem as suas ligações ao antigo regime; transformar a Polónia num país com "peso político" na União Europeia; ao mesmo tempo, proteger os valores morais e evitar uma liberalização excessiva; diminuir a dependência energética da Polónia face à Rússia; reduzir o défice orçamental e combater o desemprego. "Quero que tenhamos orgulho de ser polacos", disse o primeiro-ministro, que (tal como o irmão) não esconde a formação católica e as posições extremadas em relação a temas polémicos como a liberalização do aborto ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Além de quase nunca aparecerem juntos, os gémeos Kaczynski também não dão entrevistas conjuntas. "As pessoas acham graça ao facto de sermos gémeos, mas os cargos de responsabilidade que ocupamos são uma coisa muito séria", defende Jaroslaw. Lech contrapõe: "O meu irmão não gosta, mas o facto de sermos gémeos atrai mais as atenções para a Polónia e isso é bom".
Bárbara Silva, 12-04-2007
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