Está aqui

Durão Barroso contratado pela Goldman Sachs

As aventuras e desventuras de Durão não se esgotaram na Comissão Europeia. Menos de dois anos depois de terminar o seu mandato foi contratado pelo banco de investimento mais agressivo do Mundo, com quem já tinha uma longa parceria.
Durão Barroso
Durão Barroso, foto de José Relvas/Lusa.

No início de julho foi revelado que Durão Barroso seria o novo presidente não executivo da Goldman Sachs International. Começava então um longo e polémico processo desencadeado pela contratação do ex-presidente da Comissão Europeia pelo fundo de investimento, 20 meses depois de terminar o seu mandato como Presidente da Comissão Europeia. Durão Barroso foi contratado para a filial britânica da Goldman Sachs, onde prometia fazer tudo para “mitigar os efeitos negativos” do Brexit, segundo afirmou ao Financial Times. Durão substituiu Peter Sutherland, o presidente do Goldman Sachs International que se demitiu no ano passado. 

Numa altura em que se soube que os lucros da Goldman Sachs cresceram 74%, a notícia foi imediatamente acompanhada por um coro de protestos contra as ligações entre a Comissão Europeia e o fundo de investimento. Em junho, a Goldman Sachs tinha sido considerada culpada pela justiça norte-americana de enganar os clientes no mercado de títulos garantidos por hipotecas, ficando provado que a sua especulação em torno da qualidade destes títulos contribuiu de forma decisiva para a bolha do setor imobiliário que produziu a grande recessão de 2008. 

A Goldman Sachs não é um banco qualquer, é o banco de investimento mais agressivo do Mundo cujas políticas têm um impacto direto na destruição das vidas de milhões de pessoas

Afinal de contras, a Goldman Sachs não é um banco qualquer, é o banco de investimento mais agressivo do Mundo cujas políticas têm um impacto direto na destruição das vidas de milhões de pessoas, teve responsabilidades não só na crise de 2008, como na maquilhagem das contas do Governo grego, na especulação contra as dívidas soberanas e na predação das empresas privatizadas durante a crise (como foi o caso, em Portugal, dos CTT).

Apesar da sua história de atividades fraudulentas, a situação de Durão Barroso não é única e a lista de dirigentes de instituições europeias que passaram pela Goldman Sachs é extensa. Inclui, por exemplo, Mario Draghi (presidente do Banco Central Europeu e ex-Governador do Banco Central de Itália), Romano Prodi (ex-líder da oposição italiana, ex-Primeiro Ministro italiano e ex-Presidente da Comissão Europeia), Peter Sutherland (ex-Comissário Europeu, Presidente da Organização Mundial do Comércio e quem, como referimos, Barroso foi substituir), Mario Monti (ex-Primeiro Ministro italiano, ex-Comissário Europeu e ex-ministro das Finanças de Itália), Lucas Papademos (ex-Primeiro Ministro grego, ex-Governador do Banco Central Grego, atualmente no Banco Central Europeu) ou Carlos Moedas (Comissário Europeu e ex-secretário de Estado responsável pela implementação do programa da troika).

O início de uma bela amizade

No final de setembro, uma investigação do jornalista Paulo Pena no jornal Público nos arquivos da Comissão Europeia revelou que, durante a sua presidência, Durão Barroso manteve uma grande proximidade com a Goldman Sachs, que lhe entregava secretamente sugestões de alteração às políticas da União Europeia.

O artigo dá conta de vários encontros em pessoa entre Durão Barroso ou de assessores seus e responsáveis do Goldman Sachs. Por exemplo, em setembro de 2013 o CEO do Goldman Sachs, Lloyd Blankfein escreveu-lhe, agradecendo a Durão por se ter encontrado com ele, por ter participado numa reunião com os “senior partners” do banco e acrescentando que “gostei muito da nossa discussão produtiva sobre as perspectivas económicas mundiais.” Deste encontro do então Presidente da Comissão Europeia não foi feita nenhuma ata, nem consta dos registos na sua agenda pública, revela ainda o Público. Lisa Rabbe, então diretora executiva do banco, escreveu em janeiro de 2005 num email para o conselheiro principal de Durão Barroso que “o Goldman Sachs está encantado” com as políticas de Durão.

Durante a sua presidência, Durão Barroso manteve uma grande proximidade com a Goldman Sachs, que lhe entregava secretamente sugestões de alteração às políticas da União Europeia.

Só em 2015 passou a ser obrigatória a divulgação de todos os encontros, formais e informais, de comissários europeus com representantes de instituições privadas, por isso não se sabe ao certo quantas vezes Durão se terá encontrado com os seus novos patrões. Ainda assim, sabe-se de vários momentos em que Durão esteve com representantes do Goldman Sachs em contexto informal que não foram divulgados. O Público menciona, a título de exemplo, um jogo de futebol do Manchester United ao qual Durão Barroso foi acompanhado de Peter Sutherland, quando este ainda ocupava o lugar que hoje pertence a Durão. 

A proximidade de Durão Barroso com o banco de investimento não se fica por aqui, em 2008, a mesma Lisa Rabbe pediu um encontro com assessores de Barroso para discutir, entre outros, “as restrições nas políticas de livre circulação de capitais, trabalho e tecnologia” que limitavam “o crescimento da oferta”. Outro exemplo dado pelo Público é o de Jenny Cosco, uma dos seis lobistas oficiais da Goldman Sachs que, em 2005 lhe enviou, “confidencialmente”, um relatório sobre a legislação financeira, com a posição do banco sobre as regras que limitam as vendas a descoberto. A investigação dos arquivos da Comissão feita pelo Público termina em 2014, quando Durão estava quase a terminar o seu mandato e convidou o número dois do CEO do Goldman Sachs para um encontro ao pequeno-almoço em Davos, à margem do encontro anual do Fórum Económico Mundial.

Chuva de críticas

Quase 64 mil pessoas assinaram uma petição exigindo regras mais restritivas sobre as carreiras de ex-Comissários Europeus, contra as “portas giratórias” entre os altos cargos públicos europeus e as empresas privadas. Por outro lado, também começou a circular uma outra petição, com mais de 153 mil assinaturas (das quais 10 mil são de funcionários da União Europeia, que tem 40 mil funcionários) , que pedia que fossem tomadas medidas exemplares contra Durão Barroso, nomeadamente a suspensão da sua pensão paga pela Comissão Europeia (de 15 mil euros mensais ao longo dos três anos seguintes à saída do cargo).

Junker garantiu que Durão não voltará a ser recebido em Bruxelas como ex-Presidente da Comissão e passará a ser tratado como um mero lobista, além de ter pedido que um parecer do Comité Ad Hoc de Ética que, pela primeira vez, investigou um ex-Presidente da Comissão

A maior associação de funcionários das instituições europeias, a U4Unity, também enviou uma carta aberta à Comissão Europeia, exigindo uma “ação política forte” com base no artigo 245º do Tratado sobre o Funcionamento da UE, que prevê a retirada da pensão e outros privilégios dados aos ex-titulares de cargos europeus. Pouco tempo depois, mais de 50 eurodeputados, entre os quais Marisa Matias, enviaram uma carta à provedora de Justiça Europeia, Emily O’Reilly, pedindo-lhe que investigasse se a nomeação do ex-Presidente da Comissão Europeia para a Goldman Sachs International violava as regras comunitárias.

De ex-Presidente a um mero lobista

Em consequência da carta dos eurodeputados, Emily O’Reilly pediu esclarecimentos a Jean-Claude Juncker, Presidente da Comissão Europeia sobre a contratação de Durão Barroso, por considerar que levantava “dúvidas sobre a adequação" do código de conduta. "Não basta dizer que não foram quebradas regras", afirmou a provedora em comunicado. O’Reilly exigiu saber de que forma é que a Comissão Europeia verificou se a nomeação cumpriu as obrigações éticas e se a ‘Comissão Juncker' irá rever o código de conduta dos comissários. 

Por outro lado, como Durão anunciou que ir ser o conselheiro da Goldman Sachs no processo do Brexit, O’Reilly perguntou ainda se a Comissão Europeia ia dar indicações específicas à equipa que vai negociar o processo sobre como lidar com pedidos vindos de Durão Barroso. A resposta surgiu em setembro, quando Juncker (ele próprio acusado de um estratagema fiscal no Luxemburgo, favorecendo as multinacionais na evasão fiscal), garantiu que Durão não voltará a ser recebido em Bruxelas como ex-Presidente da Comissão e passará a ser tratado como um mero lobista, além de ter pedido que um parecer do Comité Ad Hoc de Ética que, pela primeira vez, investigou um ex-Presidente da Comissão.

Marisa Matias defendeu a revisão do código de conduta em vigor na União Europeia para proibir a repetição de casos idênticos

Marisa Matias reagiu a esta notícia defendendo a revisão do código de conduta em vigor na União Europeia para evitar a repetição de casos idênticos que, na sua opinião, deviam ser proibidos pois confiaram “total incompatibilidade”, “temos que acabar com as 'portas giratórias' de uma vez por todas”, afirmou.

Desde então, as coisas não têm estado a correr muito bem para Durão Barroso. No início de novembro foi o único orador da Web Summit a ser vaiado quando o seu nome foi anunciado e o Instituto de Estudos Internacionais da Universidade de Genebra, na Suíça, onde dava aulas, recusou-se a renovar-lhe o contrato e despediu-o. A carreira empresarial, essa, continua a correr de vento em popa.

(...)

Neste dossier:

Os temas de 2016

Neste ano em que todos os perigos se adensaram no mundo e em que a Europa falhou no principal, Portugal conseguiu provar que a política de austeridade não é inevitável e deu esperança na luta pela mudança social em defesa dos mais pobres e do trabalho. Veja aqui uma seleção de alguns temas que marcaram o ano de 2016 em Portugal e no mundo.

Um ano de acordo à esquerda

O ano ficou marcado pela reversão de medidas do anterior governo PSD/CDS e pela recuperação de rendimentos. O acordo que viabiliza o atual executivo do PS veio provar que era possível outro caminho. É preciso ir ainda mais longe, nomeadamente no combate à precariedade, e não aceitar recuos na defesa dos direitos.

Donald Trump na série Simpsons

Donald Trump, de farsa a ameaça global

A eleição de Donald Trump para Presidente dos EUA é um elemento central no movimento de extrema-direita internacional.

Urso polar num iceberg a derreter.

2016, o ano mais quente de sempre que já não é notícia

Dos 17 anos mais quentes desde que há registos, só um não pertenceu ao século XXI. Alterações climáticas são a constante mais evidente num tempo de instabilidade fortemente associada à crescente degradação material do planeta. Por João Camargo.

Presidenciais: a eleição de Marcelo e o resultado histórico de Marisa

Com a maior abstenção de sempre em eleições sem recandidaturas presidenciais, a vitória de Marcelo acabou por se traduzir na pior votação do atual Presidente, comparando com os seus antecessores. Com mais de 10% dos votos, Marisa Matias conseguiu superar o melhor resultado da área do Bloco e tornou-se a mulher mais votada de sempre para a Presidência.

 

X Convenção do Bloco

Convenção do Bloco com mira apontada às ameaças de Bruxelas

A X Convenção do Bloco foi a primeira realizada num contexto político em que o Bloco integra a maioria parlamentar que afastou a direita do poder. As principais críticas foram dirigidas a Bruxelas e às ameaças de sanções a Portugal.

As principais vítimas desta deriva punitiva são os países do sul, vergados a políticas de austeridade extremas que provocaram uma regressão social devastadora.

Sanções: O rolo compressor da chantagem política

Quando a Comissão Europeia (CE) “aprovou” o Orçamento do Estado de Portugal para 2017, embora com avisos de que iria manter uma vigilância apertada sobre o mesmo, já tinha deixado um historial de ameaças sobre imposições de sanções que acabaram por se tornar num dos assunto do ano.

Golpe e contragolpe na Turquia

A madrugada de 15 de julho ficou marcada pela tentativa de golpe militar na Turquia. Mas as tropas fieis ao presidente Erdogan conseguiram travar o golpe. Em seguida, Erdogan declarou o estado de emergência e deu início a uma caça às bruxas que ainda decorre, com o objetivo de consolidar o poder absoluto no país.

11 dos 17 ativistas angolanos que foram julgados.

Repressão em Angola

Os 17 jovens ativistas angolanos foram acusados de “atos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores” e condenados a penas entre os dois e os oito anos, apesar de depois terem recebido uma amnistia. Eduardo dos Santos foi reeleito presidente do MPLA por 99.6% dos votos e prepara sucessão.

 Estima-se que quatro milhões de sírios tenham fugido do país. Foto Obvius

Os refugiados e os interesses que os aprisionam

O ano que agora termina continuou a ser marcado pela crise dos refugiados, vítimas de um complexo de jogo de interesses que continuou a desprezar os Direitos Humanos daqueles que fogem do terrorismo e da guerra.

Durão Barroso

Durão Barroso contratado pela Goldman Sachs

As aventuras e desventuras de Durão não se esgotaram na Comissão Europeia. Menos de dois anos depois de terminar o seu mandato foi contratado pelo banco de investimento mais agressivo do Mundo, com quem já tinha uma longa parceria.

Logotipos da Monsanto e da Bayer.

Bayer compra Monsanto

Farmacêutica comprou multinacional produtora de sementes geneticamente modificadas e de pesticidas, entre os quais o glifosato. Grupo resultante será o maior do ramo e representará um desastre para a nutrição global.

A seleção portuguesa soube interpretar o realismo tático definido por Fernando Santos. Foto Fragmentos

Euro 2016: Os méritos de um campeão improvável

Apesar de ter vários jogadores de craveira internacional, Portugal acabou por ser um campeão europeu improvável, sobretudo se tivermos em linha de conta que jogou a final contra a França, país organizador do Europeu. Por Pedro Ferreira.

Manifestações em São Paulo contra Michel Temer. Foto de Sebastiao Moreira/EPA/Lusa

Brasil: 2016 marcou o fim da hegemonia do PT

O ano marcado pelo afastamento de Dilma Rousseff e pelo fim dos governos hegemonizados pelo PT termina com mais incógnitas que certezas. Por Luis Leiria, no Rio de Janeiro.