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Incêndios: vivemos com as escolhas que fazemos

Infelizmente, ano após ano, lamentamos a área ardida, choramos os mortos, criticamos quem não limpa as matas e enaltecemos o trabalho dos bombeiros e da proteção civil, mas vemos que nada mudou.

O momento é de combate aos incêndios que estão ativos e de demonstrar solidariedade para com as vítimas, as suas famílias e com os operacionais que estão no terreno. Não é ainda o tempo para perceber o que falhou e provocou tantas mortes, mas face a uma tragédia destas dimensões é preciso perceber desde já que os incêndios-catástrofe não são uma fatalidade, mas sim parte das escolhas políticas e económicas que o país fez.

Recordemos, depois dos megaincêndios de 2003 e 2005 o país melhorou o seu dispositivo de combate aos incêndios, foi aprovado o Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios (2006) e foi feito um diagnóstico e propostas de medidas pelo grupo do Professor José Miguel Cardoso Pereira.

Mas o Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios ficou muito aquém do que era necessário e aquelas propostas do grupo de trabalho do Instituto Superior de Agronomia não avançaram.

Mais de 10 anos depois, temos mais abandono rural, menos áreas agrícolas a espartilhar os terrenos florestais, mais mancha contínua de pinheiro, eucalipto e matos. O subir da temperatura devido às alterações climáticas faz prever o pior para os próximos anos.

Infelizmente, ano após ano, lamentamos a área ardida, choramos os mortos, criticamos quem não limpa as matas e enaltecemos o trabalho dos bombeiros e da proteção civil, mas vemos que nada mudou.

Aliás, nos últimos anos, o que tivemos foi um maior desinvestimento nas áreas rurais, um aumento da mancha de eucalipto (que já ocupa 25% da área florestal nacional), a liberalização das plantações de eucalipto, uma decisão da ex-ministra Assunção Cristas à medida da indústria da celulose, e nenhum avanço em matéria de cadastro, zonamento, reabilitação com árvores bombeiras e autóctones, serviços florestais ou novo paradigma de combate flexível (adaptado ao momento e não ao calendário). Todos os anos se fala dos criminosos incendiários e as penas foram muito agravadas, mas num incêndio catástrofe a questão não é como começa, é que não se consegue apagar.

A "reforma florestal" anunciada pelo Primeiro Ministro para avançar a 21 de março (dia da floresta) ainda não avançou e o Ministro da Agricultura criticou desde logo quem dizia "Que o Estado devia ser o grande protagonista! Que o Estado devia substituir-se aos privados! Que o Estado devia ser mais penalizador! Que o Estado até deveria distorcer o mercado, injetando apoios financeiros para aumentar o rendimento de espécies menos produtivas; que devia deixar em aberto a expansão de certas espécies só por serem mais produtivas!".

Pois bem, é precisamente isso que tem de acontecer: o Estado tem de intervir. Há quem diga que quando o mercado falha é necessária a intervenção do Estado. Pois o mercado falhou na gestão da floresta, quase 50% do território nacional.

Precisamos de poder atuar sobre a floresta, gerir o combustível e criar zonas tampão para evitar a propagação dos incêndios. Temos de garantir que as zonas de interface entre floresta e habitações/estradas, estão limpas, como manda a lei. Como o Estado é proprietário de menos de 3% da floresta, não pode fazê-lo sozinho e, por isso, é necessário intervir sobre a floresta.

Precisamos de um cadastro florestal para que o Estado possa taxar quem não cumpre, para que possa gerir os terrenos de quem abandonou, mas também para que possa ressarcir quem for afetado pela abertura de um caminho ou de um asseiro.

Precisamos de serviços florestais porque já não temos fases críticas: todo o ano é uma fase chave em que precisamos de gerir o combustível e ter técnicos no terreno que, com o saber da academia, possam indicar intervenções necessárias.

Precisamos de tudo isto no curto prazo, para que não aconteçam mais catástrofes no médio e longo prazo. Como em tudo, viveremos com as decisões que tomarmos.

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro e mestre em políticas públicas. Dirigente do Bloco.
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