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A homofobia no Iraque ocupado

A ocupação do Iraque pelos Estados Unidos é vista pelos sectores gays ocidentais como algo positivo para as liberdades sexuais naquele país. Os homossexuais de Bagdad riem-se desta percepção e, embora o regime "baazista" tivesse muitos defeitos em matéria de direitos LGBT, eles asseguram que agora a sua situação é pior.
Foi a publicação das fotografias das torturas e das humilhações da prisão de Abu Ghraib que provocou uma verdadeira crise para a população LGBT iraquiana.

Artigo de Pedro Carmona, publicado no jornal "diagonal"
Tradução de Adriana Lopera.
 

Segundo o estereótipo que circula nos Estado Unidos e na Europa, a aventura bélica do Bush no Iraque contribuiu para melhorar a situação de lésbicas, gays, transexuais e bissexuais (LGBT), pois "exportaram-se" para o Iraque as liberdades sexuais. A tese é mantida até por sectores gays ocidentais, como a associação londrina Outrage, que defendeu a manutenção das tropas dos aliados no Iraque para preservar os direitos da população LGBT. Os homossexuais de Bagdad, cidade onde viveu no século VIII o poeta Abu Nawas- amante do vinho, da boa vida e dos rapazes, todo um símbolo do epicurismo e a homossexualidade na cultura árabe- riem-se de tal percepção e têm saudades de tempos melhores: a invasão dos Estados Unidos piorou claramente a sua situação.

Nas palavras de Adrian Gillan, jornalista gay destacado em Bagdad, no Iraque anterior à invasão a vida não era fácil para as pessoas LGBT, mas a sua situação "não era o inferno gay que algumas pessoas poderiam estar interessadas em desenhar". No regime de Saddam Hussein não existiam "leis de sodomia"; o Governo não tinha nenhuma simpatia pela comunidade LGBT, mas a repressão focalizava-se na oposição política. As dificuldades provinham da tradição e do controlo social, fortemente opostos a comportamentos contrários às normas sexuais maioritárias. O Carácter laico do regime baazista não fazia da homossexualidade um casus belli: "havia uma atmosfera complexa, repressiva, na qual as acusações homofóbicas iam mais dirigidas aos dissidentes do que às pessoas LGBT propriamente ditas". Guillan não conseguiu documentar nenhum abuso homofóbico durante a sua estadia no país, embora tivesse havido uma viragem na última etapa de Saddam: em Novembro de 2001, o Conselho Revolucionário (poder executivo baazista) aprovou um decreto segundo o qual castigava-se com pena de morte a prostituição, a homossexualidade, o incesto e a violação - uma medida que numerosos observadores interpretaram como uma tentativa de atrair as simpatias dos sectores integristas, de crescente influência, frente a um iminente ataque dos Estados Unidos perante o qual era necessário tecer alianças desesperadas. Mas a medida homofóbica nunca foi aplicada.

A constituição e Abu Ghraib

O contraste com a situação actual é drástico, em especial no que se refere à homossexualidade masculina: "Antes da invasão, os cafés e algumas ruas serviam de lugares habituais de encontro para homens", declarava um gay iraquiano a um jornal LGBT em Janeiro de 2005. "Durante a invasão, tudo isso acabou: manter-se olhos nos olhos com outro homem- a forma habitual de engatar entre gays- é agora algo suspeitoso perante os soldados e perante as milícias: confundem-te com um membro da resistência ou com um espião pró-ocidental". Um engano que supõe um enorme perigo e que se evita a todo preço. "Penso que com a vitória dos partidos religiosos nas eleições, a situação vai piorar ainda mais". O abandono da laicidade consagrou-se com a nova Constituição, imposta pelos Estados Unidos, que assinala o Islão como fonte de Direito: a legislação sobre a sexualidade, matrimónio, divórcio e direitos das mulheres reger-se-ão segundo princípios religiosos, diminuindo as liberdades nestes âmbitos. O surgimento de leis penalizadoras da homossexualidade é algo que todo o mundo dá como um facto.

Mas foi a publicação das fotografias das torturas e das humilhações da prisão de Abu Ghraib que provocou uma verdadeira crise para a população LGBT iraquiana.

Ironicamente, a homofobia do Exército dos Estado Unidos foi interpretada pela opinião pública iraquiana como uma promoção da homossexualidade, dentro da confusa noção do "estilo de vida ocidental" que se tem nos países da zona. A sociedade árabe, já de antemão oposta à homossexualidade, associava-a agora aos abusos e às profanações da coligação invasora. As imagens de prisioneiros árabes nus a simular felações e penetrações anais desencadearam uma rejeição ainda maior à homossexualidade, percebida como uma imposição por parte das tropas dos Estados Unidos. No Egipto, grupos religiosos manifestaram-se com slogans contra a "sodomia ocidental". No Iraque ainda se relacionou com mais fúria, e os gays iraquianos converteram-se da noite para o dia em objectivos da resistência, enquanto "aliados" dos "estrangeiros pró-homossexuais". Nos sectores mais opostos a qualquer tipo de influência ocidental, fizeram-se apelos à "caça do maricas", prática que não se tinha dado nos últimos anos de ditadura baazista. O clima de terror entre a população gay levou a que muitos se encerrassem nas suas casas ou a fugir das suas cidades. Talvez grupos ocidentais como a Outrage devam reformular por completo as suas "propostas de defesa" da população LGBT iraquiana.

Artigo de Pedro Carmona, publicado no jornal "diagonal"
Novembro de 2005

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Neste dossier:

Dossier LGBT: acabar com a homofobia

No mês em que por todo o mundo ocorrem manifestações da comunidade LGBT contra a homofobia, o Esquerda.net compilou vários textos sobre a temática.

Marcha do Orgulho LGBT anima Lisboa

No dia 23 de Junho realizou-se em Lisboa a oitava Marcha do Orgulho LGBT. Largas centenas de pessoas juntaram-se à Marcha, numa mancha arco-íris que encheu as ruas do Príncipe Real e, depois, da Baixa, até ao Terreiro do Paço.
A discriminação contra lésbicas, gays, bissexuais e transgender continua a fazer-se sentir na sociedade portuguesa e na lei, apesar de Portugal ser o único país europeu cuja Constituição proíbe a discriminação com base na orientação sexual.

Marcha do orgulho gay: igualdade para todos

A oitava edição da Marcha do Orgulho Lésbico, Bissexual, Gay e Transgénero juntou no sábado centenas de pessoas em Lisboa, reivindicando a igualdade de direitos para os que têm diferentes orientações sexuais. Depois da leitura de um manifesto do movimento, feito pelas associações organizadoras, a marcha foi do Príncipe Real ao Rossio, ao som de palavras de ordem pela igualdade de direitos e do lema "igualdade para todos aqui e agora".
"Esta marcha é uma forma de intervir na sociedade, de fazer ouvir a voz das pessoas que se sentem discriminadas em função da sua orientação sexual, disse ao Esquerda.net Eduarda Ferreira, da associação Clube Safo.

Gisberta: chocados com o quê?

Este crime chocou o país? Parte dele. Mas só surpreende os ingénuos. Quem não tenha consciência do que é o sistema de (des)protecção de menores em Portugal; quem tenha su­bestimado e desvalorizado o grau de preconceito e violência quotidiana - incluindo física - a que estão sujeit@s milhares de gays, lésbicas e trans; quem não conheça a brutal realidade portuguesa das exclusões que a vítima acumulava: imigrante, sem-abrigo, transexual, toxicodependente, trabalhadora do sexo, seropositiva e tuberculosa.

A Batalha de StoneWall: marco do movimento LGBT

Em Nova York, no dia 28 de Junho de 1969 o bar Stonewall-Inn foi local de mais uma rusga policial - mais uma vez sob a alegação de falta de licença para a venda de bebidas - e todos os travestis que se encontravam no bar foram presos. Mas, ao contrário das outras vezes, as pessoas resolveram resistir, em solidariedade com os presos. O clima foi ficando cada vez mais tenso. Gays e lésbicas de um lado, os polícias do outro e os travestis presos. Depois de dois dias de confrontos intensos, a polícia desistiu. Esta data fica na história do movimento LGBT como o dia do Orgulho Gay, motivando, em todos os inícios de Verão, paradas e marchas pelo mundo inteiro. 

Homossexualidade é crime em 75 países

A homossexualidade é ainda punida por lei em cerca de 75 Estados. Em muitos países, a condenação pode ir além de dez anos de prisão; por vezes, a lei prevê a prisão perpétua e, nalgumas nações, a pena de morte tem sido efectivamente aplicada.

Relatório denuncia homofobia da polícia nos EUA

O relatório "Stonewall, continuar a exigir respeito" revela os abusos policiais contra lésbicas, gays, bissexuais e transgenders nos Estados Unidos. Apresentado no México pela Amnistia Internacional, o documento é o produto de um trabalho de investigação realizado, entre 2003 e 2005, em quatro cidades muito distintas e geograficamente diversas nos Estados Unidos: Chicago (Ilinois), Los Angeles (Califórnia), Nova York (Nova York) e San Antonio (Texas).
Uma proporção significativa das denúncias de abusos contra lésbicas, gays, bissexuais e pessoas transgenders tinham como protagonistas indivíduos pertencentes a grupos raciais ou étnicos minoritários. A idade, o nível socio-económico e a condição de imigrante também contribuem para aumentar o risco de sofrer abusos por parte dos funcionários encarregados de fazer cumprir a lei.

O movimento LGBT em Portugal: datas e factos

Neste artigo, preparado por Bruno Maia e João Carlos Louçã, é possível aceder às datas mais importantes para o movimento LGBT em Portugal nos últimos 100 anos. Só em 1982 se dá a descriminalização da homossexualidade e é em 1999 que Lei das Uniões de Facto passa a aplicar-se também aos casais homossexuais, apesar de ainda carecer de regulamentação. Pelo meio, ficam inúmeras episódios de homofobia e discriminação, mas também a criação de movimentos que vieram dar visibilidade à luta LGBT. 

LGBT em Portugal: a maioria continua no armário

Uma distância gigantesca separa uma minoria sobretudo gay, urbana, informada, consumista e hedonista, relativamente integrada e emancipada - nem sempre mais assumida - com um nível e contexto de vida que permite viver "homossexualmente", mas que é em grande medida conservadora, indiferente ao movimento, pouco solidária e preconceituosa. E temos no reverso da medalha uma maioria obscura de LGBT's sem condições para uma emancipação ou para qualquer tipo de visibilidade, em que continuam a misturar-se gays e lésbicas que ocultam a sua orientação sexual por trás de uma aparência hetero, homens casados que engatam no IP5 ou nos jardins das cidades, jovens torturados entre o preconceito e uma identidade que não querem reconhecer em si mesmos.

A representação das minorias sexuais nos media

A homossexualidade é representada de forma variada. É definida por laços de afectividade, valorizando a esfera amorosa, e caracterizando os homossexuais por uma vulgaridade não distintiva, produzindo um efeito normalizador e não estigmatizante. Mas também é representada pelo lado folclórico, exibicionista da sexualidade, do corpo e da indiferenciação de género- assimilando as questões de género à homossexualidade, sem as tratar na sua especificidade.

Uma agenda LGBT para Lisboa

É sobretudo fundamental que a Câmara Municipal de Lisboa assuma como sua a luta pela igualdade que tem vindo a ser feita sobretudo pelas Associações. A homofobia é um problema social que exige uma resposta da sociedade como um todo - e dos poderes públicos em particular.
Embora se estime que cerca de 10% da população seja LGBT, é comum que nas grandes cidades esta percentagem seja mais elevada pelo que é uma responsabilidade acrescida da CML fazer grande parte das suas cidadãs e dos seus cidadãos sentirem-se parte integrante da cidade.
Esta visão deverá pois reflectir-se em todos os campos de actuação da CML, desde a formação de funcionárias/os e professoras/es das escolas primárias, até ao atendimento em todos os serviços, passando pelo investimento nas actividades de promoção da comunidade e da cultura LGBT, sempre com o objectivo de garantir a coesão e integração sociais.

Uma agenda LGBT para a esquerda

Ao contrário de propostas de igualdade formal, como a do alargamento do direito ao casamento, que embora enfrentando resistências sérias na sociedade, são na verdade facilmente integráveis pelo sistema e, de alguma forma, até modeladoras das relações homossexuais a um modelo heterossexual, logo, aceitável, a emancipação real da comunidade LGBT, em todas as suas frentes, não é integrável quer pelo poder, quer pelas forças conservadoras.

Iniciativas e propostas do Bloco de Esquerda

O Bloco de Esquerda tem vindo a demarcar-se dos restantes partidos como um movimento moder­no e defensor de uma democracia aprofundada. O seu programa resulta da aliança entre a luta pelo fim das desigualdades sociais e económicas - agravadas pelas políticas neo-liberais - e as lutas pelo fim das desigualdades identitárias - agravadas pelo neo-conservadorismo e pelo novo moralismo reinante. Em suma, o Bloco é um movimento que luta pela igualdade ao mesmo tempo que luta pela diversidade.

Links úteis pela defesa dos direitos LGBT

Aceda aqui aos links para várias organizações, a nível nacional e internacional, que lutam contra a discriminação de que é alvo a comunidade LGBT. Em Portugal, destaque para a Associação Ilga Portugal, as Panteras Rosa, o Clube Safo e a Associação Não te Prives. A nível internacional, não deixe de aceder ao site da Campanha contra a homofobia na Polónia, um país cujo actual Governo tem atacado intensamente todos os LGBT.
Leia mais para aceder aos respectivos links.

Imprensa, capitalismo ou a subtil contra-ofensiva conservadora

Comentando a presença de 3 milhões de pessoas na Marcha do Orgulho em S. Paulo, a generalidade da imprensa portuguesa referia a festa por oposição à presença de uma agenda reivindicativa. Nos breves espaços informativos que a notícia conquistou a imagem era o seu elemento mais nobre e o discurso em directo dos participantes (mas não organizadores do evento) justificava com naturalidade essa ausência da política. A notícia tornou-se relevante, não pela enorme massa humana que a concretizou nem nas condições específicas em que o fez, mas pelo facto de ter sido interpretada exclusivamente pelo seu lado comemorativo.

Homossexuais na Palestina: No meio do fogo cruzado

Alguns gays palestinianos, na sua vontade de obter permissões de residência em Israel para fugir de uma sociedade fortemente homofóbica, passaram a prestar serviços à potência ocupante; em muitos outros casos, no entanto, a iniciativa partiu dos serviços secretos israelitas que, quando descobriam a homossexualidade de algum palestiniano, lhe faziam uma cruel chantagem: em troca de não o "tirar do armário", o que levaria a uma pressão social insuportável, a vítima deveria prestar serviços de espionagem para Israel. Por toda esta rede de factores, a equação "um gay é um traidor à Palestina" ficou lema: no início da segunda Intifada houve alguns espancamentos de gays palestinianos pelos seus conterrâneos.

A homofobia no Iraque ocupado

A ocupação do Iraque pelos Estados Unidos é vista pelos sectores gays ocidentais como algo positivo para as liberdades sexuais naquele país. Os homossexuais de Bagdad riem-se desta percepção e, embora o regime "baazista" tivesse muitos defeitos em matéria de direitos LGBT, eles asseguram que agora a sua situação é pior.
Foi a publicação das fotografias das torturas e das humilhações da prisão de Abu Ghraib que provocou uma verdadeira crise para a população LGBT iraquiana.