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“Afirmação de um direito de dignidade, de autonomia e de liberdade pessoal”

Em entrevista ao Esquerda.net, o deputado bloquista José Manuel Pureza defendeu que “importa reconhecer na lei o direito de todos/as de decidirem livremente que, em termos da dignidade que exigem para toda a sua vida, chegou o momento do fim” e o direito dos/as médicos de acederem ao “pedido de ajuda para concretizar essa decisão, sem estarem sujeitos/as a pena de prisão”.

Deve existir em Portugal legislação que regulamente a morte assistida, como já acontece em alguns países? Porquê?
A lei portuguesa em vigor pune com pena de prisão até 3 anos o profissional de saúde que auxilie ativamente quem lhe pedir para pôr termo ao seu sofrimento atroz pondo fim ao que o/a próprio/a já não considera ser uma vida minimamente digna mas apenas a sobrevivência de um corpo. Esta solução legal revela-se cruel diante da realidade do sofrimento de alguém que não tem outro horizonte que não seja o da perpetuação e agravamento desse sofrimento, mesmo que disfarçado por sedação e inconsciência. Mais que tudo, importa reconhecer na lei o direito de todos/as de decidirem livremente que, em termos da dignidade que exigem para toda a sua vida, chegou o momento do fim e o direito dos/as médicos de responderem 'sim' ou de responderem 'não' ao pedido de ajuda para concretizar essa decisão, sem estarem sujeitos/as a pena de prisão.

A aposta na rede de cuidados paliativos e um eficaz controlo da dor não esgotariam a necessidade de legislar nesse sentido?
A prestação de cuidados paliativos de qualidade é um direito que tem que ter expressão numa rede nacional pública, incluída no Serviço Nacional de Saúde com cobertura universal. Lamentavelmente, iniciativas legislativas no passado recente dirigidas à instalação de uma tal rede foram reprovadas por muitos dos que agora contrapõem, de modo pouco sério, cuidados paliativos ao direito a morrer com auxílio médico. Mas, além disso, um olhar sério sobre esta questão manda que se reconheça que os cuidados paliativos não dão resposta cabal a muitas situações de fim de vida com sofrimento atroz nem dão resposta a quem tomou, em liberdade e em consciência, a decisão de não se submeter a um fim de vida vegetativo envolto em doses maciças de sedativos e de corticosteroides.

Antes de avançar com um debate sobre esta matéria não faria sentido priorizar o investimento na rede de cuidados paliativos?
Por aquilo que acabei de referir, não há nenhuma razão séria para fazer depender o debate sobre o direito à morte medicamente assistida do funcionamento ótimo de uma rede nacional de cuidados paliativos no quadro do Serviço Nacional de Saúde. Essa rede é necessária, é mesmo fundamental, mas não é sério colocar as duas hipóteses em alternativa. Uma não exclui a outra. Defender um serviço público ou um negócio privado não pode ser causa para negar um direito fundamental de dignidade seja a quem for.

O Manifesto pelo direito a morrer com dignidade foi subscrito por mais de cem personalidades de vários quadrantes da sociedade portuguesa e a petição pela despenalização da morte assistida já reúne mais de 7500 assinaturas. Considera que este é um sinal de que as pessoas sentem necessidade de debater este assunto?
Devemos à coragem do movimento extraordinariamente plural que lançou o Manifesto pelo direito a morrer com dignidade a quebra de um tabu que persistia há tempo demais na sociedade portuguesa. O eco desse manifesto foi de grande dimensão e a grande adesão social à petição pública entretanto aberta à subscrição dá conta disso. Ficou aberto um debate que tem vindo a ser feito, quase sempre, com rigor e serenidade, ainda que a tentação de trazer à superfície fantasmas e outros bloqueamentos emerja de quando em vez. Sendo um problema que é especialmente sensível para o universo dos profissionais de saúde, trata-se de uma realidade em que é a cidadania democrática, como um todo, que está em causa. É preciso que este debate se faça de forma muito participada e que todos, incluindo os partidos políticos, assumam as suas responsabilidades para com uma sociedade com pluralidade de crenças e de visões da vida e da morte. O que está em causa é a tolerância que deve ser chave de regulação numa sociedade assim, onde não pode haver lugar ao arremesso de uma crença contra as outras ou à tomada de visões da vida como reféns por uma outra que se dá a si mesma o direito de se impor sobre as demais.

É favorável a um referendo sobre a despenalização da morte assistida?
A enorme adesão, social e culturalmente muito diversa, ao manifesto pelo direito a morrer com dignidade e a tão ampla subscrição pública da petição entretanto surgida fazem crer que, se houvesse um referendo, a vitória do reconhecimento da morte medicamente assistida seria clara. Ainda assim, porque não se trata de um campeonato de trivialidades mas da afirmação de um direito de dignidade, de autonomia e de liberdade pessoal, a realização de um referendo é inadequada. A liberdade e a dignidade de cada um/a não se referendam, reconhecem-se ou não se reconhecem na lei.

Há quem conteste a legitimidade do Parlamento legislar sobre esta maneira em virtude dos programas eleitorais dos partidos não incluírem a eutanásia. Mesmo assim, o Bloco mantém a intenção de avançar? E quando?
O Bloco não mudou o seu programa, apenas apresentou um manifesto eleitoral com a síntese das suas propostas políticas mais relevantes adequadas ao foco central do que de mais essencial estava em disputa nas eleições de outubro. No seu programa, o Bloco mantém a necessidade de reconhecer a todos/as o direito de decidir ter chegado o momento em que ainda é possível preservar um fim de vida com condições de dignidade e o direito dos/as médicos/as a responderem afirmativamente ao pedido nesse sentido feito em liberdade e consciência sem incorrerem em crime punível com pena de prisão.

Face ao intenso debate aberto pelo manifesto em favor do direito a morrer com dignidade, o Bloco entendeu clarificar, sem hesitações, a sua posição: apresentaremos um Projeto de Lei que consagre o reconhecimento desse direito. Não temos nisso urgência mas não permitiremos que o assunto continue eternamente adiado. Agora é o tempo de todos/as debaterem, nos mais diversos contextos, esta questão importante. O tabu está quebrado e esse é o passo mais importante de todos. Amadurecido o debate, os partidos terão que assumir as suas responsabilidades. O Bloco fá-lo-á.

(...)

Neste dossier:

Morte Digna

Em Portugal está aberto o debate sobre a despenalização da morte assistida. Em causa está um direito fundamental: o direito a morrer com dignidade, à autonomia e liberdade individual de cada um e de cada uma. Dossier organizado por Mariana Carneiro.  

Todo o cidadão é dono da sua vida e do seu corpo

Sou a favor da despenalização da eutanásia ativa voluntária e do suicídio assistido não só devido à minha vivência como médico mas também à minha formação filosófica. Artigo de Jaime Teixeira Mendes.

O que é a morte assistida?

Nas vésperas da votação sobre a morte assistida no Parlamento, o Esquerda.net republica um artigo de 2016 que procura explicar conceitos relacionados com a eutanásia e o suicídio assistido e esclarecer algumas questões relativas aos cuidados paliativos e ao Testamento Vital. Informação compilada por Bruno Maia.

Morte assistida em Portugal: Uma realidade escondida

Somam-se as vozes de médicos e outros profissionais de saúde que confirmam a prática da eutanásia nos hospitais portugueses. Fora dos meios hospitalares, a compra de medicamentos pela internet permite que a morte chegue pelo correio, com todos os riscos que a situação acarreta.

Morte Assistida pelo Mundo

A eutanásia propriamente dita só existe na Holanda e na Bélgica. Os restantes países legislaram sobre o suicídio assistido, com mais ou menos regras, com mais ou menos possibilidades.

 

Bibliografia e vídeos sobre morte assistida

Neste artigo, o Esquerda.net disponibiliza uma compilação de bibliografia e de vídeos sobre o tema da morte assistida.

Morte assistida vs Cuidados Paliativos: Desfazer equívocos

Desde que nascemos há uma certeza que nos assiste: um dia, iremos morrer. Mas, apesar desta inevitabilidade, a morte arrasta consigo debates intensos. Artigo de Cristina Andrade.

“Afirmação de um direito de dignidade, de autonomia e de liberdade pessoal”

Em entrevista ao Esquerda.net, o deputado bloquista José Manuel Pureza defendeu que “importa reconhecer na lei o direito de todos/as de decidirem livremente que, em termos da dignidade que exigem para toda a sua vida, chegou o momento do fim” e o direito dos/as médicos de acederem ao “pedido de ajuda para concretizar essa decisão, sem estarem sujeitos/as a pena de prisão”.

A despenalização da morte assistida ou a cultura do respeito

Aqui defende-se que cada uma e cada um possa, (auto)definir-se, escolhendo as suas escolhas, traçando os seus planos de vida, mesmo que nada disto encontre o conforto da maioria da adesão social. Artigo de Isabel Moreira.

Em nome de uma ética da liberdade e da tolerância, digo sim à morte assistida

A poucos dias de novo debate parlamentar sobre a despenalização da morte assistida, republicamos este artigo de João Semedo, em fevereiro de 2016, acerca de uma das causas a que dedicou os últimos anos de vida.

Morrer sim, mas devagarinho?

Aceitar a legalização da eutanásia exige-nos a capacidade de aceitar que o “outro em sofrimento” não queira viver um pesadelo existencial sem outra saída que não seja a morte. Artigo de Francisco Teixeira da Mota.

Da minha dignidade decido eu

O paternalismo está a roer todos os valores; é um vírus que ataca regularmente a melhor ideia que a humanidade teve, aquela que dá pelo nome de Declaração Universal dos Direitos do Homem. Artigo de Inês Pedrosa.

Manifesto e Petição: Pelo direito a morrer com dignidade

O Manifesto em Defesa da Despenalização da Morte Assistida foi subscrito por mais de cem personalidades de vários quadrantes da sociedade portuguesa e mais de 7.700 pessoas já assinaram a petição Pelo Direito a Morrer com Dignidade, que será debatida em plenário da Assembleia da República.