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“Ocaso da Primeira República (1924-1933)”

Numa das sessões do Socialismo 2010, Luís Farinha fez uma comunicação sobre o “Ocaso da Primeira República (1924-1933)”. Uma década na qual “o país experimentou um clima de confronto institucional fora do comum”.

Texto de Luís Farinha, investigador do Instituto de História Contemporânea da FSCH.
 

Ocaso da Primeira República (1924-1933)

“O meu propósito é ir contra a acção nefasta de todos os políticos e dos partidos e de pôr fim a uma ditadura de políticos irresponsáveis.”
General Gomes da Costa, comandante das forças militares que derrubaram a República, em 28 de Maio de 1926

Em finais de 1925, o poder político legalmente constituído (Parlamento, Governo e Presidente da República) mostrou-se incapaz de corresponder aos anseios de mudança e, muito menos, de pôr freio à fronda anticonstitucional e conspirativa que se havia constituído a partir de 1923.

Durante cerca de uma década (1923-1933), o país experimentou um clima de confronto institucional fora do comum, com eclosão de inúmeras intentonas militares e, depois do Golpe Militar de 28 de Maio de 1926, de uma guerra civil larvar e intermitente, opondo a direita antiliberal e anticonstitucional aos sectores republicanos democráticos e liberais que resistiam à destruição do regime constitucional implantado em 1910. No final desse período, António de Oliveira Salazar (e os salazaristas) haviam conseguido federar as direitas antiliberais e antidemocráticas e implantado um regime corporativo, só nominalmente republicano. Do novo regime em construção tinham desaparecido os partidos políticos, os sindicatos livres, a liberdade de imprensa e a luta de classes manifestava-se de forma controlada, sujeita ao freio brutal de uma força conjugada das polícias políticas, dos tribunais especiais, com apoio declarado dos sectores da tropa que mantinham a Ditadura Militar. 

Instigadora de uma participação na Primeira Grande Guerra (por razões de estratégia colonial e de reconhecimento internacional do novo regime), a Primeira República não conseguiu superar – como acontecera em praticamente toda a Europa -, os “anos loucos” que se seguiram ao primeiro conflito mundial. Uma inflação galopante, acompanhada pela desvalorização dramática do escudo e por uma crise de subsistências a que as epidemias (do tifo e da pneumónica) acrescentavam um toque de tragédia, fizeram dos anos do pós-guerra um período de difícil governabilidade, em regime de confronto partidário e constitucional.

Pouco preparados para a mudança, os partidos republicanos ensaiaram todas as soluções constitucionais, reformaram-se por cisão ou por fusão em novas formações partidárias, renovaram as lideranças, mas não conseguiram encontrar respostas adequadas para a complexa situação política do momento. Descontente com a “desordem” existente, a direita constitucional (agrupada no Partido Nacionalista em 1923) foi-se circunscrevendo a um campo praticamente insignificante: a maioria das forças de direita passou a competir fora do jogo democrático: alarmou o país com a imprensa que adquiriu e foi mudando editorialmente (à medida dos seus interesses), aliciou os militares vindos da Guerra (muito descontentes) para o golpismo militar e preparou-se para tomar o poder pela força das armas. Do ponto de vista institucional, a situação política continuava hegemonizada pelo Partido Democrático que, na ânsia de secar todas as tendências à sua esquerda, as mantinha sob a sua alçada ou as derrotava no Parlamento à primeira oportunidade, como aconteceu com os governos de Álvaro de Castro (1924) ou de José Domingues dos Santos (1925): “reinava”, mas não governava. Com esta política sectária, não só se perdia o partido como se afundava a República.

Em 28 de Maio de 1926, dois grandes blocos se juntaram para subverter a situação constitucional por golpe militar. Um, de cariz liberal e democrático, que pensava poder regenerar o regime através da implantação de uma “ditadura temporária” e a formação de um “governo extrapartidário de competências”, sem a obstrução do Parlamento. Passado algum tempo, defendia este bloco – liderado militarmente pelo comandante Mendes Cabeçadas e com o apoio político da União Liberal Republicana de Cunha Leal -, o País regressaria à normalidade constitucional, na base de um sistema político reequilibrado em torno de dois grandes blocos políticos, um à esquerda e outro à direita, os dois dispostos a disputar o poder através do jogo democrático.

Um outro bloco, antiliberal e antidemocrático, ansiava por uma ditadura definitiva, ou antes, pela constitucionalização de um Governo ditatorial, como aqueles que a Europa ia conhecendo, da Espanha à Polónia, passando pelo caso mais sui generis da Itália mussoliniana. Este bloco era apoiado pela direita anticonstitucional – alguma dela antirepublicana -, com grande sustentação na numerosa “tenentada” aquartelada e já sem a incumbência da Guerra, nos pequenos grupos de extrema-direita com simpatias fascistas e, muito especialmente, na reacção católica e conservadora das antigas classes afastadas do poder pela República em 1910. Elegeram um nome de prestígio para os comandar numa marcha militar de Braga a Lisboa – o general Gomes da Costa, um nome prestigiado do comando militar do país -, mas, na verdade, apenas a “farda” que escondia por detrás os verdadeiros detentores do poder e que tinham dado a conhecer o seu pensamento antiliberal na Revolta de 18 de Abril de 1925: Sinel de Cordes, Filomeno da Câmara, Raul Esteves, Óscar Carmona. Todos militares dispostos a hipotecar a República pluripartidária, as liberdades públicas e o regime em nome de uma “nova ordem”. 

A República não estava ainda definitivamente perdida, porque, logo em Julho, a esquerda republicana se organizou para resistir e para desalojar pela força os ditadores. Durante mais de uma década, o Reviralho fez sair à rua quatro grandes revoltas, algumas, como a de 3-7 de Fevereiro de 1927, no Porto e em Lisboa, movimentando milhares de homens e armas, numa guerra civil, larvar e intermitente, de vida ou morte. 

Em resposta a esta resistência, a Ditadura Militar armou-se de medidas excepcionais – Tribunais Militares Especiais, polícias políticas, censura, deportação e exílio de milhares de republicanos -, e ao fim de um quinqénio, substituira as instituições liberais e instalara uma nova elite política em todas as instâncias do poder. 

Não sem luta e resistência, a primeira experiência de modernização e democratização do país ficaria adiada por quase meio século, até 25 de Abril de 1974.

 

política: 
Socialismo 2010
(...)

Neste dossier:

Fórum Socialismo 2010

Neste dossier, agregamos todas as notícias e vídeos já publicados no esquerda.net sobre o Fórum Socialismo 2010. Divulgamos também os textos e apresentações de diferentes debates, elaborados pelos seus autores. Uma vasta fotogaleria está disponível no flickr. As fotos são de Paulete Matos.

A Grécia e Portugal: O que são CDS's

Neste debate, Mariana Mortágua fez uma apresentação com o título “A Grécia e os CDS”, que disponibilizamos, aqui em pdf.

Eco-socialismo

No debate “Ambientalismo de mercado vs eco-socialismo”, Ricardo Coelho fez uma apresentação que aqui divulgamos (aceda ao pdf) e divulgou um texto que publicamos, com o título “O que é o eco-socialismo?”.

Geopolítica do Petróleo

O debate sobre o tema Geopolítica do Petróleo foi apresentado pelo deputado do Bloco de Esquerda Pedro Filipe Soares, de quem publicamos aqui um texto com o mesmo título.

Impostos: Espíritos, letras e práticas

Publicamos aqui o texto “Espíritos, letras e práticas” (aceda ao texto em pdf) do deputado José Gusmão que coordenou o debate “Impostos: de onde vêm, para onde vão?” no Fórum Socialismo 2010.

Venezuelas

No debate sobre o tema "Venezuelas", Natasha Nunes apresentou uma comunicação. Aqui publicamos o seu texto “Venezuela: Ortodoxias e Heterodoxias da Política Económica e Social de Chávez”.

SNS: Nem rosa velho, nem laranja choque

No debate sobre o Serviço Nacional de Saúde participaram Sofia Crisóstomo e João Semedo. Publicamos aqui a apresentação feita pelo deputado João Semedo, SNS: Nem rosa velho, nem laranja choque. A resposta da esquerda (aceda aqui ao pdf).

Transporte ferroviário em Portugal

Publicamos neste dossier sobre o Fórum Socialismo 2010, a apresentação feita em Braga por Heitor de Sousa, economista e deputado do Bloco de Esquerda, sobre o tema questões do transporte ferroviário em Portugal (aceda aqui ao pdf).

“O ocaso da República”

Luís Farinha, Investigador no Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa falou ao esquerda.net sobre "O ocaso da República", tema que apresentou no Socialismo 2010 em Braga.

Luta dos trabalhadores na Europa

Florival Lança, antigo responsável pelo Departamento Internacional da CGTP, fala sobre as jornadas de luta dos trabalhadores europeus a 29 de Setembro.

Baixos salários e lutas do trabalho na China

Divulgamos a apresentação do tema “China: O império dos baixos salários e a onda grevista de 2010” (aceda ao pdf) feita por Carlos Santos.

Presidenciais: “Bloco é a única força que quer vitória para a esquerda”

Francisco Louçã resume neste vídeo as linhas essenciais da política do Bloco na rentrée, marcadas pelas lutas sociais, pelas eleições presidenciais e pelo Orçamento de Estado. 

Banco Público de Terras na Galiza (entrevista em vídeo)

Xosé Carballido Presas do Bloco Nacionalista Galego, que esteve presente no Socialismo 2010 fala da experiência do projecto do Banco Público de Terras na Galiza.

“Expor as verdadeiras motivações dos estados que promovem a guerra”

José Manuel Pureza, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, defendeu, no Fórum Socialismo 2010, que a cimeira da NATO de Lisboa, em Novembro, é uma oportunidade de “mobilização social em torno da paz, do humanismo e contra a guerra”. Leia também resumos de outras sessões.

“Qual o papel dos gestores milionários?”

No segundo dia do Socialismo 2010, uma das primeiras sessões de debate de ideias foi protagonizada por Jorge Costa, do secretariado do Bloco de Esquerda, com o tema “Qual o papel dos gestores milionários?”

“O direito ao emprego: trabalho ou preguiça?”

José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda, participou no segundo dia do Socialismo 2010 através de um debate de ideias baseado na questão: “O direito ao emprego: trabalho ou preguiça?”

“Máximo empenho na manifestação sindical europeia de 29/9”

Florival Lança, ex-responsável pela relações internacionais da CGTP, foi um dos convidados do segundo dia do Socialismo 2010 para um debate de ideias com o tema “A luta dos trabalhadores europeus”.

“Os direitos de autor têm futuro?”

Neil Leyton, artista-intérprete e autor, apresentou no Socialismo 2010 uma sessão de debate lançando a questão: “Os direito de autor têm futuro?” Aceda aqui à apresentação

Desafios da Europa: Prioridade tem de ser combate ao desemprego

Na sua intervenção no final do segundo dia do Fórum Socialismo 2010, que está a decorrer em Braga, a eurodeputada Marisa Matias falou sobre os desafios da Europa e defendeu a prioridade ao combate ao desemprego e a necessidade de articular a intervenção da esquerda com as lutas sociais.

“A recomposição da esquerda foi sempre o objectivo do Bloco”

Na abertura do Fórum Socialismo 2010, que decorre neste fim de semana em Braga, Luís Fazenda falou sobre a recomposição da esquerda, que “não se faz com receitas velhas”.

Banco Público de Terras no Socialismo 2010

Xosé Carballido Presas, do Conselho Nacional do Bloco Nacionalista Galego e da Comissão de Política Agrária do BNG, participou, com uma sessão sobre o Banco Público de Terras e a experiência ocorrida na Galiza. Leia aqui o texto da sua apresentação.

Os profetas do apocalipse económico

Os economistas João Rodrigues e Nuno Teles participaram com uma sessão intitulada "Entre os especuladores e a lumpenburguesia". Leia aqui o texto de apresentação sobre os profetas do apocalipse eonómico.

Socialismo 2010: Um apoio à jornada de luta de 29 de Setembro

Luís Fazenda, em entrevista ao esquerda.net, anunciou que o fórum seria “um ponto de encontro e de troca de ideias”, dele saindo também um forte apelo à participação na jornada europeia de luta de 29 de Setembro e um apoio vincado ao candidato presidencial Manuel Alegre.

Onda grevista na China

Diversos analistas internacionais consideram que estas greves marcam o fim da era dos baixos salários na China. Será assim? O tema estará em debate no Fórum Socialismo 2010, apresentado por Carlos Santos, sob o título: China, o império dos baixos salários e a onda grevista de 2010.

Cinema e Micro-Resistências

Numa das sessões da iniciativa Socialismo 2010, Laurent Chavanel e José Cardoso Marques trouxeram ao debate o cinema e a imagem, falando sobre "os circuitos que dão origem a órgãos que se agregam e formam bolsas de micro-resistências".

Há feminismo sem feministas?

Numa das sessões da iniciativa "Socialismo 2010 - Debates para a alternativa", Sofia Roque trouxe ao debate as ideias do movimento feminista, a auto-organização das mulheres e as relações entre marxismo e feminismo.

“Ocaso da Primeira República (1924-1933)”

Numa das sessões do Socialismo 2010, Luís Farinha fez uma comunicação sobre o “Ocaso da Primeira República (1924-1933)”. Uma década na qual “o país experimentou um clima de confronto institucional fora do comum”.

A recepção é a arma do povo?

Numa das sessões do Socialismo 2010, João Teixeira Lopes falou de arte e práticas culturais do ponto de vista da recepção, um tema "que ganha particular sentido num contexto de proliferação das práticas culturais doméstico-receptivas".