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“Precisamos de uma nova lei que blinde o SNS e o proteja da predação privada”

Em entrevista ao esquerda.net, João Semedo afirma também que “os portugueses sabem bem que, sem SNS, a sua vida seria bem pior, sobretudo nos momentos mais difíceis”. No próximo sábado, o livro “Salvar o SNS – Uma nova Lei de Bases da Saúde para defender a Democracia”, de António Arnaut e João Semedo, será apresentado em Coimbra.
"O SNS atravessa uma profunda crise que vai agravar-se se nada for feito, entretanto, em sua defesa", alerta João Semedo - Foto de Paulete Matos
"O SNS atravessa uma profunda crise que vai agravar-se se nada for feito, entretanto, em sua defesa", alerta João Semedo - Foto de Paulete Matos

Entretanto, a petição para alterar a Lei de Bases para melhorar e valorizar o SNS foi entregue na Assembleia da República a 27 de dezembro de 2017 e, na internet, já foi assinada por 4.090 pessoas na internet.

- Porquê uma nova lei de bases da Saúde?

A atual lei de bases é filha da direita, é um produto do cavaquismo, desenvolve a tese “quem quer saúde paga-a”

A atual lei de bases é filha da direita, é um produto do cavaquismo, desenvolve a tese “quem quer saúde paga-a”, é a narrativa neoliberal do costume, “o privado é que é bom, o papel do Estado é pagar aos privados para que estes prestem os cuidados de saúde de que os portugueses precisam”. É a tentativa de transformar e reduzir o SNS a um banco público destinado a pagar aos privados os serviços de saúde que realizam, garantindo-lhes a rentabilidade e os lucros.

Aprovada em 1990, foi o tiro de partida para o assalto dos privados ao SNS e a construção de um chorudo negócio com a saúde dos portugueses, negócio que cresceu brutalmente nos últimos 15/20 anos, à custa do esvaziamento e degradação do SNS que perdeu profissionais – sobretudo médicos - financiamento, competências, capacidades, serviços e prestação de cuidados, para os grandes operadores privados. A transferência do público para o privado chegou à própria gestão dos hospitais públicos, caso das conhecidas PPP, negócio que vale 2.642 milhões de euros pagos pelo Estado até ao final dos contratos com os gestores privados.

- E quem ficou a perder foi o SNS?

O SNS já não responde a tempo e horas à procura crescente dos seus serviços

O resultado está á vista: o SNS atravessa uma profunda crise que vai agravar-se se nada for feito, entretanto, em sua defesa. O SNS já não responde a tempo e horas à procura crescente dos seus serviços, incapacidade que se traduz diariamente na dificuldade em obter uma consulta ou fazer um exame no hospital ou no centro de saúde, na longa espera nos serviços de urgência, nas cirurgias realizadas muito para além do tempo recomendado, nos 800 mil cidadãos sem médico de família, numa rede de cuidados continuados que está muito longe de satisfazer as necessidades, num modelo funcional e organizativo que não se adaptou à evolução do padrão da doença, da demografia, da sociedade, no envelhecimento de instalações e equipamentos.

E para recuperar o SNS é necessária uma nova lei de Bases?

Precisamos de uma nova lei que blinde o SNS e o proteja da predação privada, que ponha termo aos conflitos e à promiscuidade entre o interesse público e o interesse privado, que impeça a transferência de recursos públicos do SNS para os privados. É bom não esquecer que estes recursos são integralmente pagos com os impostos de todos os contribuintes e que fazem muita falta ao orçamento do SNS que cronicamente é subfinanciado.

Sem uma nova lei de bases não será possível salvar o SNS e fazê-lo regressar aos seus princípios fundadores

Sem uma nova lei de bases não será possível salvar o SNS e fazê-lo regressar aos seus princípios fundadores: um serviço de saúde universal, geral e gratuito, gerido exclusivamente pelo Estado a quem a Constituição atribui a responsabilidade de garantir o direito à saúde e de prestar os cuidados de saúde de que a população precisa.

- O que é preciso mudar no SNS?

Não basta uma nova lei, ela é condição necessária mas não suficiente para mudar o SNS; contudo, é indispensável mudar a lei de bases para ser possível “desprivatizar” áreas importantes do SNS. Precisamos de uma nova lei de bases em linha com a lei do SNS e não de uma lei de bases que colida e agrida o SNS.

Mudando a lei, podemos mudar muitas outras políticas que estão a destruir e a esvaziar o SNS. É premente regressar às carreiras profissionais e ao respeito pelos concursos como instrumento de valorização e progressão na carreira, valorizar o estatuto remuneratório dos profissionais, promover a exclusividade de médicos e outros técnicos de saúde, financiar o SNS de acordo com a despesa real e as necessidades da sua modernização e desenvolvimento, devolver os hospitais PPP à gestão pública, internalizar os cuidados transferidos para prestadores privados, garantir a especialização de todos os médicos, discriminar positivamente a medicina familiar e a saúde pública, atribuir um médico de família a cada cidadão, reformular a rede de serviços de urgência sobretudo nas grandes cidades e áreas meropolitanas, reforçar a rede de cuidados continuados e apostar nos cuidados domiciliários, implementar, como grande desígnio nacional, efectivas políticas de prevenção da doença e de promoção da saúde. E dar aos cidadãos um papel ativo e influente na condução dos serviços de saúde, mais participação cidadã.

Enfim, um mundo de mudanças que, além de tempo, exigem coragem política e coerência na decisão.

- Pode a iniciativa ser aprovada na AR nesta legislatura?

Neste debate há “linhas vermelhas”: É o caso das PPP

Se olharmos para o que têm sido ao longo dos anos as posições dos partidos que hoje dispõem de uma maioria no Parlamento – o Bloco, o PCP e o PS – essa aprovação é possível. Fizemos uma proposta, o debate no Parlamento e na sociedade pode e certamente vai melhorá-la, não apresentamos uma obra acabada e perfeita. Mas neste debate há “linhas vermelhas”, digamos assim. É o caso das PPP. O PS tem defendido a sua continuação e até tem responsabilidades no lançamento de algumas delas. As PPP só se justificam para ajudar os grupos privados a alavancar a sua atividade. Não trouxeram nada de novo à gestão pública a não ser mais custos: os lucros obtidos na gestão dos hospitais públicos saem do orçamento do SNS, agravam a despesa pública. A construção do futuro hospital de Lisboa será em regime de PPP, mas a sua gestão será exclusivamente pública. Se foi esta a opção do governo, por que razão mantém o governo em mãos privadas a gestão dos hospitais de Loures, Braga, V. F. Xira e Cascais? Não se entende.

Esperemos que o debate seja suficientemente esclarecedor e profundo para acabar de vez com ideias e políticas que só servem para proteger os interesses privados à custa do interesse e dos dinheiros públicos.

- O que é que cada um de nós pode fazer para esta iniciativa e para defender o SNS?

Uma nova lei de Bases da Saúde para salvar o SNS exige uma forte mobilização popular na sua discussão

Apesar de todos os ataques, a direita ainda não conseguiu acabar com o SNS. O SNS está enfraquecido, debilitado e fragilizado, mas os portugueses sabem bem que, sem SNS, a sua vida seria bem pior, sobretudo nos momentos mais difíceis. Por isso a causa do SNS é apadrinhada pela esmagadora maioria dos portugueses. São eles os grandes defensores do SNS, são eles o muro que tem impedido a direita de ir mais longe no ataque ao SNS.

Uma nova lei de Bases da Saúde para salvar o SNS exige uma forte mobilização popular na sua discussão, por todo o país, nos grandes e nos pequenos centros urbanos, no interior e no litoral. Será esta mobilização que fará da nova lei a lei de que o SNS precisa para continuar a ser o garante do direito à saúde e o regresso aos seus princípios fundadores. E será a mobilização popular o impulso indispensável para a sua aprovação pela maioria parlamentar que defende o SNS.


Lançamento do livro: Salvar o SNS – Uma nova Lei de Bases da Saúde para defender a Democracia, sábado, 6 de janeiro de 2018

Apresentação por D. Januário Torgal Ferreira e Manuel Alegre. Ver convite.
Coimbra, Antiga Igreja do Convento São Francisco, em Santa Clara (Av da Guarda Inglesa, nº 1 A), 15h30.

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