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(Ex)citações de apoio à guerra

O mais empenhado propagandista da invasão do Iraque foi José Manuel Fernandes, hoje mentor do diário de direita Observador. Há doze anos, não esteve sozinho. Lembremos quem fez da palavra a apologia de um crime.
A mentira inicialmente repetida como um refrão; a euforia das semanas da invasão, com os bombardeamentos e o avanço dos tanques pintados como uma “libertação”.

Reunimos aqui uma pequena seleção de frases publicadas entre finais de 2002 e finais de 2003. Correspondem aos três momentos do discurso belicista nesse período: a mentira inicialmente repetida como um refrão; a euforia das semanas da invasão, com os bombardeamentos e o avanço dos tanques pintados como uma “libertação”; e, por fim, a evidência do caos nas mortes do lado invasor e no colapso da fraude sobre as armas de destruição massiva.

No dia 19 de março, cumprem-se doze anos sobre o início da invasão do Iraque, um crime contra a humanidade que abriu um longo ciclo de violência descontrolada em todo o Médio Oriente. A mais recente dimensão desse horror é a ação da organização Estado Islâmico.

Antes da invasão

“O Iraque tem armas de destruição maciça, biológicas e químicas, e pode estar na iminência de possuir armas nucleares”.

  • Durão Barroso, então primeiro-ministro, no parlamento, 20/9/2002.

“Quantos milhões de europeus estão dispostos a morrer em consequência do antraz que Saddam tem? Ou por envenenamento das águas como os curdos? Ou por um ataque como o do 11 de Setembro nos EUA? Ou a verem os seus filhos serem mortos quando vão a caminho da escola, porque um suicida que os acha infiéis se lhes atravessou no caminho?”.

  • Helena Matos, Público, 12/2/2003

Passear nu pelo Rossio, se não fossem encontradas armas de destruição maciça. Foi o que prometeu Vasco Rato no primeiro dia da guerra, quando se dirigia à audiência de um colóquio da revista História na Hemeroteca de Lisboa (20/3/2003). Hoje, preside à Fundação Luso-Americana.

 

“Prefiro que seja o mais benigno dos impérios que a humanidade conheceu, o império americano, a tomar nas suas mãos a liderança. E a levar aonde for necessário o exemplo da sua democracia, das suas instituições e do seu modo de vida”.

  • José Manuel Fernandes, então diretor do Público, 26/3/2003.

Início da ocupação

“Se ontem não consegui evitar uma lágrima furtiva – a mesma lágrima furtiva que nunca reprimo quando revejo a cena da Marselhesa no “Casablanca”, ou a imagem de Francisco Sousa Tavares, no Largo do Carmo, falando à multidão que cercava o quartel onde se refugiara Marcelo Caetano – não deixo por isso de saber que a batalha não está terminada, que são imensas as dificuldades e as incógnitas ainda pela frente”.

  • José Manuel Fernandes, Público, 10/4/2003.

“Releiam as previsões catastrofistas que fizeram há apenas um mês. Não sejam adolescentes: aprendam com os disparates que disseram e escreveram. Como é Páscoa, vou ser piedoso: deixo o trabalho de memória desses disparates aos seus autores”.

  • José Manuel Fernandes, Público, 21/4/2003.

A mentira exposta e o descalabro militar

“[A inexistência de armas de destruição maciça] não pode ser usada como argumento contra a invasão por uma razão óbvia: essa constatação só pode ser feita depois da invasão”.

  • José António Saraiva, então diretor do Expresso, 3/5/2003.

“Os motivos para a guerra não desaparecem, pois, mesmo sem arsenais, Saddam possuía forma de os obter, e esse é que era o perigo: a eventual convergência entre um regime com capacidade para construir armas de destruição maciça e terroristas com vontade de as largarem em qualquer grande cidade do Ocidente”.

  • José Manuel Fernandes, Público, 30/5/2003.

“[A hipótese da mentira] subdivide-se em duas: numa, as informações eram de má qualidade e os governos agiram de boa-fé; noutra, as informações foram adulteradas pelos governos para justificarem a intervenção, com base em falsidades deliberadas. (...) Seria bem menos grave se se tratasse de uma crise de informações de má qualidade do que se tivesse havido um engano deliberado. Neste caso, mesmo sem que isso legitimasse a posteriori muitas das posições anticoligação, colocaria os defensores dos EUA e Reino Unido na posição de idiotas úteis e os seus governantes numa posição ilegítima em democracia”.

  • Pacheco Pereira, Público, 26/6/2003.

“Julguei a intervenção anglo-americana justificada pelo legítimo interesse do Ocidente em garantir a segurança própria e global, bem como o acesso aos recursos energéticos que sustentam a sua civilização e que seria pura irresponsabilidade deixar entregues a inimigo. (...) [O descalabro da ocupação] levanta dúvidas arrasadoras sobre a competência com que os americanos planearam o pós-guerra. O lúgubre espetáculo a que todos os dias assistimos é quanto basta para condenar a sua irresponsável imprevidência”.

  • Fátima Bonifácio, Público, 8/12/2003.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Jornalista.
(...)

Neste dossier:

O Iraque 12 anos depois da invasão

Foi há 12 anos que as tropas comandadas pelos EUA e o Reino Unido invadiram o Iraque, numa ação militar que parecia um passeio e se tornou no pior dos pesadelos. Um inferno desde logo para o massacrado povo iraquiano, mas também para Washington, que acumula desastres e hoje, 3 anos depois da saída das suas tropas, assiste impotente às vitórias do Estado Islâmico e ao crescimento da influência do Irão. Esse é o tema deste dossier, coordenado por Luis Leiria.

Tanques dos EUA entram em Bagdade. Parecia um passeio. Só parecia. Foto de: Technical Sergeant John L. Houghton, Jr., United States Air Force - http://arcweb.archives.gov/

Invasão do Iraque: crime de guerra

Há doze anos uma coligação dos EUA e seus lacaios europeus invadiram o Iraque. “Crime de Guerra” foi, na altura, uma tentativa a quente de caracterização do ato sem precedentes (Afeganistão incluído) de violação ostensiva e consentida das regras de relacionamento internacional inscritas na Carta da ONU. Por Mário Tomé

A mentira inicialmente repetida como um refrão; a euforia das semanas da invasão, com os bombardeamentos e o avanço dos tanques pintados como uma “libertação”.

(Ex)citações de apoio à guerra

O mais empenhado propagandista da invasão do Iraque foi José Manuel Fernandes, hoje mentor do diário de direita Observador. Há doze anos, não esteve sozinho. Lembremos quem fez da palavra a apologia de um crime.

Cronologia: da invasão ao Estado Islâmico

Entre janeiro de 2002 e março de 2015, 13 anos de cronologia. Da invasão e derrube de Saddam Hussein à explosão da guerra civil; do proconsul Paul Bremmer ao governos de Al-Maliki; da saída das tropas dos EUA à conquista de amplo território pelo Estado Islâmico.  

Execuções em massa divulgadas em vídeo para provocar pavor

Estado Islâmico: Gestores de selvajaria

A brutalidade sectária do Estado Islâmico (EI) permitiu ao presidente sírio, Bashar al-Assad, fazer-se passar dissimuladamente por vítima: o incendiário que aparece como um bombeiro. Artigo de Muhammad Idrees Ahmad, publicado no In These Times.

Abu Baqr al-Baghdadi declarou o califado em 29 de junho do ano passado.

O dinheiro do petróleo do Golfo está a sustentar o Estado Islâmico

Doadores privados de Estados do Golfo ajudam a suportar salários de até 100.000 combatentes do EI. Por Patrick Cockburn.

O general iraniano Qassim Suleimani passou mais tempo no Iraque que no Irão desde o verão do ano passado. Foto Isna

Washington assiste impotente à intervenção do Irão no Iraque

Diante do desmoronamento do Exército iraquiano, foram as milícias xiitas, organizadas, armadas e dirigidas por oficiais iranianos, que detiveram o avanço do Estado Islâmico em direção a Bagdade. Por Luis Leiria

Militantes do EI destróem a marreta estátuas com 3.000 anos, num vídeo divulgado pela própria organização.

O Estado Islâmico e a tentação do zero

Aquele que mata um homem – ou mil – é um assassino; o que destrói a memória da humanidade é pura Natureza: opera como esses cataclismos que, segundo Platão, destruíam a cada 10.000 anos a civilização, obrigando um punhado de “homens toscos e ásperos” a começar de novo. Por Santiago Alba Rico, Quarto Poder