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A Diplomacia das mentiras
Nenhum candidato presidencial, muito menos um democrata a nadar em dinheiro dos "banksters" [banqueiros-gangsters] americanos, como lhes chamou Franklin Roosevelt, pode ou vai desafiar um sistema militarizado que o controla e recompensa. A função de Obama é apresentar uma face benigna, mesmo progressista, que vai fazer reviver as pretensões democráticas da América, internacional e domesticamente, ao mesmo tempo que se assegura que nada muda de substancial.
Por John Pilger, Socialist Worker
Em 1992, Mark Higson, o representante britânico do Ministério dos Negócios Estrangeiros oficialmente responsável pelo Iraque, compareceu perante o inquérito Scott sobre o escândalo das armas vendidas ilegalmente a Saddam Hussein. Ele descreveu uma "cultura de mentira" no seio do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Perguntei-lhe com que frequência os ministérios, os seus membros e representantes mentiam ao Parlamento.
"É sistemático," disse ele. "Os esboços das cartas que escrevi para vários ministérios diziam que nada tinha mudado, que o embargo às vendas de armas para o Iraque continuava."
"E isso era verdade?" Perguntei.
"Não, não era verdade."
"E os seus superiores sabiam que isso não era verdade?"
"Sim."
"Então a que quantidade de verdade é que o público teve acesso?"
"O público teve o máximo de verdade possível, dado que nós dissemos mentiras extremas."
Desde o envolvimento britânico com o grupo genocida Khmer Vermelho no Cambodja, ao fornecimento de aviões de combate ao ditador indonésio Suharto, sabendo que ele estava a bombardear civis em Timor Leste, e a recusa de fornecimento de vacinas e de ajuda humanitária às crianças iraquianas, o meu conhecimento do Ministério dos Negócios Estrangeiros mostra-me que Higson tinha e continua a ter razão.
No momento em que escrevo este artigo, as pessoas expropriadas de Chagos Island, no oceano Índico, aguardam a decisão dos Senhores da Lei, esperando uma repetição dos quatro julgamentos anteriores que concluíram que a sua expulsão brutal para abrir caminho à instalação de uma base militar dos Estados Unidos da América foi "ultrajante", "ilegal" e "repugnante".
O facto de eles terem de aguentar ainda outro recurso deve-se ao Ministério do Estrangeiro - cujo conselheiro legal em 1968, um Anthony Ivall Aust (pronuncia-se "oarst" e desde então feito cavaleiro), escreveu um documento secreto com o título "Mantendo a ficção". Nele aconselhou o na altura governo trabalhista britânico a "argumentar" com a "ficção" de que os Chagossians eram apenas uma população flutuante". Hoje a ilha principal, Diego Garcia, que se encontra despovoada, e sobre a qual ondula a Union Jack, serve "a guerra contra o terror", como um centro de interrogatório e tortura norte-americano.
* * *
Quando levamos estes factos em conta, a corrida presidencial norte-americana torna-se surreal. A beatificação do presidente Barack Obama já está em curso; porque é ele que "desafia a América para se levantar [e] evocar 'os melhores anjos da nossa natureza'", diz a revista Rolling Stone, recordando os apelos semelhantes dos redactores do Guardian ao "místico" Blair.
Como sempre, é necessário o Teste de Inversão de Orwell. Obama afirma que a vasta riqueza da sua campanha vem de pequenos doadores individuais, todavia ele também recebe fundos de alguns dos mais notórios saqueadores de Wall Street. Além disso, a "pomba" e o "candidato da mudança" votou repetidamente a favor dos fundos para as guerras de rapina de George W. Bush, e agora exige mais guerra no Afeganistão, ao mesmo tempo que ameaça bombardear o Paquistão.
Desdenhando das democracias populares na América Latina como se fossem um "vácuo" a ser preenchido pelos Estados Unidos, Obama endossou o direito da Colômbia de "atacar terroristas que procuram refúgio fora das suas fronteiras". Traduzindo, isto significa o "direito" do criminoso regime que existe naquele país de invadir os vizinhos, nomeadamente a atrevida Venezuela, em nome de Washington.
O grupo britânico de direitos humanos Justiça para a Colômbia acabou de publicar um estudo sobre o apoio anglo-americano ao regime colombiano de Álvaro Uribe, que é responsável por mais de 90% de todos os casos de tortura. Os principais torturadores, as "forças de segurança", são treinados pelos norte-americanos e britânicos. O Foreign Office [Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico] responde que está a "melhorar o registo de direitos humanos dos militares e a combater o tráfico de drogas." O estudo não encontra uma migalha de evidência que sustente estas afirmações, e há oficiais colombianos com registos bárbaros, como os implicados no assassinato de um dirigente sindical, que são convidados para "seminários" britânicos.
Como em muitas partes do mundo, o papel britânico é o de subcontratador de Washington. O sangrento "Plano Colômbia" foi desenhado por Bill Clinton, o último presidente democrata e inspirador do Novo Trabalhismo de Blair e de Brown. A administração de Clinton foi pelo menos tão violenta quanto a de Bush - vejam o relatório da Unicef de que 500 mil crianças iraquianas morreram como consequência do bloqueio anglo-americano nos anos 90.
A lição disto é que nenhum candidato presidencial, muito menos um democrata a nadar em dinheiro dos "banksters" [banqueiros-gangsters] americanos, como lhes chamou Franklin Roosevelt, pode ou vai desafiar um sistema militarizado que o controla e recompensa. A função de Obama é apresentar uma face benigna, mesmo progressista, que vai fazer reviver as pretensões democráticas da América, internacional e domesticamente, ao mesmo tempo que se assegura que nada muda de substancial.
Entre os americanos comuns e desesperados por uma vida segura, a sua cor de pele pode ajudá-lo a reconquistar esta injustificada "verdade", mesmo que a cor seja semelhante à de Colin Powell, que mentiu às Nações Unidas por Bush e agora apoia Obama.
E para nós todos, não será a altura de abrir os olhos e exercer o nosso direito de que não nos mintam outra vez?
John Pilger é um famoso repórter investigativo e documentarista que já foi considerado pelo diário britânico Guardian "o mais brilhante jornalista do mundo de hoje". É também autor de numerosos livros. JohnPilger.com
Publicado originalmente no New Statesman.
Tradução de Manuel Sá e Luis Leiria
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