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Defende-se o racismo em nome “do direito ao disparate” e quiçá da ciência

A OPINIÃO DE  MAMADOU BA, DO SOS RACISMO

"Os Josés Pachecos Pereiras, Josés Manuéis Fernandes, as Estheres Muczniks e todos os arautos do “politicamente incorrecto”, terão de fazer uma escolha clara: encarar o racismo, no seu sentido mais lato como uma ameaça aos valores da humanidade, como uma aberração que nenhum direito ao disparate pode levianamente banalizar e estratificar."

 

A diarreia verbal do senhor Watson nem sequer nos mereceria a pena de se perder tempo em discutir as suas atoardas pseudo científicas não fosse o coro estridente dos agora detractores do “politicamente correcto” que, de forma célere, vieram a terreiro em sua defesa. Perdão, “em defesa da liberdade de expressão”!!. Encabeçado pelo inevitável José Pacheco Pereira e pelo inefável José Manuel Fernandes, este exército de defesa do “politicamente incorrecto”, encontrou no “direito ao disparate” o último escudo para cerrar as fileiras na defesa do senhor Watson. Não, perdão, na defesa  da liberdade de expressão!

Em nome do direito ao disparate, defende-se o que de mais ignóbil e hediondo encerra a teoria racista eugenista e pseudo científica do senhor Watson. A verdade é que a invocação “do direito ao disparate” serve apenas para que esses senhores continuem a sua batalha ideológica desterrada nas catacumbas do racismo primário e ordinário imaculado de cientificidade: a superioridade da “raça branca.” José Manuel Fernandes banalizou o “direito ao disparate” como se fosse uma mera incontinência qualquer. Incontinência cerebral esta, que permite a todos os pseudo “politicamente incorrectos” de reafirmarem, além de outras barbáries a que nós têm habituados sobre a pretensa superioridade civilizacional do Ocidente em relação ao resto do mundo, o racismo mais primário e mais vil, porque subtil e cobardemente expresso.

Porém, desenganem-se aqueles que relativizam esta nova era do tal “direito ao disparate”, porque de facto, ela consubstancia claramente uma ofensiva ideológica para reforçar a hegemonia cultural da Direita conservadora e retrógrada, procurando fazer vingar o machismo, o sexismo e o racismo. E não se podia ter encontrado melhor embaixador para tal batalha ideológica que o senhor Watson que se notabilizou pela sua homofobia, o seu sexismo e o seu entusiasmo em defender o eugenismo. O que é certo é que, o seu “génio” científico não o eximiu o de ser um inenarrável imbecil e um óptimo porta-voz do ideal WASP (White, Anglo-Saxon and Protestant ou como às vezes também se diz, White, American, Southern and Protestant). Esta sigla que é a matriz do modelo ideológico da mais reaccionária direita americana constitui o pano de fundo de todas as teses racistas, sexistas e homófobas.

Não resta a menor dúvida de que “a polémica Watson” é somente um pretexto para José Pacheco Pereira, José Manuel Fernandes e muitos outros cronistas – mor do neo-conservadores portugueses afirmarem alto e bom-tom o que sempre pensaram: não podem deixar de assumir a presunçosa superioridade da “civilização ocidental”.

Senão vejamos: em tese na cabeça do José Manuel Fernandes temos dois reaccionários disparatados: Watson e Ahmadinejade.

Watson esse, pode “ter o direito ao disparate” mas o Ahmadinejade não pode. E se “disparatar” tem de ser perseguido e punido pelos seus “disparates” e em nome “dos limites do inadmissível”. Esta dualidade de critérios no acesso “ao direito ao disparate” resume-se basicamente a isto: o racismo no ocidente é uma coisa diferente do racismo noutro lugar qualquer do mundo!

Ou seja, o racismo assumido por um ocidental pode configurar apenas um disparate e como ele não pode deixar de ter o direito de ser disparatado, daí não virá mal nenhum ao mundo!

Esta banalização do racismo procura falaciosamente impor a sua negação em nome da liberdade de expressão!

E para isto, vale tudo, desde aceitar-se e defender-se o neonazismo em nome do princípio da liberdade de opinião. Escandalosamente, José Pacheco Pereira vai candidamente, lembrando-nos que Mário Machado, um assassino racista e criminoso de delito comum, é um “preso político”! Disse ainda, o iluminado Pacheco Pereira que o racismo não é crime “num país verdadeiramente liberal!”

Aliás para perceber que estas posições de Pacheco Pereira constituem uma linha de combate ideológico, basta ver como, falaciosa e desonestamente ele tenta sempre pôr a extrema esquerda e a extrema direita no mesmo saco, não se coibindo, no entanto, de se arvorar em advogado desta última. Como se a questão fosse de esgrima no espectro político e não absoluta e substancialmente de valores!

O combate dos ideólogos do centrão direitoso é pôr em causa os valores socialmente consensuais, tais como o anti-racismo, o direito à diferença, a igualdade, etc. Valores esses adquiridos como sendo intocáveis e invioláveis pela maioria das sociedades contemporâneas.

A propósito de disparates, José Manuel Fernandes, disparatadamente ou não (saberá ele melhor de que ninguém) deve gostar muito da litania da senhora Esther Mucznik que mantém uma crónica no jornal Público, cuja maior parte é sim, um perfeito disparate!

Numa recente crónica sua no Público, isto a propósito da profanação do cemitério judaico de Lisboa pelos skinheads neonazis, a senhora Mucznik indignou-se com o racismo puro que representava tal acto hediondo. Mostrou-se “profundamente chocada” com o crescimento da Extrema direita que, reconhecia ela, o SOS Racismo denunciara e bem dias antes, mas a senhora Mucznik não se impediu de insinuar que houve mais silêncios do que manifestações de indignação! E que tais silêncios indiciariam leituras políticas perfeitamente localizáveis: o anti-sionismo e o anti-semitismo de extrema-esquerda teriam contaminado algumas organizações anti-racistas, como é o caso do SOS Racismo. Já agora e se nos perguntássemos nós também acerca dos silêncios da senhora Mucznik? O que pensa do “direito ao disparate”? Onde andou durante esses anos todos quando se denunciava o crescimento do racismo em Portugal como consequência do próprio crescimento da extrema direita e das políticas de imigração repressivas e xenófobas? Porque sempre se preocupou mais com o médio-oriente, o Ahmadinejade e não com o crescimento da extrema direita em Portugal? O que tem a dizer sobre a limpeza étnica dos palestinianos pelo Estado de Israel? O que tem a dizer sobre o terrorismo de Estado? Que comentários lhe merecem a verborreia racista e violenta do escritor Martin Amis?

Quem ainda nunca respondeu a nenhuma destas perguntas nada mais tem a dizer sobre os silêncios dos outros, ao não ser que se arrogue “do direito ao disparate.”

Para quem, o Ocidente não pode estar preso aos “seus crimes” históricos para não travar a guerra das civilizações, nada mais tem a ensinar a ninguém! Para quem o colonialismo e a escravatura para ter o estatuto de crimes, só podem estar entre parêntesis, nada melhor terá a fazer senão realmente calar-se! E para quem não hesitou em pôr em causa o trabalho jornalístico de uma jornalista do Público, escrevendo “O lirismo da linguagem não consegue encobrir a parcialidade flagrante... Alexandra Lucas Coelho pode saber muita coisa, mas o que não sabe com certeza é que nunca se comparam sofrimentos. É um exercício indecente e imoral […] que seleccionar e privilegiar sofrimentos em detrimentos de outros é o principio da desumanização? Tal como cada vida humana é única e insubstituível, assim é com o sofrimento, vale por si e não é comparável…” (Público , 2-09-06)

Ora ai está a luta contra o racismo, o anti-semitismo, a extrema-direita só pode ser um compromisso real e universal em nome dos valores da humanidade, de toda a humanidade.

Os Josés Pachecos Pereiras, Josés Manuéis Fernandes, as Estheres Muczniks e todos os arautos do “politicamente incorrecto”, terão de fazer uma escolha clara: encarar o racismo, no seu sentido mais lato como uma ameaça aos valores da humanidade, como uma aberração que nenhum direito ao disparate pode levianamente banalizar e estratificar.

(...)

Neste dossier:

Extrema-direita à portuguesa

O grupo neonazi Frente Nacional vai a julgamento responder à acusação de discriminação racial e dezenas de crimes de delito comum. Publicamos de novo o dossier que elaborámos em Outubro de 2007.

Defende-se o racismo em nome “do direito ao disparate” e quiçá da ciência

A OPINIÃO DE  MAMADOU BA, DO SOS RACISMO

"Os Josés Pachecos Pereiras, Josés Manuéis Fernandes, as Estheres Muczniks e todos os arautos do “politicamente incorrecto”, terão de fazer uma escolha clara: encarar o racismo, no seu sentido mais lato como uma ameaça aos valores da humanidade, como uma aberração que nenhum direito ao disparate pode levianamente banalizar e estratificar."

Política e violência: a extrema-direita em Portugal

Em Portugal falar de extrema-direita é recordar os casos mais mediáticos que trouxeram para a Praça Pública o crescimento deste fenómeno. O primeiro foi o assassinato em 1989 de José Carvalho, dirigente do Partido Socialista Revolucionário, à porta da sede do partido. O outro caso foi em 1995 quando um grupo de vários Skinheads de extrema-direita, comemoravam no Bairro Alto, em Lisboa, o Dia da Raça (denominação dada para o dia 10 de Junho – dia de Portugal, de Camões e das Comunidades). Confrontos, que se seguiram ao jantar organizado pelo Skinheads, culminaram no assassínio de Alcino Monteiro, morto à pancada.

As origens do movimento skinhead

Ao contrário do que à primeira vista possamos pensar, a origem do movimento skinhead é muito diversa e rica e pouco tem a ver com o que se passa hoje. Está relacionada com grupos de jovens que tinham em comum o gosto pela música e as vivências dos subúrbios em Inglaterra. Muitos desses jovens eram inclusive imigrantes provenientes da Jamaica.

O que são os Hammerskins?

A Hammerskin Nation tem origem em Dallas no final dos anos 80 e depressa se expandiu pelo resto dos Estados Unidos, recrutando através da música que incita ao ódio racial. Hoje é considerado o grupo neo-nazi mais violento e melhor organizado nos Estados Unidos. Composto quase exclusivamente por homens, defendem a supremacia branca e consideram-se a “elite dos skinheads”. Em Portugal, o grupo é liderado por Mário Machado e oito dos arguidos no processo dos neo-nazis pertencem ao “capítulo” português.

O que defendem os skinheads racistas?

De acordo com os seus próprios escritos, o movimento skinhead assume-se como nacionalista, encarando a nação enquanto uma comunidade étnica e cultural e defendem a história e a cultura intransigentemente; racialista, uma vez que são as raças que criam as civilizações e as nações; “socialista” porque o mais importante é a comunidade étnica e como tal nenhuma classe se pode subjugar a outra; ecologista e até democrata: “entendemos que os nossos pontos de vistas só poderão ser postos em prática se forem compreendidos e aceites por grande parte da população”.

A acusação

Os crimes de que são acusados os 36 arguidos no processo vão desde a injúria, dano, instigação pública a um crime, introdução em local vedado ao público, sequestro, instigação racial, detenção de arma proibida, coacção agravada, ameaças e ofensas à integridade física qualificada. Todos eles detinham armas ilegais e todos são acusados do crime de discriminação racial, punível pelo artigo 240º do Código Penal português com pena até oito anos para quem participe em organizações com as características da Frente Nacional, liderada pelos hammerskins de Mário Machado.

A extrema-direita ao assalto dos partidos legais

Aparentemente, o último ponto do artigo 46º da Constituição não podia ser mais claro: “Não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista”. Mas isso não impediu a legalização e a participação eleitoral da extrema-direita em Portugal nesta década. O verdadeiro adversário da sua entrada no espectro partidário português não foi o Tribunal Constitucional, foi a disposição legal que obriga à recolha de 5000 assinaturas de cidadãos eleitores.

Profanador do cemitério judaico participou no espancamento a seguir à vigília da “matança de Lisboa”

A notícia tem um mês e chocou o país: dois skinheads neo-nazis, membros da Frente Nacional, entraram à noite no cemitério judaico de Lisboa e deixaram um rasto de destruição, profanando 17 campas e pintando graffitis com suásticas e outra simbologia nazi na pedra dos túmulos. Chegaram mesmo a defecar em duas campas antes de serem apanhados em flagrante pela PSP, alertada por um transeunte que estranhou o barulho vindo do cemitério.

Tráfico de armas, drogas e mulheres: O submundo da extrema-direita

Uma das linhas da investigação policial é o financiamento das actividades da extrema-direita em Portugal. Embora esteja fora do processo que vai a julgamento, os indícios recolhidos neste e noutros processos permitem perceber como era financiada a infra-estrutura do grupo de Mário Machado e Vasco Leitão. O negócio da segurança privada continua a ser uma das fontes de rendimento do grupo, com elementos recrutados, por exemplo, nas claques de futebol. O grupo 1143, que fazia parte da Juventude Leonina – onde Machado e outros dos acusados iniciaram o contacto com o movimento skinhead neo-nazi – é um viveiro de militantes da Frente Nacional, e oito dos seus membros foram constituídos arguidos neste processo.