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Imigração na Escócia pós-referendo

A diferença das necessidades demográficas e de migração da Escócia significam que a atual política de imigração do Reino Unido não contemplou as prioridades escocesas no campo da migração. Excerto do Livro Branco do governo escocês, “Scotland’s Future”.
Cartaz da campanha do SIM a favor de políticas mais justas de imigração.

As escolhas que se abrem

Uma das maiores vantagens da independência da Escócia será tornarmo-nos responsáveis pela nossa própria política de imigração. Hoje em dia a imigração é matéria reservada, e a política do Governo de Westminster para todo o Reino Unido é fortemente influenciada pelas condições do sudoeste de Inglaterra. Westminster também adoptou uma posição agressiva em relação à imigração, aos refugiados e exilados políticos, culminando com a recente controvérsia sobre as recomendações aos imigrantes para deixarem o Reino Unido e “irem para casa”.

Em matéria de imigração, a Escócia tem necessidades diferentes das do resto do Reino Unido. Um  crescimento saudável da população é importante para a economia escocesa. Uma das maiores contribuições para o crescimento da população tem sido dada pelos imigrantes que escolhem fazer da Escócia a sua casa. No futuro, a nossa estratégia económica de crescimento visará também encorajar os jovens a construir as suas vidas e carreiras dentro da Escócia e atrair pessoas para viverem aqui.

A diferença das necessidades demográficas e de migração da Escócia significam que a atual política de imigração do Reino Unido não contemplou as prioridades escocesas no campo da migração. A presente política de Westminster é fortemente focada na redução do número total de migrantes e na introdução de limites máximos para certas categorias de indivíduos qualificados. Em Abril de 2012, o Governo de Westminster suspendeu os vistos de trabalho pós-estudos, que permitia aos recém graduados trabalhar ou criar um negócio no Reino Unido por 24 meses, mantendo assim graduados qualificados e escolarizados como parte da força de trabalho do Reino Unido. Westminster estabeleceu também limiares de manutenção financeira para a maioria dos migrantes, com um nível padronizado em todo o Reino Unido, independentemente das variações no salário médio. Com a independência, cada uma destas decisões caberá aos governos escoceses, sendo as escolhas políticas feitas com base nas necessidades e prioridades escocesas.

Historicamente, o nível de crescimento da população da Escócia ficou num nível mais baixo comparado com o resto do Reino Unido. As últimas estatísticas sugerem que a força de trabalho na Escócia não crescerá tão rapidamente como a do Reino Unido no seu todo. Todavia, as necessidades da população escocesa são substancialmente diferentes das do resto do Reino Unido e a Escócia tem uma lógica económica clara para o crescimento de nossa população – em especial para a população em idade ativa. O Plano de Estratégia Económica do Governo estabelece um alvo "para coincidir com o crescimento médio da população europeia (UE15) no período de 2007 a 2017, apoiado na crescente esperança de vida na Escócia durante este período.”

As decisões de Westminster sobre imigração não convêm à Escócia e, devido às nossas circunstâncias específicas, encontrar a abordagem correta para a economia e sociedade escocesas é um aspeto muito importante para assegurar a sustentabilidade futura da nação.

Uma Escócia independente, enquanto democracia moderna, irá ao encontro das nossas obrigações internacionais e desempenhará um papel importante a nível mundial. Demonstraremos o nosso respeito pela legislação internacional, pelos direitos humanos e justiça social oferecendo asilo a todos os que procurem um refúgio para perseguições, guerras, desastres naturais ou outras crises relevantes. A Escócia já desempenha o seu papel nos esforços para proporcionar uma casa aos refugiados, enquanto parte do Reino Unido, e continuará fazê-lo como nação independente.

O processo de asilo numa Escócia independente deverá apoiar-se sobretudo em decisões fortes, justas e socialmente responsáveis. Com clara adesão aos direitos humanos, aos princípios de igualdade e ao Estado de Direito.

As nossas prioridades de ação

A imigração desempenhou um importante papel ao longo de toda a história da Escócia, enriquecendo e renovando a nossa cultura e incrementado a economia do país. Daremos as boas-vindas a todos os que quiserem vir trabalhar e viver na Escócia.

Planeamos continuar na presente Zona Comum de Viagem com o resto do Reino Unido e com a Irlanda e assim não serão precisas fronteiras entre uma Escócia independente e a Inglaterra. A Zona Comum de Viagem já permite que existam sistemas diferentes e independentes tanto na Irlanda como no Reino Unido, na Ilha de Man e nas Ilhas do Canal. Esta flexibilidade dentro da Zona Comum de Viagem permitir-nos-à implementar o nosso próprio projeto de uma política de imigração controlada e mais flexível.

Como membro permanente da UE, as fronteiras escocesas permanecerão abertas para os cidadãos da UE no exercício dos direitos conferidos pelos tratados, tal como os cidadãos escoceses são hoje livres de se movimentar através da União Europeia.

Para os não nacionais da UE, a independência vai permitir-nos desenvolver uma política de imigração controlada, transparente e eficaz. Este Governo vai avançar com uma abordagem baseada em pontos como a necessidades específicas dos escoceses. Este sistema vai permitir-nos ir ao encontro das necessidades da sociedade escocesa com maior flexibilidade, por exemplo, providenciando incentivos aos imigrantes que vierem viver e trabalhar nas zonas geograficamente mais remotas, mediante subsídios às comunidades ou acrescentando novas categorias de habilidades.

Planeamos, à partida, aumentar os limiares dos apoios financeiros atuais e o salário mínimo, para melhor os alinhar com os salários médios escoceses e com o custo de vida. O que abrirá grandes oportunidades para as pessoas mais qualificadas do exterior que poderão desempenhar importantes papéis na nossa sociedade e na nossa economia e preencher falhas importantes no campo dos negócios privados.

Um problema específico dos escoceses é o visto de trabalho pós-estudos. Existem cerca de 30,000 estudantes internacionais em mais de 150 locais da Escócia; cerca de 11% de todos os estudantes vêm de todos os países da União Europeia e cerca de 10% vêm do resto do mundo. Este Governo projeta reintroduzir o visto de trabalho post-estudos. O visto encorajará as pessoas mais talentosas de todo o mundo a prosseguir os seus estudos na Escócia, proporcionando um rendimento para as instituições académicas e contribuindo para a economia local e para a diversidade social.

Uma Escócia independente terá oportunidade de criar um novo modelo de serviços de asilo separados da imigração. Propomos que uma Agência Escocesa de Asilo (Scottish Asylum Agency) fiscalize a apreciação dos pedidos de asilo. O processo será simultaneamente rigoroso e humano, e continuaremos com a presente política de promover a integração dos refugiados e dos que procuram asilo político, desde o dia da sua chegada, e não apenas depois da obtenção de uma autorização temporária de permanência (como é o caso no resto do Reino Unido). Numa Escócia independente encerraremos Dungavel*, acabaremos com a prática de rusgas e de tratamento desumano para aquele que exerceram o seu legítimo direito de procurar asilo. Se um refugiado é um risco público, será procurado alojamento seguro enquanto são tomadas medidas para remover esse risco. Se houver necessidade de uma remoção forçada, as medidas serão tomadas com respeito pelos direitos humanos.

A independência também trará a oportunidade de encaminhar os que buscam asilo para o acesso ao emprego, educação e alojamento.


Publicado no Livro Branco "Scotland's Future". Traduzido por Isabel Gentil

* NT: Dungavel Immigration Removal Centre é uma prisão da agência de fronteiras do Reino Unido, em Lanarkshire. Para lá são enviados os imigrantes que esperam deportação, incluindo crianças. O governo escocês não tem, neste momento, autoridade sobre o espaço.

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