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De Biko a Guantanamo: 30 anos de envolvimento dos médicos na tortura
Nesta semana assinala-se o trigésimo aniversário da morte do activista anti-apartheid Steve Biko. Biko morreu enquanto estava detido pela polícia de segurança Sul Africana. Inicialmente, o Ministro da Justiça afirmou que Biko tinha morrido devido a uma greve de fome, mas a verdade é que a investigação revelou que morreu devido às consequências das feridas na cabeça provocadas durante os interrogatórios policiais, e igualmente devido ao tratamento inadequado que recebeu dos dois médicos que trataram dele, incluindo a falsificação de relatórios.
Artigo da revista The Lancet
As autoridades responsáveis não tomaram medidas firmes, e foi apenas graças aos esforços e cooperação informal de vários médicos que Benjamim Tucker, um dos médicos que havia tratado Biko, foi considerado culpado de conduta imprópria e foi expulso da ordem dos médicos. O outro médico, Ivor Lang, foi igualmente considerado culpado por conduta imprópria, mas foi apenas sancionado com uma multa e uma repreensão.1(1)
Existem grandes semelhanças entre o caso de Biko e o actual papel dos médicos do exército americano em Guantánamo e na guerra contra o terrorismo em geral.
No ano passado 2(2), nós considerámos que os médicos de Guantánamo que alimentaram à força prisioneiros em greve de fome deviam ser denunciados aos respectivos corpos profissionais por violarem as normas éticas internacionais. Um de nós (DJN) fez uma queixa formal às organizações de médicos da Geórgia e da Califórnia, bem como à Associação Médica Americana (AMA), já que o último chefe hospitalar de Guantánamo, John Edmondson, era membro desta associação 3(3).
Passados 18 meses, ainda não havia qualquer resposta da AMA, as autoridades californianas afirmaram que "não têm capacidade jurídica para investigar incidentes ocorridos numa base militar ou instalação federal" e as autoridades da Georgia declararam que "a queixa foi investigada" mas "as autoridades médicas concluíram que não haviam provas suficientes que suportassem a acusação". Por outro lado, um relatório do Colégio Real de Médicos (Royal College od Physicians) concluiu que "em Inglaterra, isto constituiria um acto criminal".
O Governo do Reino Unido recusou um pedido da Associação Médica Britânica para que um grupo de médicos independentes contactasse directamente os detidos 4(4), e, até agora, não houve nenhum relatório formal sobre os três alegados suicídios que ocorreram em Guantánamo em Junho de 2006.
A resolução do caso Biko constituiu um instrumento para a reabilitação das autoridades médicas sul-africanas, que estiveram sujeitas a boicotes sucessivos durante o apartheid. Pelo contrário, a renitência das autoridades médicas americanas em actuar no caso de Guantánamo, está a prejudicar a reputação da medicina militar dos EUA. Nenhum funcionário ligado à medicina na guerra contra o terrorismo foi acusado ou condenado por qualquer delito significativo, apesar de numerosas instâncias documentarem relatórios fraudulentos sobre prisioneiros que morreram devido a interrogatórios falhados Miles SH. Oath betrayed: torture, medical complicity and the War on Terror. New York: Random House, 2006.5(5).
Suspeitamos que os médicos em Guantánamo e não só, cometeram o mesmo erro de Tucker, que, em 1991, ao expressar os seus remorsos e procurando ser reintegrado profissionalmente, afirmou: "Perdi gradualmente a independência profissional e tornei-me demasiado identificado com os organismos do Estado, especialmente com a Polícia... Acabei por me aperceber que a primeira responsabilidade de um médico é o bem-estar do seu paciente, que não pode ser subordinado a considerações exteriores" (1).
A atitude do sistema médico dos EUA encaixa na seguinte descrição: "Não vejo nenhuma maldade, não oiço nenhuma maldade, não falo em nenhuma maldade".
DJN revelou o relatório de um prisioneiro a quem foi alegadamente negada assistência médica depois de ter sido pedida pelo seu advogado, e escreveu uma declaração judicial com esta revelação. Não obteve nenhuma compensação pelo seu trabalho.
1 McLean GR, Jenkins T. The Steve Biko affair: a case study in Medical Ethics. Dev World Bioethics 2003; 3: 77-102.
2 Nicholl DJ, Atkinson HG, Kalk J, et al, on behalf of 255 other doctors. Forcefeeding and restraint of Guantanamo Bay hunger strikers. Lancet 2006; 367: 811.
3 Nicholl DJ. Guantanamo: a call for action. Good men need to do something. BMJ 2006; 332: 854-55.
4 Nicholl DJ and 119 other doctors. Doctors at Guantanamo. The Times Sept 18, 2006. (accessed Aug 10, 2007).
5 Miles SH. Oath betrayed: torture, medical complicity and the War on Terror. New York: Random House, 2006.
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