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BES e PT: uma relação antiga que acabou mal

Com a crise provocada pela aplicação ruinosa em dívida dos Espírito Santo, ficou bem à vista o poder deste grupo financeiro nas decisões da PT e a importância desta no financiamento do grupo.
Foto Miguel A. Lopes/Lusa

A participação no capital da PT foi sempre a jóia da coroa da carteira de investimento do Grupo Espírito Santo. Não admira portanto que no final dos anos 90, quando a PT repartiu com a Telefónica e a MCI o mercado brasileiro de telecomunicações, ficando com a Telesp por ocasião da privatização da Telebrás, foi o BES que esteve por detrás da operação financeira de internacionalização da PT. A empresa dirigida por Murteira Nabo acabou por pagar mais 500 milhões de dólares do que a concorrência, mas Salgado declarou a compra “uma brilhante vitória da PT e de todos os portugueses”.

A aplicação de boa parte da tesouraria e fundos da PT em empresas ligadas ao BES e à Ongoing foi uma prática corrente das sucessivas administrações da ultima década, aumentando os laços de dependência entre a empresa e o grupo financeiro. Com a aplicação de 900 milhões em dívida da Rioforte, entretanto falida, esses laços acabaram por sufocar a PT na altura em que negociava a fusão com a Oi, comprometendo toda a operação de transformar a nova empresa num grande operador do mercado lusófono.

O livro “O Último Banqueiro”, de Maria João Babo e Maria João Gago, conta como os líderes do BES e da PT, antigos colegas de faculdade, almoçavam juntos algumas vezes por ano para decidir negócios como por exemplo a compra de 10% da BES Saúde pela PT, ou a contratação de Rodrigo Costa e Zeinal Bava. Nas palavras de Murteira Nabo, Salgado era uma espécie de “acionista-de-referência-conselheiro”.

Sendo a PT o grande investimento estratégico dos Espírito Santo, não foi surpresa que o BES tenha assumido a oposição à OPA da Sonae em 2006. Salgado opunha-se ao preço oferecido por Belmiro de Azevedo e à intenção anunciada pelo dono da Sonae de vender a operação no Brasil, que a PT detinha sob a marca Vivo, com 50% do capital. Nessa altura o BES detinha 8,36% da PT, cujo maior acionista era a espanhola Telefonica, com 9,96% do capital, e favorável à OPA de Belmiro.

Nos 13 meses que durou o processo desde o anúncio da OPA até à decisão dos acionistas que na prática chumbaram, impedindo a “desblindagem dos estatutos”, a estrutura acionista da PT mudou, favorecendo as posições do BES e aliados. Salgado escolheu Henrique Granadeiro para liderar a empresa e combater a oferta de Belmiro. Com o apoio do BES Investimento, Granadeiro prometeu aos acionistas dividendos maiores do que a Sonae oferecia. Por seu lado, Salgado reforçou a posição do BES no capital da PT e facilitou a entrada ou o reforço de novos acionistas contra a OPA, como Joe Berardo, a Olivedesportos e a Ongoing.

O livro “Jogos de Poder”, de Paulo Pena, conta como a Ongoing era a “sede alternativa para os que se opunham à OPA, e não podiam ser vistos na PT”. Liderada por Nuno Vasconcellos e Rafael Mora, nomeado a semana passada administrador executivo da Oi, ambos tornaram-se administradores da PT após o fracasso da OPA. Com as torneiras do crédito abertas no BES - mas também no BCP, onde Rafael Mora foi um dos principais conselheiros de Paulo Teixeira Pinto -, a empresa aproveita os dividendos para reforçar a posição na PT, e compra mais ações com recurso ao crédito, oferecendo como garantia dos empréstimos as ações adquiridas. E em poucos anos passa a deter participações acionistas importantes quer no BES quer no BCP, ao mesmo tempo que gere fundos de investimento sedeados no Luxemburgo com dinheiro vindo do BES e da PT. A participação da Ongoing foi entretanto transferida para a RS Holdings, mantendo-se nas mãos da família Rocha dos Santos, e vale hoje 10,05%  da PT, sensivelmente a mesma fatia detida pelo BES.

A aplicação de boa parte da tesouraria e fundos da PT em empresas ligadas ao BES e à Ongoing foi uma prática corrente das sucessivas administrações da ultima década, aumentando os laços de dependência entre a empresa e o grupo financeiro. Com a aplicação de 900 milhões em dívida da Rioforte, entretanto falida, esses laços acabaram por sufocar a PT na altura em que negociava a fusão com a Oi, comprometendo toda a operação de transformar a nova empresa num grande operador do mercado lusófono.

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