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Comissão Global declara falhanço da "guerra às drogas"

Kofi Annan, Mario Vargas Llosa, Fernando Henrique Cardoso, Javier Solana, George Shultz e Carlos Fuentes são algumas das personalidades que compõem a Comissão Global sobre Política de Drogas. No relatório agora apresentado, defendem que é preciso olhar para caminhos alternativos, já que "a guerra global às drogas falhou".
Relatório da Comissão Global sobre Política de Drogas

A guerra global às drogas falhou, com consequências devastadoras para as pessoas e sociedades por todo o mundo. Cinquenta anos passados desde o arranque da Convenção das Nações Unidas sobre Drogas, e quarenta anos após o presidente Nixon ter declarado a guerra do governo dos Estados Unidos à droga, precisam-se com urgência de reformas fundamentais das políticas de controlo das drogas a nível nacional e global.

A despesa imensa na criminalização e medidas repressivas direccionadas aos produtores e consumidores de drogas ilegais falharam claramente o corte efectivo da oferta ou do consumo. As vitórias aparentes da eliminação duma fonte ou organização traficante são desmentidas quase instantaneamente pelo surgimento de outras fontes de tráfico. Os esforços repressivos sobre os consumidores impedem as medidas de saúde pública para reduzir o VIH/SIDA, as mortes por overdose e outras consequências nocivas do consumo de drogas. A despesa governamental em estratégias fúteis de combate ao tráfico e de encarceramento afastam investimentos com maior relação custo-benefício e mais baseada em factos para a redução da procura e de danos.

Os nossos princípios e recomendações podem ser resumidos assim:

Fim da criminalização, marginalização e estigmatização das pessoas que usam drogas e não prejudicam ninguém. Desafiar em vez de reforçar os equívocos sobre os mercados, o uso e a dependência de drogas.

Encorajar as experiências dos governos com modelos de regulação legal das drogas para enfraquecer o poder do crime organizado e salvaguardar a saúde e a segurança dos seus cidadãos. Esta recomendação aplica-se especialmente à canábis, mas também encorajamos outras experiências de descriminalização e regulação legal que possam cumprir estes objectivos e proporcionar modelos para outros.

Oferta de saúde e serviços de tratamento para quem precisa. Assegurar que as várias modalidades de tratamento estão disponíveis, incluindo não apenas o da metadona e buprenorfina mas também os programas de tratamento assistido com heroína que foi bem sucedido em países europeus e no Canadá. Implementar o acesso às seringas e outros programas de redução de danos que provaram a sua eficácia na redução do contágio do VIH/SIDA e outras doenças transmitidas pelo sangue, bem como as overdoses. Respeitar os direitos humanos dos utilizadores de drogas. Abolir as práticas abusivas praticadas em nome do tratamento - como a detenção forçada, trabalho forçado, abuso físico e psicológico - que infringem as normas e padrões dos direitos humanos ou que retiram o direito à auto-determinação.

Aplicar muitas das medidas e princípios acima mencionados em relação às pessoas que estão no fundo da cadeia dos mercados ilegais de drogas, como os agricultores, correios e pequenos traficantes. Muitos deles são vítimas de violência e intimidação ou dependentes de drogas. A detenção e encarceramento de dezenas de milhões destas pessoas nas últimas décadas encheu as prisões e destruiu vidas e famílias sem reduzir a disponibilidade de drogas ilegais ou o poder das organizações criminosas.  Parece quase não existir limite para o número de pessoas dispostas a envolver-se nessas actividades para melhorar as suas vidas, ajudar a família ou então escapar a pobreza. Os recursos para o controlo de drogas serão melhor empregues noutras áreas.

Investir nas actividades que possam em primeiro lugar prevenir o consumo de drogas na juventude e também prevenir que quem já usa drogas possa desenvolver problemas mais graves. Evitar as mensagens simplistas do tipo "diz não à droga" e políticas de "tolerância zero" e apostar no esforço de educação fundada em informação credível e programas de prevenção centrados nas habilidades sociais e na influência dos colegas . Os esforços de prevenção melhor sucedidos  poderão ser os dirigidos a grupos de risco específicos.

Dirigir as acções repressivas contra as organizações criminosas violentas, fazendo-o de forma que o seu poder e raio de influência saiam debilitados, ao mesmo tempo que é dada prioridade à redução da violência e da intimidação. Os esforços de aplicação da lei não se devem focar na redução dos mercados de drogas por si, mas sim na redução de danos para as pessoas, comunidades e segurança nacional.

Começar a transformação do regime global de proibição das drogas. Substituir as políticas e estratégias guiadas pela conveniência política e ideológica por polítivas fiscais responsáveis e estratégias fundadas na ciência, saúde, segurança e direitos humanos - e adoptar critériosapropriados para a sua avaliação. Rever a classificação das drogas, que resultou em anomalias evidentes como a falhada categorização da canábis, folha de coca e MDMA. Assegurar que as convenções internacionais são interpretadas e/ou revistas para conterem as fortes experiências com a redução de danos, descriminalização e políticas de regulação legal.

Quebrar o tabu neste debate e reformar. O tempo de agir é agora.
 



Os membros da Comissão:
Asma Jahangir, activista dos Direitos Humanos, antigo Relator Especial das Nações Unidas sobre Execuções Sumárias, Arbitrárias e Extrajudiciais, Paquistão

Carlos Fuentes, escritor e intelectual, México

César Gaviria, antigo Presidente da Colômbia

Ernesto Zedillo, antigo Presidente do México

Fernando Henrique Cardoso, antigo Presidente do Brasil (preside a esta comissão)

George Papandreou, Primeiro Ministro da Grécia

George P. Shultz, antigo Secretário de Estado, EUA (presidente honorário desta comissão)

Javier Solana, antigo Alto Representante da União Europeia para a Política Externa e de Segurança Comum, Espanha

John Whitehead, banqueiro e funcionário público, presidente do World Trade Center Memorial Foundation, EUA

Kofi Annan, antigo Secretário Geral das Nações Unidas, Gana

Louise Arbour, antigo Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Presidente do International Crisis Group, Canadá

Maria Cattaui, membro da administração do Petroplus Holdings, antigo Secretário Geral da Câmara Internacional de Comércio, Suíça

Mario Vargas Llosa, escritor e intelectual, Peru

Marion Caspers-Merk, former State Secretary at the German Federal Ministry of Health

Michel Kazatchkine,  director executivo do Fundo Global para o Combate à SIDA, Tuberculose e Malária, França

Paul Volcker, antigo Presidente da Reserva Federal dos Estados Unidos e do Conselho da Recuperação Económica, EUA

Richard Branson, empresário, defensor de causas sociais, fundador do Virgin Group, co-fundador de The Elders, Reino Unido

Ruth Dreifuss, antigo Presidente da Suíça e Ministro do Interior

Thorvald Stoltenberg, antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros e Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Noruega

Ver relatório completo

(...)

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