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As gigantescas mobilizações dos professores
2008 será sem sombra de dúvida lembrado pelos maiores protestos de sempre que uma classe profissional alguma vez protagonizou contra reformas impostas por um governo. Duas manifestações gigantescas e uma greve que ficou perto dos 100% de adesão, mostraram ao país que os professores não se rendem às políticas burocráticas e economicistas de José Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues. A contestação promete continuar com nova greve nacional a 19 de Janeiro de 2009.
Não há memória de uma coisa assim. Não apenas pela dimensão das manifestações e das greves, mas essencialmente pela energia e vitalidade com que os professores agarraram a política nas suas próprias mãos, fazendo das escolas do país autênticos espaços de discussão e acção pela educação pública e contra as medidas impostas pelo governo.
A aprovação do novo Estatuto da Carreira Docente no início de 2007 foi o primeiro sinal de que algo ia mal na educação. O diploma previa a divisão da carreira em professores titulares e professores apenas. A quantidade de cargos de direcção e gestão ocupados pelos professores nos últimos sete anos são o critério mais valorizado para aceder à categoria de professor titular, da qual ficam afastados dois terços dos professores. Na altura 30 mil professores vieram para a rua contestar o diploma, já então a maior manifestação de docentes dos últimos tempos.
Foi sobre este polémico Estatuto da Carreira Docente que o governo construiu o seu modelo de avaliação de professores. Definida a hierarquização entre docentes, o novo modelo de avaliação prevê que os coordenadores de departamento e outros professores titulares avaliem os restantes docentes, num processo de dimensões burtocráticas impressionantes, dada a quantidade de fichas, grelhas e procedimentos a ter em conta. Simultaneamente, o governo continuava a sua investida no sentido da empreserialização da escola, agora através da aprovação do novo diploma de gestão, que prevê a criação da figura do director em cada escola, acabando com a demcoracia e a colegialidade das decisões.
A imposição de cima para baixo e sem diálogo destas duas medidas, a juntar à proliferação de decretos e despachos que quotidianamente inundavam as escolas, levou os professores a atingirem uma tal saturação que a ideia de uma grande manifestação nacional começou a tornar-se inevitável. Em Fevereiro de 2008, de forma espontânea, os professores avançaram para algumas concentrações regionais, com uma adesão muito significativa mesmo sem a intervenção directa dos sindicatos que, a pouco e pouco, começaram a tomar a dianteira do processo e a convocar mais protestos regionais.
Foi também nesta altura que surgiram ou ganharam notoriedade alguns novos movimentos de professores, (Movimento Escola Pública, o Movimento Professores Revoltados, Movimento Cívico em Defesa da Escola Pública, Movimento Mobilização e Unidade dos Professiores, etc.) bem como blogues muito populares que permitiam a rápida circulação de informação e de acções diversas ("A Educação do Meu Umbigo", "A Sinistra Ministra", ou o "ProfAvaliação"). Alguns dos movimentos de professores referidos atrás viriam mais tarde a constituir a APEDE (Associação de Professores em Defesa do Ensino).
A tão desejada manifestação nacional acabou mesmo por acontecer, com o paoio dos sindicatos. A 8 de Março um mar de professores e professoras desaguou em Lisboa, numa mega protesto que partiu do Marquês de Pombal e terminou no Terreiro do Paço. Cerca de 100 mil docentes contestaram a polítca educativa do governo, exigiram a demissão da Ministra da Educação e o fim do seu modelo de avaliação.
Mas José Sócrates tinha acabado de, dois meses antes, demitir o ministro Correia de Campos em resultado dos protestos populares contra o encerramento das urgências. Provavelmente para não alimentar a imagem de que cede perante a rua, Sócrates fez tudo para segurar a Ministra da Educação, que de seguida encetou um processo negocial com os sindicatos centrado na questão da avaliação dos professores.
Foi então que em Abril de 2008, Ministério e Sindicatos firmaram o célebre memorando de entendimento, um acordo que determinava a aplicação do modelo de avaliação do governo durante o ano lectivo 2008/2009, mas apenas a título experimental e sem consequências em caso de avaliações negativas, prevendo-se a rediscussão do modelo apenas em Junho de 2009.
Sindicatos e governo cantaram vitória, ao contrário de muitos movimentos e professores que acusaram os dirigentes sindicais de traição. Ainda assim, a Plataforma Sindical de Professores organizou o dia D, para que em cada escola os professores se pronunciassem sobre o entendimento alcançado com o governo. Segundo as contas dos sindicatos, perto de 80% dos professores que participaram nessas reuniões concordaram com a assinatura do memorando.
Mas é inegável que se instalou um mal estar em muitos professores, sempre com a sensação de que teria sido desperdiçada a maior manifestação de todos os tempos, que juntara dois terços da classe profissional nas ruas de Lisboa. Na blogosfera e em inicativas de diversos movimentos, este mal-estar foi-se transformando em revolta e preparava-se um regresso às lutas no início do ano de lectivo 2009/2010.
O regresso às lutas
Mal o modelo de avaliação imposto pelo governo começou a ser aplicado em Setembro deste ano, logo se percebeu que os professores não podiam ficar quietos à espera de Junho de 2009, data prevista para a sua renegociação. A burocracia que inundou as escolas, as injustiças que se criaram, o facto de professores avaliados não reconhecerem competências a professores avaliadores, a dificuldade na preparação dos instrumentos de avaliação, com reuniões atrás de reuniões para elaborar grelhas e mais grelhas, levou uma grande parte dos docentes a exigir a imediata suspensão do modelo de avaliação. Uma reivindicação que começou por circular mais uma vez na blogosfera, local onde aliás as maiores aberrações do modelo do governo eram publicadas e partilhadas com todos. Rapidamente surgiu uma onda crescente que reclamava por mais uma grande manifestação nacional e, sem que os sindicatos o pudessem prever, começou a surgir com muita força e de forma espontânea a convocação de uma manifestação para o dia 15 de Novembro de 2008.
Simultaneamente, os professores multiplicaram-se em reuniões nas escolas, desta vez não para discutirem a aplicação do modelo burocrático do governo mas sim para apelarem à suspensão do mesmo. Foram centenas as escolas que tomaram posição, fosse através de Reuniões Gerais de Professores, dos Conselhos Pedagógicos ou em alguns casos através de decisões dos próprios Conselhos Executivos. Rapidamente, os simples apelos à suspensão da avaliação passaram a ser decisões efectivas de suspensão da mesma. Ou seja, os professores decidiam colectivamente recusar participar em qualquer procediemnto relacionado com este modelo de avaliação, paralisando o processo em centenas de escolas.
Foi então que os sindicatos, percebendo que a direcção do movimento de professores lhes estava a fugir, foram obrigados a marcar nova manifestação nacional. Mas, em vez de se juntarem aos professores e movimentos que se uniam em torno da manifestação de 15 de Novembro, os sindicatos marcaram o protesto para uma semana antes, a 8 de Novembro. Paralelamente, começam também a exigir a suspensão deste modelo de avaliação, uma reivindicação no mínimo contraditória como acordo assinado com o governo seis meses antes. Sem o dizerem, na prática os sindicatos perceberam que era inviável rediscutir a avaliação apenas em Junho de 2009, e o dito memorando passou a ser letra morta.
Com duas manifestações nacionais agendadas com a diferença de uma semana, multiplicaram-se os apelos à convergência entre sindicatos e movimentos, que tiveram sucesso na união de todos em torno da manifestação de 8 de Novembro, embora se mantivesse na agenda o protesto de 15 de Novembro. E foi assim que, superando toadas as melhores expectativas, cerca de 120 mil professores voltaram a encher a baixa lisboeta, desta vez pelo percurso inverso, do Terreiro do Paço para o Marquês de Pombal. Uma semana depois, sem a o apoio e a logística dos sindicatos, os professores manifestaram-se novamente, tendo sido perto de 15 mil os que encheram o largo da Assembleia da República.
O Governo reagiu mal aos protestos começando por classificá-los de "chantagem e intimidação". Mas pouco depois acabou por recuar parcialmente, através da simplificação do seu modelo de avaliação que, contudo, mantinha os aspectos essencias que eram contestados, ou seja, as quotas e a assunção da divisão da carreira em duas categorias. Apesar de todas as simplificações, anunciadas apenas como um pedido de trégua para este ano e uma forma de adormecer a luta dos professores, o governo recusava-se a admitir que os eu modelo não funciona e que a solução seria a suspensão para renegociar um nova forma de avaliação dos professores.
"Chantagem e intimidação" foi exactamente a estratégia do governo para fazer ceder os professores, através do envio de e-mails a todos os docentes para que entregassem pela internet os seus objectivos individuais. Ao mesmo tempo aumentava a pressão sobre os Conselhos Executivos, que por sua vez a transferiam para os professores.
Só que, mais uma vez, os professores viriam a dar uma prova extraordinária da sua capacidade de resistência. No dia 3 de Dezembro, realizou-se a maior greve nacional de sempre, com mais de 90% de adesão de acordo com os dados sindicais. Mesmo o governo foi obrigado a reconhecer uma adesão superior a metade (60%), classidicando-a de "significativa".
De simplex em simplex, o governo foi amaciando o seu modelo de avaliação, recusando-se a substitui-lo. Em muitas escolas, os professores resistem e desobedecem a uma lei que consideram injusta. Nada está decidido e o novo ano abrirá com uma nova greve nacional agendada para o dia 19 de Janeiro.
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