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“Na Venezuela vai ganhar o Sim”, entrevista com o general Alberto Müller Rojas

Um dos políticos mais emblemáticos da Revolução bolivariana, o general (na reforma) Alberto Müller Rojas defende e argumenta que, apesar dos esforços desestabilizadores da oposição, os venezuelanos apoiarão o Referendo Constitucional proposto pelo Presidente Hugo Chávez.

Entrevista de Rosa Miriam Elizalde, disponível em Rebelión

Está a desmoronar-se o processo bolivariano, como insiste permanentemente a oposição?

Pelo contrário, aqui manteve-se a governabilidade, como uma tentativa de realizar uma transição para um estado futuro, impossível de definir no meio de uma revolução global. Não se está a desmoronar a nação venezuelana, estão-se a desfazer todas as estruturas que responderam aos problemas do homem europeu no século XVI, que não são os que tem hoje a humanidade. Por exemplo, é imprescindível cuidar com extrema urgência dos chamados direitos de terceira geração, aqueles que têm a ver com a mudança climática ou com a explosão demográfica.

Refere-se à politização da Força Armada Nacional?

O apoliticismo é uma falácia. A força armada é a instituição mais política do Estado moderno. Como se sabe, a guerra é a continuação da política por outros meios. Se se trata de impor pela força uma ordem numa sociedade adversa, como fazem os Estados Unidos no Iraque, isso é uma acção absolutamente política. No Iraque os soldados norte-americanos estão a lutar para impor o neoliberalismo, nem mais nem menos.

Os integrantes da Força Armada venezuelana não são marcianos. Ali existem todas as correntes políticas na mesma proporção em que existem na população. Eu não posso crer que na FAN não há conservadores que sustentem a tese do mercado livre. Tem que haver porque são venezuelanos. Se se fizer uma sondagem, há a mesma proporção que na população, tal como sucedia na FAN em 1998. Lá estavam identificados e partidarizados os chefes militares e oficiais, e tu sabias que este é copeyano (partidário do partido Copei, democrata cristão), este é adeco (partidário de Acción Democrática, filiado na Internacional Socialista) e este, da esquerda. Recordo que os jornalistas tinham ficha sobre nós. Nas sociedades como a chilena, onde a força armada é recrutada nas classes altas, consegue-se certa homogeneidade e ainda assim foram assassinados por razões políticas os generais René Schneider, Carlos Prats e o pai da actual Presidente, Michelle Bachelet, que pertenceu à Força Aérea.

Porque é que velhos comunistas venezuelanos, alguns até ex-guerrilheiros, atacam hoje de modo tão violento o processo bolivariano, que trouxe conquistas pelas quais esses mesmos militantes arriscaram a vida?

Trata-se de uma esquerda ortodoxa. Estão contra Chávez porque são estalinistas. O estalinismo arruinou talvez a maior experiência socialista da história da humanidade. Por definição, o socialismo necessita da dialéctica. O socialismo não é o fim da história nem um trânsito para o fim da história, como previu Marx quando delineou a sociedade comunista num momento em quie o paradigma da ciência era determinista. Mas hoje a ciência é puramente possibilista. Se anulas as contradições no debate político, tornas-te conservador e o projecto socialista converte-se num meio e não num fim.

E o socialismo de Chávez?

Chávez é um homem que admite o debate e vive da dialéctica. O êxito de Chávez é a prática da dialéctica, na qual às vezes exagera. Ele gere as contradições a propósito, porque de outro modo não pode avançar nas suas políticas para chegar ao socialismo. Ganhou duas eleições consecutivas com uma maioria folgada, mas não tem muito tempo, nem espaço suficiente para executar as mudanças que reclama no país, por isso opta por uma Reforma Constitucional com ela alvoroçou o vespeiro, que o vai castigar duramente.

Como?

A abstenção vai ser alta, mas não tenho nenhuma dúvida de que o "sim" vai ganhar com cerca de 60%. Li a sondagem da empresa Alfredo Keller e Associados, que é totalmente preconceituosa na interpretação dos resultados, mas os números dizem claramente que ganha a Refomra com uma margem entre 15 e 20 pontos acima do "Não". Vão votar junto com Chávez mais de 30 por cento dos eleitores comprometidos com o chavismo duro e de uma parte do chavismo "light" e da direita "light", onde a tendência pode dar combinações cruzadas. Aqui há desde posições contrárias à reforma, porque há influência da feroz campanha da oposição com o tema da propriedade e o destino dos filhos e outras pessoas a favor da reforma, com algumas objecções.

Por exemplo...

Se eu não tivesse consciência da importância deste processo e a polarização que gerou, votaria pelo "Não" no segundo bloco, o que foi aprovado na Assembleia a 2 de Novembro, que modifica os artigos do estado de excepção. A dita Reforma em alguns casos deita para trás algumas coisas que tinham avançado em 1999, como o conceito de milícia. Então estava concebida para fazer da defesa uma função social e agora é enquadrada como uma corporação.

Como situa, neste contexto, as manifestações protagonizadas por estudantes de algumas universidades, opostos à reforma constitucional?

É contra natura. A juventude por muito que seja filha de pai conservador, tende a ser rebelde e revolucionária. O que está a acontecer na Venezuela é produto de uma alienação, de uma mediatização e não de uma rebelião estudantil autêntica.

Onde crê que conduzirão estas manifestações?

A nenhum lado. Não haverá violência, entre outras razões porque aos Estados Unidos não convém uma situação incontrolável na Venezuela. Os Estados Unidos estão acantonados geopoliticamente. A sua influência está reduzida ao seu território, ao México e ao Canadá.

Mas em 2002 os Estados Unidos apostaram na confrontação.

Aí sim a aposta foi válida para eles, mas agora é inoportuna. As condições favorecem Chávez para adiantar políticas e eles sabem perfeitamente que isto se está a passar em Venezuela com a Reforma, no fundo, é um assunto mais de acção que de retórica.

Outro dos elementos que como você diria tem revoltado o vespeiro foi a reeleição contínua. Qual é o seu ponto de vista sobre isso?

Até ao ano de 1998 o Congresso da República constituiu-se no espaço de negociação para os sócios do Pacto de Punto Fijo, e aí os seus membros eram permanentes, isto é, praticamente, podiam reeleger-se até que morressem. E, como se recordará, não existia a possibilidade de despojá-los do seu mandato por via referendária, hoje sim existe essa possibilidade com a reeleição contínua. Por outro lado, o poder popular é uma realidade, existe independentemente de se querer ou não. É um poder telúrico, que geralmente não tem uma orientação política. Simplesmente rebela-se contra regimes injustos ou restitui os que acha justos, como ocorreu em Abril de 2002. Aqui canalizou esse poder no movimento bolivariano. Não havia nem há outro líder, à excepção de Chávez, que o possa conduzir. Que possa ser eleito de maneira contínua não significa que possa perpetuar-se no poder. É algo que esse poder popular decidirá.

Para a oposição o governo do Presidente é militarista.

O militarismo é um fenómeno político que corresponde à preparação de uma sociedade para a guerra. Militarista neste momento são os Estados Unidos que utilizam como política o uso da força armada para impor a sua vontade. Mais militaristas foram os governos passados que tiraram inconstitucionalmente tropas a combater na América Central. Que os militares estejam na administração pública não é novo, eu fui governador do Estado de Amazonas na época de Lusinchi e e era General de divisão no activo. Aqui não se está a militarizar nada, está-se a civilizar a vida militar.

A proposta constitucional poderia constituir-se num indicador de qual deveria ser a direcção geral da política do Estado.

Que se está a passar neste momento na Força Armada?

Nada que não saibamos. A Força Armada Nacional não corresponde às características sociológicas que dominam no campo militar da América Latina, onde maioritariamente a oficialidade provém das classes acomodadas. Na Venezuela, a oficialidade e a tropa provêm das classes populares e isso explica porque é que a aristocracia e a burguesia venezuelanas odiaram sempre os militares. Não se pode desconhecer que esta é uma das razões do antagonismo contra Chávez, com também não se pode esquecer que no século XX, a partir do momento em que os militares se constituem numa força com Cipriano Castro, tiveram lugar dezasseis intervenções militares. Todas as rebeliões militares neste país - excepto a de 11 de Abril de 2002 - estiveram orientadas à esquerda. E outra característica: nunca foi dirigida por generais. Por isso quando escutei a alegação do general Raúl Baduel contra a Reforma Constitucional, disse que se a tivesse feito um tenente coronel tinha-me assustado. Mas não me assustam as declarações de generais.

Não o assustou, mas a posição do General Baduel surpreendeu-o?

Certamente que não. Ele foi meu ajudante quando eu era inspector geral da FAN, em 1983. Para começar, temos duas personalidades muito diferentes. Ele é muito formal e muito disciplinado, na aparência. Sempre a pregar a virtude - e eu nunca preguei a virtude, porque sou um pecador (ri-se). A actuação de Baduel em Maracay está intimamente ligada ao governador de Aragua e os discurso de Podemos, que é basicamente reformista, o da social-democracia. Não estão interessados numa revolução transformadora, mas sim em manter as velhas estruturas de poder. Para mim Baduel nunca foi chavista, mas sim um oportunista.

Que ocorrerá depois do Referendo, se ganhar o "Sim", como você acredita?

Acho que Chávez deve formar uma equipa de governo mais comprometida com o socialismo e mais eficaz politicamente, com maior capacidade administrativa. A liderança de Chávez é inquestionável. O povo o segue, mas entre o que ele diz e o que depois se faz há um hiato. Não se deve a falta de recursos financeiros, nem à falta de tempo, deve-se à incompetência dos administradores.

Não existe um sistema de segurança social, que é algo que está contemplado na reforma constitucional. Então há que resolver isso, como já se disse, e também os direitos de terceira geração que já mencionai.

General, durante quase 60 anos você esteve ligado directa ou indirectamente à Força Armada. Porque ingressou na Academia Militar?

Teve que ver com duas circunstâncias. Queria libertar-me da minha mãe, que era o autoritarismo encarnado num ser humano: se a mamã tivesse o posto do ditador Gómez, a matança em Venezuela teria sido terrível. A outra razão era porque o meu avô foi general e compadre de Cipriano Castro e por parte da família do meu pai, que era alemã, o meu tio também foi militar de carreira, comandante da defesa do cerco de Berlim. Sobrevivei à primeira e à segunda Guerra Mundial.

Teve que ver também com a sua paixão pela polémica?

Admito, sou um desbocado. Gosto de contrariar as pessoas, talvez pela resistência que desde criança fiz à minha mãe, que me dava uma sova e eu lhe respondia: "Não me importa". E assim é, nada me detém para defender os meus princípios. Vivo com o que tenho entre os meus dois parietais. Não tenho mais nada. O que mais amo na vida é a minha liberdade.

1 Alberto Müller Rojas, general reformado do exército venezuelano, ex-governador, ex-embaixador, perito em estratégia, foi chefe do Estado Maior Presidencial de Hugo Chávez até Junho de 2007, quando foi demitido por Chávez, declarando publicamente "Há forças de direita no processo. O presidente Chávez está sentado sobre um ninho de escorpiões".

(...)

Neste dossier:

Venezuela: Referendo da reforma constitucional

A 2 de Dezembro realizou-se o referendo que rejeitou a reforma constitucional na Venezuela proposta por Hugo Chávez. À votação da população esteve a proposta do presidente, aprovada pela Assembleia Nacional, de revisão de 69 dos 350 artigos da Constituição venezuelana.

“Estamos a viver a primeira revolução depois da Unidade Popular no Chile”

Entrevista com José Albornoz, deputado e secretário-geral do partido Pátria Para Todos - PPT, apoiante de Hugo Chávez e defensor do "Sim" no referendo à Reforma Constitucional. O PPT pertence à maioria chavista, mas tal como o Partido Comunista da Venezuela recusou dissolver-se e integrar o PSUV (Partido Socialista Unificado da Venezuela). Entrevista de Cláudia Jardim publicada em Brasil de Fato 

“Na Venezuela vai ganhar o Sim”, entrevista com o general Alberto Müller Rojas

Um dos políticos mais emblemáticos da Revolução bolivariana, o general (na reforma) Alberto Müller Rojas defende e argumenta que, apesar dos esforços desestabilizadores da oposição, os venezuelanos apoiarão o Referendo Constitucional proposto pelo Presidente Hugo Chávez.

Referendo: os blocos do “sim” e do “não”

No processo político formaram-se basicamente dois grandes blocos políticos, um pelo "sim" e o outro pelo "não". Pelo "sim" estão os apoiantes do presidente, pelo "não" estão os apoiantes da candidatura presidencial, derrotada em Dezembro passado, do governador de Zulia Manuel Rosales. O partido "Podemos" e alguns anteriores apoiantes de Chávez, como o antigo ministro da Defesa general Baduel, estão agora pelo "não" no referendo.

A democracia ainda goza de boa saúde

No dia 2 de Dezembro, os venezuelanos vão decidir, através do voto, sobre um conjunto de emendas à sua Constituição. Em termos gerais, as propostas foram apresentadas pelos meios de comunicação como um novo passo no caminho da ditadura. Isto acontece porque os grandes meios de comunicação costumam prescindir de qualquer ideia de equilíbrio e de objectividade quando informam sobre a Venezuela.

Orlando Chirino: “Existem três visões sobre a reforma constitucional”

Convidado por várias organizações sindicais do Panamá, o Coordenador da União Nacional de Trabalhadores, Orlando Chirino, participou em diversos debates sobre a situação política da Venezuela. Num deles com trabalhadores e empregados da Caixa de Seguro Social do Panamá e dirigentes de 15 sindicatos, o líder operário venezuelano assegurou que na conjuntura política nacional da Venezuela se debatem três visões sobre a reforma e sobre o futuro do país.

Razões para votar “Não”

Publicamos extractos do apelo a favor do "não" do general Raúl Baduel. Figura central do movimento bolivariano, Baduel foi um dos quatro fundadores do Movimiento Bolivariano Revolucionario-200, junto com Hugo Chávez, Jesús Urdaneta e Felipe Antonio Acosta Carlés em 17 de Dezembro de 1982. Foi ele que dirigiu a "Operação Resgate da Dignidade", como comandante da Brigada de Páraquedistas do Exército, que devolveu Chávez ao poder depois de ter sido derrubado pelo efémero golpe de Estado de Abril de 2002. Em Junho de 2006, Baduel foi nomeado Ministro da Defesa, cargo que manteve até Julho de 2007, quando passou à reserva e foi substituído.

Para compreender a reforma Constitucional

Começou o debate para os que amamos o debate, os que dizemos vivam as ideias, venham as ideias e começou para outros a grande loucura.
O que é importante no Projecto de Reforma?
O reflexo na lei magna da proibição da exploração dos trabalhadores (o capitalismo, estamos aí a combater o capitalismo).

Quais são as alterações à Constituição que vão a referendo?

A proposta de reforma constitucional que vai ser referendada implica na alteração de 69 dos 350 artigos da Constituição de 1999, na época considerada pelo presidente Hugo Chávez como a "melhor Constituição do mundo". O próprio Chávez propôs a modificação de 33 artigos da Carta; posteriormente, os deputados da Assembleia Nacional acrescentaram mais 36 artigos à proposta. Aqui se faz um resumo das principais alterações que estão em causa.