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Carta da Confederação de Estudantes do Chile ao Presidente Piñera

Através do presente documento queremos intimar o Governo do Presidente Sebastián Piñera a manifestar de forma clara a sua posição relativamente às exigências seguintes, que representam temas fundamentais, omitidos ou abordados com ambiguidade e ineficácia.
Manifestação estudantil no Chile: Confech pede um debate nacional informado. Foto de reporteos

Carta da Confech ao Presidente Piñera

Santiago, 23 de Agosto de 2011

Senhor Sebastián Piñera E.

Presidente da República de Chile

Pessoal e por mão própria

Os estudantes de todo o território chileno debateram profundamente o actual sistema educativo e fizeram um diagnóstico bastante crítico mas certeiro. De entre as consequências que este sistema desregulado e individualista provocou, denunciam:

*A desigualdade nos mecanismos de acesso ao ensino superior que segregam a população estudantil em instituições de diversa índole, discriminando-a pela sua situação sócio-económica e não pelas capacidades ou aptidões dos estudantes.

* Actualmente descobrem-se instituições educativas que utilizam os sonhos de milhares de famílias chilenas como meio para obter lucros. Esta concepção da educação vista como um bem de consumo gerou falsas expectativas nos estudantes, que, enganados por instituições que publicitam educação de qualidade, vêem frustrada a sua única oportunidade de desenvolver plenamente as suas capacidades.

* O autofinanciamento do sistema educativo condicionou profundamente as capacidades de tornar economicamente solventes as instituições públicas de educação, privando-as de desempenhar de uma forma rigorosa a sua missão de desenvolvimento local e nacional e obrigando-as a competir injustamente com as instituições privadas. Além disso, e por motivos económicos, muitas famílias partilham a incerteza de não conseguir aceder ao direito à educação dos seus filhos, num país onde as propinas são das mais elevadas do mundo, tendo de hipotecar o seu futuro com créditos na banca privada e sendo, muitas vezes, obrigadas a escolher no seu núcleo familiar que filhos podem ou não educar.

 

Os cidadãos compreenderam que este sistema não aguenta mais e que é necessária uma reviravolta, uma mudança de paradigma, passando de uma educação encarada como um bem de consumo e financiada pelas famílias, para uma educação vista como um direito social, que deve ser garantido pelo Estado.

Fomos acusados de intransigência, de não termos querido entrar em diálogo. O Governo, no entanto, apesar de conhecer bem as nossas exigências, optou por revelar as suas últimas posições através da imprensa, numa evidente manifestação de insegurança, intransigência e ausência de vontade política para debater acordos.

Através do presente documento queremos intimar o Governo do Presidente Sebastián Piñeraa manifestar de forma clara a sua posição relativamente às exigências seguintes, que representam temas fundamentais, omitidos ou abordados com ambiguidade e ineficácia.

 

  1. A Educação, encarada como plataforma de construção do conhecimento ao serviço do desenvolvimento social, cultural e económico do nosso país, garantida constitucionalmente como Direito Social e definida como uma Educação pública gratuita e de qualidade ao serviço do país. A Educação não deve ser entendida como um bem de consumo, que subsidia a procura através da banca, com o Estado a relegar para segundo plano as instituições públicas em prol das privadas.

  2. Garantir fundos básicos e liberdade de utilização dos mesmos às Universidades do Conselho de Reitores, com ênfase nas universidades estatais regionais, permitindo-lhes assim pôr fim ao autofinanciamento e oferecendo-lhes mecanismos para desenvolver cabalmente a sua função regional e nacional.

  3. Eliminação da banca privada no financiamento da Educação. Tentamos acabar quer com o endividamento das famílias, quer também com o das instituições públicas mais fragilizadas. Acabar com o Crédito com Aval do Estado que significou um dispêndio desmedido de recursos públicos e das famílias.

  4. Fim efectivo do lucro em todo o sistema de educação chileno, tanto no ensino básico, como no médio e no superior. A educação não pode ser concebida como um meio para um negócio que não garante nem qualidade, nem equidade.

  5. Gerar novas formas de acesso ao Ensino Superior, como propedêuticos e provas de acordo com a área de especialização, que garantam o acesso, permanência e ascensão dos estudantes provenientes dos sectores mais vulneráveis da nossa sociedade, em especial dos estudantes com necessidades educativas especiais.

  6. Garantir que as instituições educativas promovam uma educação de qualidade, uma educação integral e entendida como um todo, uma educação que não esteja submetida aos indicadores administrativos como o SIMCE e a PSU1. Terá de haver um esforço específico para assegurar a qualidade da educação pública, na persecução do desenvolvimento local e nacional.

  7. Eliminar todos os entraves legais que proíbem a organização e participação dos diversos grupos que configuram o sistema educativo, garantindo a participação democrática das comunidades educativas no desenvolvimento das diversas instituições de educação.

  8. Criação de uma rede técnica estatal em todos os níveis, articulados entre si.

  9. Criação de uma carreira docente com maior estabilidade laboral e melhoria da situação contratual. Gerando com isso, também, um ambiente escolar propício à aprendizagem e ao ensino, à formação contínua e à preparação da actividade lectiva.

  10. Fim da gestão municipal da Educação Básica e Secundária e criação de um novo sistema de Educação Pública, de carácter descentralizado, que dependa do Ministério da Educação. Todos os estabelecimentos de ensino deverão depender administrativa e financeiramente de este novo sistema de Educação Pública.

  11. Fim do financiamento partilhado, que gerou uma segregação intolerável numa sociedade que aspira a um desenvolvimento igualitário.

  12. Garantir os direitos educativos e linguísticos dos povos nativos presentes no convénio 169 OIT e na lei 19.253 e reconhecer juridicamente as residências estudantis mapuches.

 

Através destas propostas que consideramos vitais para um novo projecto educativo e social, solicitamos que esclareça a sua posição relativamente a estes pontos. Desta forma será possível um debate nacional informado sobre as várias posições e paradigmas que reflectem diversas formas de conceber a sociedade.

Confederação de Estudantes do Chile

http://www.sentidoscomunes.cl/diario/2011/08/carta-de-la-confech-a-pinera/

http://cuadernosdeeducacion.wordpress.com/2011/08/26/carta-de-la-confech-al-presidente-pinera

1 SIMCE: Sistema de Medição da Qualidade da Educação; PSU: Provas de Selecção Universitária.

(...)

Neste dossier:

Revolta estudantil no Chile

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O outro 11 de setembro: a tragédia chilena

O militante brasileiro Waldo Mermelstein vivia no Chile e foi testemunha do processo revolucionário e do golpe que vitimou milhares de pessoas e impôs o modelo precursor do neoliberalismo. Quarenta e um anos depois republicamos este artigo de 2011.

Estudantes procuram acabar com a herança de Pinochet

Em três meses de mobilizações massivas, os estudantes chilenos mudaram a face do país. Nunca nos últimos vinte anos os protestos foram tão importantes como estes. Renascem os sonhos de Allende. Por Víctor de la Fuente

Manifesto de Historiadores: Revolução antineoliberal social/estudantil no Chile

Apesar de corresponder a um momento novo da política e da história social pós-ditadura, a revolta estudantil este só pode compreender-se a partir da perspectiva mais ampla da historicidade do século XX no Chile.

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