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'Drones' espalham morte no Afeganistão

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Islamabad, Paquistão – A 12 de Maio, no dia a seguir ao ataque de drones dos E.U.A que matou 24 pessoas no Waziristão do Norte, Paquistão, dois homens da área concordaram em contar-nos o seu testemunho dos ataques de drones que presenciaram.

Um é jornalista, Safdar Dawar, secretário-geral da União Tribal de Jornalistas. Os jornalistas operam sob difíceis circunstâncias na área, sofrendo elevada pressão por parte dos grupos militares e do governo paquistanês. Seis dos seus colegas foram mortos enquanto cumpriam o seu dever no Sul e no Norte do Waziristão. O outro homem, que nos pediu para não divulgar o nome, é da cidade de Miranshah, o epicentro do Waziristão do Norte. Trabalha com a Relief Agency local do Waziristão, um grupo de pessoas comprometidas a ajudar as vítimas dos ataques de drones e de acções militares. “Se as pessoas precisarem de sangue ou de medicamentos ou necessitem de ir a Peshawar ou a outro hospital”, disse o trabalhar social, “sou conhecido por ajudá-los. Tento também angariar fundos e contribuições”.

Ambos os homens enfatizaram que o governo paquistanês tem apenas uma presença trivial na área. Os sobreviventes dos ataques de drones não recebem nenhuma indemnização ou compensação. Nem por parte dos militares nem por parte do governo há quaisquer investigações quanto às consequências dos ataques.

O sr. Dawar, o jornalista, acrescentou que quando telefonou ao representante político local, no âmbito do ataque de drones de dia 12 de Maio, o indivíduo em questão não lhe conseguiu adiantar nada. “Se conseguir obter alguma informação nova”, disse o representante político, “por favor, faça-ma chegar”.

Nos jornais dos EUA, relatos de ataques de drones rondam uma dúzia de palavras, dizendo qual o local e uma estimativa do número de militantes mortos. O jornalista e assistente social do Waziristão do Norte perguntou-nos porque é que as pessoas nos Estados Unidos não se questionam mais acerca do assunto e não pedem para saber mais.

É difícil virar a atenção para realidades horríveis. Jane Mayer, ao escrever para The New Yorker (“O Predador da Guerra”, 26 de Outubro de 2009), citou um antigo oficial da CIA na sua descrição de um ataque de drones:

“As pessoas que viram um ataque aéreo ao vivo num monitor descreveram-no tanto como imponentemente intimidador como algo horrível a todos os níveis.” ‘Podia-se ver estas pequenas figuras a fugir desesperadamente, e a explosão a ser detonada, e quando o fumo se dissipava restavam apenas ruínas e tudo, no geral, pulverizado,’ diz o oficial da CIA em questão, destacado para o Afeganistão após o 11 de Setembro.

“Seres humanos a fugir, à procura de abrigo, é uma visão de tal forma habitual,” continua Jane Mayer, “que deu origem ao termo de calão: ‘squirters”.

Eram só ruínas, destruição e um ambiente geral de carbonização…

O assistente social lembra-se de ter chegado a uma casa que fora atingida, em Miranshah, cerca das 21 horas, há quase um ano atrás. A casa encontrava-se ao lado de uma fábrica de fósforos, perto da universidade. O ataque do drone matou três pessoas. Os seus corpos, carbonizados, estavam completamente queimados. Conseguiram ser identificados apenas pelas pernas e pelas mãos. Quando lá chegámos ainda havia um corpo a arder. Então, este apercebeu-se de que os corpos mutilados e pulverizados de dois homens e um rapaz de sete ou oito anos eram seus parentes, que viviam na aldeia adjacente. Não conseguiam juntar os membros num único corpo, tiveram de ser transportados do local em restos de plástico que se achavam por ali. Outros três ou quatro juntaram-se para ajudar a cobrir os corpos em plástico para serem transportados para a morgue.

Porém, estes voluntários e transeuntes no local foram atacados por mais uma ofensiva drone, 15 minutos depois do primeiro. Mais seis pessoas morreram. Um deles era irmão do homem que morreu no ataque inicial.

O assistente social diz que agora as pessoas têm medo de ajudar quando ocorre um ataque de drones, porque temem um destino semelhante àquele com que se depararam. Para terem a certeza, as pessoas esperam várias horas até entrarem em acção. Entretanto, vidas que podiam ser salvas, perdem-se inutilmente.

O assistente social disse-nos ainda que a pressão resultante da explosão, quando é disparado um míssil ou é lançada uma bomba, pode atirar pelos ares pessoas que tenham o infeliz acaso de por ali passarem. Alguns ficam magoados quando os seus corpos batem contra paredes ou contra estruturas de pedra, causando ferimentos e danos cerebrais e fracturas ósseas.

O assistente social descreveu mais quarto casos nos quais esteve envolvido em acções de imediato auxílio, após o ataque de um drone. Não nos foram oferecidas datas exactas, e não fomos capazes de encontrar novos artigos na internet que coincidissem com as suas contas. Riaz Khan, um repórter da AP que deu cobertura a um ataque drone a 15 de Maio, reparou em certas disparidades nos detalhes relatados por testemunhas oculares e por fontes oficiais. “Tais discrepâncias são comuns e raramente são objecto de concordância”, segundo Khan.

Exasperados pela negligência e indiferença presente na face das pessoas no Waziristão, especialmente aqueles que dizem que não têm nenhum lugar para se esconder, o jornalista e o assistente social iniciaram um “bombardeamento” de questões, sendo nós mesmos o alvo.

“Se os E.U.A. tivessem um bom sistema de informações secretas e atingissem os seus alvos com o primeiro ataque,” pergunta Safdar, “porque é que seria necessário um segundo? Se já atingiram o alvo militar suposto, então, porque é que disparam outra vez?”

“Quem é que concedeu a licença para matar e em que tribunal? Quem é que declarou que podem atingir quem quiserem?”

“Quantos ‘alvos de elevada urgência’ poderiam eventualmente existir?”

“Que tipo de democracia é a América,” pergunta Safdar, “onde as pessoas não questionam estes assuntos?”

A confiança em armas de guerra robóticas aumentou exponencialmente, desde a administração Bush para a administração Obama, com muito pouco debate e discussão públicos significativos. Mais do que nunca, é verdade que os EUA não querem que os seus corpos façam parte do cenário de guerra; não há assim tanto interesse no consentimento da opinião pública. Tudo o que é essencial é o seu dinheiro.

Contudo, recebe-se o que se paga nos EUA. O assistente social e o jornalista asseguraram-nos que todos os sobreviventes sentem um enorme ódio face aos Estados Unidos. “É um problema concreto e real,” disse Safdar, “este crescente ódio.”

23 de Maio de 2010

Kathy Kelly ( [email protected] ) e Josh Brollier ( [email protected] ) são coordenadores da organização Voices for Creative Nonviolence www.vcnv.org

Tradução de João Tiago Branco para o Esquerda.net

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