Está aqui
Depois de dia 17 de outubro nada será o mesmo
Não, não me refiro ao dia após mais uma grande vaga de incêndios em Portugal que voltou a matar 41 pessoas, depois de em junho, recordo, já terem morrido 64 em Pedrogão Grande. Não, não me refiro às chamas porque essas tenho a certeza que voltarão daqui a menos de um ano e todo o ciclo se repetirá.
Estudando no Instituto Superior Técnico (IST), o dia 17 marca outro acontecimento: a primeira reunião que poderá estar na génese da criação da secção autónoma LGBTQIA+ do IST a ser aprovada em Assembleia Geral de Alunos. Esta reunião foi divulgada no grupo de facebook do IST e em menos de 24h caíram mais de 200 comentários. Perdi alguns minutos desse meu dia 17 para ler por alto muitos desses comentários e me embasbacar (sim, é mesmo esse o termo) com a inépcia e boçalidade de muitos daqueles que frequentam a faculdade com as médias de entrada mais altas no nosso país. Reflitamos:
“A faculdade devia ser para as pessoas estudarem e se formarem, politiquices, agendas lgbt, ideologias de género e qualquer tipo de lavagens cerebrais deviam ser fora da faculdade. Para centro de doutrinação politica já chega a FCSH”
Ai é? Então e a formação não passa por analisar e perceber os problemas que se passam com a nossa sociedade? Ou isso é um problema menor que se deixa para os das ciências sociais? Discutir problemas é lavagem cerebral?
“Cultura gay... Daqui a bocado há cultura para africanos, cultura para ricos, cultura para incendiários… Cultura é cultura independentemente da pessoa”
A perda de identidade cultural é a pior coisa que pode acontecer a um povo (e quem diz povo, diz etnia, grupo minoritário) já que é através dessa identidade que podemos até dar sentido ao conceito de povo. Ler Camões não é o mesmo que ler Homero. Ouvir Zeca Afonso não é o mesmo que ouvir Mercedes Sosa. E, claro, deixe-me dizer-lhe, caro comentador de facebook, que dançar flamenco não é o mesmo que dançar tango.
(estes são dos poucos comentários que se aproveitam – seja em termos de conteúdo, seja em termos de português – naquele mar de ódio desconstrutivo, por isso vejam bem ao nível a que se chegou).
E isto leva-me ao título: depois de dia 17 nada será o mesmo; nada será o mesmo porque te apercebes que o IST (aquele espaço onde passas mais de 50% do teu dia) é um espaço homofóbico onde a cultura de pensamento para além da engenharia civil, eletrotécnica, etc, ainda deixa muito a desejar. Por outro lado, admito que o verdadeiro problema de muita daquela gente tenha que ver com a criação oficial de um grupo que pretende discutir problemas da comunidade LGBT. Daí o também clássico comentário: “O objetivo desta luta era ser aceite na sociedade e vocês no técnico são. Que se fale dos problemas lgbtqia+ onde eles existem e que se pare de falar deles onde já passaram”. Tal como no caso das mulheres depois de décadas de luta pela emancipação e direito ao voto, poder-se-ia ter dito: “Vocês já votam. Então agora andam para aí a gritar só porque em média recebem menos 30% que os homens?”. É o conformismo burguês de quem acha que está tudo bem no mundo e que não gosta de ser incomodado/a por aqueles que se atrevem a tentar mudar alguma coisa.
Em suma, antevejo as minhas próximas semanas na faculdade desta forma: vou estar na fila do bar e pensar que a pessoa que está a pedir a sopa atrás de mim escreveu “metade do país acabou de arder e andam para aí a discutir géneros e orientações sexuais... sem se referirem aos ecossexuais!?”; e vou estar a almoçar no Social sabendo que inevitavelmente na mesma mesa onde estou sentado alguém contribuiu para esta discussão com o comentário “Eu não gosto de tomar banho, vou criar um núcleo de pessoas porcas que só tomam banho uma vez por ano“. Não, nada será o mesmo.
*António Coelho – Estudante do Instituto Superior Técnico (4º ano de Física).
Comentários
Cuidado com as extrapolações
"nada será o mesmo porque te apercebes que o IST (aquele espaço onde passas mais de 50% do teu dia) é um espaço homofóbico "
Isto é uma generalização completamente abusiva. Num instituto com mais de 5000 pessoas, onde no máximo 10% das pessoas realmente comentou assuntos de forma homofóbica na publicação (facilmente verificada por alguém que passou mais que uns minutos a ler por alto algo e fazer um artigo sobre isso), insultar todo individuo, incluindo alguns nomeados e premiados por excelência em diversas áreas, só pelas acções de minorias é completo absurdo e calúnias.
Seria o mesmo que dizer que pelo facto de 10% das pessoas do distrito de Lisboa ou do Porto serem ladrões, inferir que todo português residente em portugal é criminoso, corrupto e ladrão.
Concordo absolutamente e
Concordo absolutamente e assino por baixo do que disse. Claramente a pessoa que escreveu o tecto original quer só inflamar opiniões e escolheu falar de apenas comentários específicos como se fosse a opinião de toda a instituição, escolhendo de forma muito falsa excluir todos os outros que responderam de forma séria e construtiva à referida publicação. Para que seja possível analisar correctamente esta publicação recomendo vivamente a inclusão da publicação que deu origem https://www.facebook.com/groups/5494670979/permalink/10155004360830980/
Tiago, deixa de ser
Tiago, deixa de ser politicamente correto. Não consegues aguentar uma crítica?
Parabéns por distorceres o
Parabéns por distorceres o que o OP escreveu.
Olá.
Olá.
Antes de mais, estás em pleno direito de expores a tua opinião onde bem entenderes. E respeito a decisão. Agora.. Não concordo contigo em vários aspectos. De facto, houve muitos comentários que podem ser entendidos como homofóbicos, mas diria eu que mais de metade deles são simplesmente estudantes a avacalhar com uma situação inédita na faculdade (diga-se por exemplo, marcar o amigo no grupo e dizer-lhe que está aqui o grupo para ele, em tom de brincadeira; mas atenção que não estou a dizer que é correcto, mas não deixa de ser em tom gozão) Se fores ver com atenção, grande parte dos comentários que se pode aproveitar põe em questão a legitimidade de criar uma Secção Autónoma da AEIST com os propósitos que foram apresentados. Lembro-me de terem falado sobre o Núcleo de Estudantes Religiosos do IST como exemplo para "e se eles podem, nós não?", mas note-se que isso não é um grupo "legítimo", apenas um grupo de estudantes que se decidiram juntar, e não têm nenhuma afiliação à AEIST, pelo menos. Os objectivos de uma SA são bastante específicos, e talvez não faça sentido (nem se enquadre com os estatutos da AEIST) uma SA apresentada desta forma (Note-se, forma). Nos meus dois dedos de opinião, faria todo o sentido uma espécie de núcleo de acompanhamento à descriminação (porque sim, as pessoas são descriminadas em todo lado, e até no IST, e não só por causa da sua orientação sexual), ou a formação de grupos de apoio para pessoas da comunidade em questão, mas uma SA? Penso que não. Também podemos ver que grande parte dos comentários ao post são exagerados devido ao que tem aparecido nas redes sociais sobre o exibicionismo da comunidade LGBTQIA+ (em Portugal, mas mais no exterior), e podem ser também entendidos como uma crítica a muitas pessoas que fazem parte desta comunidade e baseiam toda a sua identidade e vida de volta da sua orientação sexual, e ao excessivo show-off que se começa a tornar demasiado comum ver. Atenção que não estou de nenhuma forma a tentar justificar o comportamento das pessoas. Mas acho que não é caso para tanto porque quando se pega num assunto sério e se o expõe nas redes sociais, há que esperar o pior, porque atrás de um ecrã toda a gente diz o que quer. Não deveria surpreender ninguém. Mas podias ter mencionado pelo menos 1 dos comentários a favor ou exposto de maneira correcta, para não dares a ideia, ao mundo que decidiste expor as tuas opiniões, que somos todos uns monstros. Porque eles existem, mas não são os nossos representantes na faculdade. Em 5 anos disto, nunca assisti a uma situação de descriminação no seio do IST, não digo que elas não existem, tenho a certeza que sim, existe em todo o lado infelizmente, mas pelo contrário, tenho visto muitas situações de apoio incondicional que só pessoas com mentes abertas e padrões certos podem dar.
Queria só acrescentar em última nota, que não estou aqui a tentar ofender nem desrespeitar ninguém, isto é um tema muito sensível e é muito fácil alguém sentir-se atacado. Eu tenho pleno respeito por as decisões que cada um toma. São delas, a vida é delas, fazem o que quiserem delas. Eu tomo as minhas, e são minhas e de mais ninguém. E espero que tenha sido correcto na minha exposição.
Cumps.
Se não gostas do
Se não gostas do exibicionismo, ignora. Há muita gente que não gosta do exibicionismo dos teus colegas homofóbicos.
Olá João,
Olá João,
Li a tua opinião com atenção. Para muitos em Portugal, religião é algo que os acompanha desde a infância, no entanto, acho que é perverso compará-lo com sexualidade. Pelo que li, não se pretende uma secção para uma forma particular de ver o mundo, mas sim uma secção que alberga toda a gente de forma apartidária, laica e neutra, nas suas vivências diversas de sexualidade. Com a emancipação das mulheres, também a heterossexualidade mudou, também está mais queer, por exemplo, os homens já aceitam mostrar afectos em público. Estes temas - identidade e orientação - intersectam-se claramente: é mais fácil um homem amar um homem se aceitarmos que estes podem mostrar afecto entre si. Quem quiser discutir sexualidade queer de uma forma progressiva e que defenda a liberdade de amar quem se quiser, duvido que não se encaixe nesta iniciativa.
O Técnico menospreza claramente a saúde sexual dos estudantes, embora saiba que os alunos estão numa época importante das suas vidas em relação a este tema. Não existem quaisquer meios para apoiar os alunos relativamente a infeções sexualmente transmissíveis, mesmo nos serviços de saúde, que nem urologia têm numa faculdade desproporcionalmente ocupada por homens. As minorias sexuais não tem qualquer apoio, e claro, a praxe de alguns cursos faz questão de perpertuarem a discriminação (discriminar sendo objectivamente a palavra que operativamente significa, no mínimo, dar destaque): o nosso curso é mais masculino porque temos pénises maiores, os outros cursos são menos masculinos porque "levam no rabo". Vou-te fazer uma menção aqui porque te acho muito gay, e tu vais fazer o mesmo a outro, porque ser gay é um insulto que equivale a um jogo de passar a batata quente.
Para ti, esses avacalhanços (como tu chamas) e estes discursos podem ser apenas tonterias disseminadas no ar contra pessoas desconhecidas sem realmente demonstrarem ódio. E talvez ninguém odeie tanto gays no Técnico ao ponto de matar alguém por andar aos beijinhos no Jardim da Torre Norte (se calhar vai ouvir uns comentários). Mas se tivesses do outro lado, caloiro novo numa universidade, possivelmente saído de uma aldeia em que não podias ser tu mesmo à espera de liberdade, talvez fiques triste e desapontado com a realidade em que as pessoas gozam com coisas que tu sabes que são sobre ti.
Uma coisa que fique de referência, quando dizes coisas estúpidas, há amigos teus a ouvirem. Pensa neles. Um abraço.
Adicionar novo comentário