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A “lei Volkswagen” na mira da Comissão Europeia e do Tribunal

A Comissão Europeia vai procurar obter em tribunal uma nova alteração à chamada lei Volkswagen (VW), nomeadamente da cláusula que obriga a que decisões de fundo sejam tomadas com mais de 80% dos votos.

Texto Renato Soeiro, publicado no Esquerda.net em 15 de Setembro de 2008

Esta lei, aprovada há quase 50 anos, quando a VW foi privatizada, visava proteger uma empresa considerada estratégica para a Alemanha. Tinha agora acabado de ser alterada em vários pontos, na sequência de uma queixa da Comissão e sequente decisão do Tribunal de Justiça que a considerou violadora do princípio da livre circulação de capitais. No entanto, nas alterações efectuadas, os alemães recusaram-se a incluir a cláusula dos 80%.

Esta cláusula é objecto de especial disputa porque o Estado da Baixa Saxónia (a que pertence a cidade de Wolfsburg, onde se situa a fábrica-sede da empresa) é detentora de 20% do capital, o que lhe permite bloquear qualquer decisão de fecho ou deslocalização daquela fábrica ou eventualmente de outras fábricas da VW que existem no Estado, o que poderia acontecer sobretudo em caso de um take-over. A Porsche é já hoje o maior accionista da VW com 31% e várias empresas europeias do sector automóvel têm sido adquiridas por congéneres asiáticas.

Uma crise na VW, o maior fabricante europeu de automóveis e o maior empregador privado da região, será devastadora para a Baixa Saxónia e sobretudo para Wolfsburg, uma jovem cidade criada em 1938 pelos nazis para albergar os trabalhadores da VW e cuja vida ainda hoje depende dos empregos na fábrica de automóveis e nos seus fornecedores.

Entre os sindicatos e algumas autoridades alemãs aumenta a contestação a este ataque frontal da Comissão e do Tribunal ao direito de um Estado, no exercício da sua soberania, poder definir a política económica que considera melhor corresponder aos seus interesses.

Convém lembrar que outro recente acórdão do Tribunal de Justiça (caso Rüffert, ver texto publicado no Global / Jornal Esquerda nr. 28) tinha recusado a aplicação de uma outra lei deste mesmo Estado alemão, que obrigava os empreiteiros de obras públicas a pagar aos imigrantes o mesmo salário mínimo da construção civil que é pago aos operários alemães, o que o Tribunal considerou constituir uma restrição à livre prestação de serviços e um ataque à vantagem competitiva das empresas que utilizam mão de obra mais barata.

Mas nem só a Alemanha tem estado na mira da Comissão e do Tribunal. Depois dos casos contra os regimes de contratação colectiva e de direito à greve nos países nórdicos, um recente acórdão recusou ao Luxemburgo a aplicação de uma lei que visava melhorar a fiscalização da regularidade dos contratos dos trabalhadores estrangeiros destacados a prestar serviços no grão-ducado.

Em tempo de crise económica, agravam-se todas as contradições. Começam agora a ganhar mais importância os embates entre, por um lado, os neoliberais mais fundamentalistas, que consideram a livre circulação de capitais e de serviços como os pilares da UE e do mercado único e, por outro lado, alguns dos próprios Estados-Membros da União, que pretendem defender-se dos efeitos mais nefastos dessa política para garantir uma certa paz social dentro de casa, tida como fundamental quando se aproximam tempos difíceis de eleições.

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Sobre o/a autor(a)

Engenheiro Civil. Ativista do Bloco
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Neste dossier:

Dossier Volkswagen

A VW é um caso exemplar da importância da co-gestão e da participação dos trabalhadores nas decisões da empresa, consagradas na chamada "Lei VW", que legitima o poder decisório dos trabalhadores e condiciona o dos accionistas privados.

A União Europeia contra a Co-Gestão

A Volkswagen tem sido um exemplo da eficácia da co-gestão para conciliar o desenvolvimento empresarial com a defesa dos direitos dos trabalhadores. Mas esse exemplo está ameaçado pela União Europeia, que considera ilegal a limitação do poder de voto dos accionistas. A aquisição da VW pela Porsche pode pôr em causa os princípios de co-gestão que têm contribuído para o sucesso da Volkswagen.

A “lei Volkswagen” na mira da Comissão Europeia e do Tribunal

A Comissão Europeia vai procurar obter em tribunal uma nova alteração à chamada lei Volkswagen (VW), nomeadamente da cláusula que obriga a que decisões de fundo sejam tomadas com mais de 80% dos votos.

Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias declara a invalidade da Lei VW

O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias declarou a lei VW inválida. A lei, em vigor desde 1960, que limita os direitos de voto dos accionistas de VW a um máximo de 20% independentemente do valor da participação, colide com regulamentações europeias sobre a livre circulação de capitais.

Perguntas e respostas sobre a lei Volkswagen

A lei VW foi aprovada pelo Parlamento e entrou em vigor no ano de 1960, quando a sociedade por quotas “Fábrica Volkswagen” foi privatizada e transformada em sociedade anónima. A finalidade desta regulamentação foi a de assegurar a influência da participação estatal e proteger o grupo contra aquisições hostis. Para esse fim, a lei VW limitou o direito de voto de cada accionista ao máximo de 20% - mesmo quando ao investidor pertencia um montante de acções superior. Na nova redacção proposta para esta lei, esta disposição desaparece.

A Lei VW e a actual crise : Parte II - A aquisição da VW pela Porsche

32 anos depois de se criar a Lei sobre co-gestão que vigora na VW, a Porsche decidiu, numa lógica de “formiga que come o elefante”, comprar a marca VW. Através desta aquisição, a Porsche pretende controlar também a entidade financeira e as restantes marcas do grupo, tendo de imediato contestado a Lei Volkswagen, na parte em que se explicita que um accionista pode ter mais de 20% das acções mas não pode ter mais de 20% dos direitos de voto, como forma de contrariar eventuais pretensões hegemónicas.

A Lei Volkswagen e a actual crise: Parte I

No final da II Guerra, as forças Aliadas levaram avante o processo de produção do automóvel chamado “Carocha”. Foi assim que, em condições muito simples, começou a produção na Volkswagen, com uma equipa de trabalhadores quase sem experiência na construção automóvel.